Mais do que uma receita simples de gestão, questão exige das lideranças um estudo amplo de psicologia e das últimas tendências em termos de administração de pessoas
Autora: Janine Motta
Quais as razões da crescente insatisfação no ambiente de trabalho contemporâneo? Quando paramos para acompanhar as discussões sobre economia, mercado e carreira, e mesmo ao conversarmos com colegas e amigos, é comum vermos surgir críticas sobre questões como burnout, incompatibilidade entre propósitos pessoais e os das empresas que geram o desejo (e a ansiedade) pela mudança.
Certamente, o esgotamento emocional impulsionado pela pandemia é um dos fatores que está por trás dessa inquietude, mas, se quisermos entender de modo mais profundo esse cenário e, enquanto lideranças, desenharmos estratégias para tornar o clima organizacional mais positivo e, consequentemente, reter os melhores talentos em nossas equipes, é importante que analisemos com mais detalhes o paradigma da felicidade no trabalho.
De início, não podemos tapar o sol com a peneira: uma pesquisa divulgada pelo Portal Mundo RH, no fim do ano passado, apontou que impressionantes 90% dos brasileiros estão infelizes em seu emprego atual. Já o LinkedIn, em levantamento também de 2021, indicou que 49% dos trabalhadores desejam mudar de emprego ainda em 2022 (em profissionais de até 24 anos, esse número chega a 61%).
É importante observarmos, aliás, que esse movimento, longe de ser algo restrito ao Brasil, tem se mostrado uma tendência global nos últimos anos. Em abril de 2020, por exemplo, os Estados Unidos bateram o recorde nos pedidos de demissões no país, chegando a quase 4 milhões de trabalhadores que abriram mão de seus cargos – o movimento, inclusive, foi estudado por alguns cientistas organizacionais e chegou a ser batizado de “a grande renúncia”. Já um estudo da Microsoft, por sua vez, indicou que 40% dos profissionais, em todo o mundo, desejam mudar de emprego após a pandemia.
Quando investigamos as motivações para tal contexto encontramos também pistas objetivas dos caminhos que podem seguir para transformar esse cenário. Uma pesquisa da Love Mondays, nesse sentido, traz alguns indicativos importantes. No mercado brasileiro, 58% dos profissionais estão infelizes com questões relacionadas à remuneração; outros 40% são críticos às lideranças de suas equipes e, por fim, 33% têm o interesse em trabalhar menos horas por semana.
Estratégias com base nessas motivações, nesse sentido, oferecem um norte significativo para que alcancemos melhores índices de felicidade no trabalho. O primeiro ponto envolve uma remuneração compatível com o potencial de um colaborador e suas funções – se queremos que um profissional valorize permanecer em uma empresa, é preciso valorizá-lo e esse discurso não deve ser construído somente com uma base motivacional.
Sobre a segunda questão, percebemos o quanto a influência das lideranças pode ser positiva ou negativa para a retenção de um colaborador. Como estratégia, um passo interessante envolve uma comunicação mais transparente, que abra espaço para feedbacks horizontais e, também, advindos do colaborador. A escuta ativa e o implemento de estratégias são demandas de qualquer liderança interessada em transformar um ambiente organizacional.
Finalmente, sobre os horários, já se discute – sobretudo em ecossistemas de negócio mais avançados e, também, na realidade das startups – metodologias de entrega baseadas não no tempo de trabalho, mas na eficiência. Há, inclusive, experiências sendo realizadas de modo bem-sucedido em empresas da Europa com a redução das semanas de trabalho para 4 dias. Tudo depende, nesse caso, daquilo que queremos para o futuro de nosso mercado: estruturas organizacionais que pouco se comunicam com as demandas do futuro ou produtividade, ao invés, do clássico “bater de ponto”?
Dentro desse contexto, precisamos levar ainda em conta o fator geracional. Jovens da geração Z e nativos digitais que assumem características de menos apego a rótulos, rotinas e são mais críticos sobre suas escolhas, dificilmente aceitarão permanecer por ciclos mais longos em empresas que, além de não lhes motivarem com novos desafios, expectativas e um ambiente propício ao desenvolvimento, não levam em conta as pautas de uma sociedade mais atenta a diversidade, inclusão e a clareza do discurso das marcas.
E é possível ir mais além nesse debate, considerando a individualidade de cada colaborador e como seus anseios se relacionam com o propósito e os valores das empresas nas quais atuamos.
A clássica pirâmide ou hierarquia das necessidades, do psicólogo americano Abraham Maslow, por exemplo, explica que além da autorrealização – objetivo mais amplo de uma carreira e de uma vida – nós buscamos também o reconhecimento, a criação de laços sociais, a segurança e, mais basicamente, o descanso e todas as questões fisiológicas. Claramente, um ambiente de trabalho que provê a satisfação dessas necessidades tem mais chances de reter colaboradores no longo prazo enquanto ele próprio constrói os caminhos de sua carreira.
Em suma, o desafio de promover a felicidade no trabalho, mais do que uma receita simples de gestão, exige das lideranças um estudo amplo de psicologia, das últimas tendências em termos de administração de pessoas e dos números de mercado que explicam o panorama do clima organizacional nas companhias do Brasil e do mundo. Só a partir dessa análise aprofundada – e recompensadora – teremos meios concretos para engajar nossos times e fidelizar talentos em um cenário de escassez de mão de obra qualificada.
E me refiro a recompensadora porque os ganhos desse esforço são concretos: funcionários mais satisfeitos, por exemplo, são 31% mais produtivos, melhora em 37% sua performance de vendas, são três mais criativos, atendem melhor os clientes e até são mais engajados em reduzir desperdícios e evitar acidentes na empresa, segundo um estudo da Universidade da Califórnia divulgado em 2019.
Tudo isso sem falarmos que, em tempos de dinamismo nas mudanças de postos de trabalho como comprovamos acima, reter talentos é um diferencial de mercado que só alcançamos quando tratamos da busca pela felicidade nas empresas como um objetivo estratégico. Afinal de contas, mais do que uma utopia ou um discurso corporativo, o desejo de plenitude – na vida, no trabalho, nas relações – é intrínseco ao ser e persegui-lo, parafraseando Nietzsche, é humano, demasiado humano.
Janine Motta é growth marketing lead da unico.