Alguns desafios podem ser históricos e contribuir para quebrar alguns paradigmas. A publicidade ousada do Banco Itaú instigando os clientes a ligarem para fazer seus comentários, reclamações, sugestões é um destes marcos como o foi a Rhodia com sua publicidade, em meados da década de 80, “Você fala, a Rhodia escuta”, considerada um marco na área de relacionamento com clientes e ouvidoria. A evolução do modelo levou à consolidação da atividade em 95, com a criação da Associação Brasileira de Ouvidores, a ABO. “É preciso trabalhar com princípios e valores”, justifica Édson Vismona, Conselheiro e ex-presidente da ABO Nacional.
O novo desenho que a atividade ganha a partir desta década revela muito mais questões conceituais. “A ouvidoria é a mesma em todas as áreas – pública e/ou privada -, o que muda é a configuração legislativa”, resume Vismona, durante a abertura da conferência Ouvidoria on Business, promovido pela Grube Editorial, editora do portal Callcenter.inf.br e da revista ClienteSA. “O cidadão, nos dois casos, é o mesmo.” Ele defende a tese de que a atividade está intimamente ligada ao relacionamento com clientes. “Se o callcenter não atende ou resolve as questões dos consumidores que entram em contato com a empresa, a ouvidoria deve entrar em ação, procurando solucionar a questão e identificar falhas no processo de comunicação”, pondera.
O atual presidente da ABO Nacional, João Elias de Oliveira, reforçou a tese da necessidade das empresas se focarem cada vez mais no atendimento ao cliente, o que considera uma postura corporativa indispensável a caminho do que ele considera “direitos fundamentais do lucro”. Por isso, a postura profissional precisa ser, sempre, pró-ativa, “jamais pode ser passiva”, diz, pois é a forma de “trazer credibilidade para a companhia”. Até por que, justifica o executivo, do outro lado os consumidores “estão exigindo cada vez mais o direto de consumo”, pondera.
Elci Pimenta Freire, ouvidor do Município de São Paulo e presidente da Anop, a associação dos ouvidores públicos, reforçou a necessidade da atividade na área pública e corporativa. Na pública, situa como fator preponderante com o restabelecimento da democracia no País, a partir da década de 80, em paralelo à criação e consolidação de vários organismos de defesa dos direitos humanos e cidadania, como ele faz questão de lembrar.
“As ouvidorias públicas vêm assumindo cada vez mais o papel de instrumento de promoção de direitos”, pontua. Ele avalia a atividade “frente ao mundo do conhecimento e das competições empresariais” a partir de desafios como responsabilidade social, empresa cidadã, inclusão social e ética nas relações. Ele ainda faz distinção de competências de acordo com a finalidade, divida em Missão do Ouvidor e o papel como “defensor do direito”. E finaliza expondo o exercício da função.
A importância da atividade foi discutida no segundo painel, com as apresentações de Topázio Silveira Neto, presidente da ABT, e Solange Dias, assessora da diretoria da Susep, a Superintendência de Seguros Privados. Solange elaborou, na Susep, o projeto que disseminou a criação de ouvidoria nas empresas privadas. A ouvidoria, para ela, é um dos meios para solução dos conflitos nas relações de consumo, como revela um dos slides de sua apresentação, onde avaliou a venda de produtos e serviços na relação fornecedor-consumidor. Ela descreve o papel da Susep como de atuar na supervisão, fiscalização e incentivo das atividades de seguro, previdência complementar aberta e capitalização “de forma ágil, eficiente, ética, transparente, protegendo os direitos dos consumidores e os interesses da sociedade em geral”, explica.
A mudança do mercado de seguros começou com a instituição da Resolução 110, de 7 de maio de 2004. “Foi um marco regulatório do reconhecimento das ouvidorias do mercado pela Susep”, explica. Ela foi o que Solange define como fomento à implementação voluntária das ouvidorias com elementos estruturais mínimos por meio da outorga de benefícios criados e a serem criados. Entre os parâmetros básicos, a Susep estabelece R$ 30 mil como alçada decisória por caso, mas o mercado passa a praticar um número maior – R$ 75 mil no caso da Mapfre, justifica Mário Rossi, ouvidor da empresa espanhola e responsável pela Comissão de Ouvidores da Fenaseg. Ele adianta porém existir empresas que elevam este valor para R$ 100 mil.
Solange aponta a ouvidoria nas empresas como fonte de redução de índices de processos instaurados por exemplos, que caíram de 1.891 para 1.097 entre 2002 e 2005, e de redução de atendimentos ao público, números que foram reduzidos de 62.975 para 57.829, no mesmo período. Os processos julgados entre primeira e segunda instancia foram reduzidos de 2.390 para 1.446, no mesmo período, o que Solange avalia como “impacto positivo”. A Susep, na visão de Solange cumpriu papel regulador e fomentador levaram os agentes à busca de ferramentas mais eficazes para atender o consumidor. Ela pontua o papel da ouvidoria como “ferramenta de excelência em gestão”.
Topázio Silveira Neto reforçou a importância estratégica da área de relacionamento com clientes associada às ouvidorias e das ouvidorias na consolidação do projeto de auto-regulamentacao, o Probare. Ele descreveu o crescimento da área de callcenter nas ultimas duas décadas, após o Código de Defesa do Consumidor e das empresas prestadoras de serviços a partir da privatização das operadoras de Telecom, em meados da década de 90. Hoje, as empresas empregam perto de 200 mil pessoas possuem 80 mil posições de atendimento – de acordo com o Ranking do portal Callcenter.inf.br – e faturou em 2005 mais de R$ 3 bilhões. O mercado porem chega a empregar perto de 600 mil pessoas contando as operações não terceirizadas.
Com a estratégia de profissionalização levou as entidades do setor, amparadas pela ABT e Abemd, a criarem com o envolvimento de mais de 400 profissionais ligados à cadeia deste mercado a criarem o Probare. Mas o grande segredo do Probare é justamente a ouvidoria, um canal ainda restrito hoje ao website do programa (www.probare.org.br) através do qual os consumidores podem fazer reclamações de centrais de atendimento. “A grande virtude é a isonomia da ação, pois os executivos não se envolvem no processo e garantem o desenvolvimento de todo processo”, explica. “Além de contribuir com a melhora da imagem da atividade e corrigir distorções, a ouvidoria tem papel fundamental pela independência que precisa ter”, endossa.
O terceiro painel, coordenado por Alexandre Jau, presidente da empresa de callcenter TMKT, trouxe a experiência de Leonardo Araújo, gerente de Relacionamento Institucional da CEF, e Antonio Semerato Rito Cardoso, ouvidor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea. Araújo reforçou a estratégia de “reforçar o lado negativo dos contatos recebidos com objetivo exclusivo de contribuir com o aprimoramento de processos e realinhamento estratégico”. Ele reconhece a necessidade, ao adotar uma postura que pode ser considerada polêmica, de deixar “muito claro” a função do ouvidor ou da própria área de ouvidoria. “Todos precisam saber que não estamos contra ninguém, internamente. Estamos apenas abrindo o canal e precisamos dar credibilidade ao consumidor a fim de confiar na atividade”. O lado positivo das corporações, exemplificando pela CEF, sempre é trabalhado por áreas específicas como a de marketing nas comunicações de produtos e/ou serviços empresariais.
Ele reforça a necessidade da operação ser exemplo. Por isso, criou isonomia e está vinculado diretamente à presidência. O que ele ainda identifica como uma ferramenta que não está conceituada dentro de qualquer canal de ouvidoria é a área de comunicação. “Como jornalista, com experiência em vários meios de comunicação, consigo identificar a necessidade de abordagem da diretoria de comunicação em todos os comunicados distribuídos ao mercado. Mas sei também da necessidade da abordagem da comunicação que precisamos manter com todos os envolvidos nos processos, sejam o consumidor ou com as áreas que precisamos nos relacionar”, reconhece. “Isso ainda não está definido claramente.” O texto que ele utiliza para definir um de seus textos é “Ouvidoria boa tem que incomodar”.
Antonio Rito, do Ipea, relembra a necessidade da área estar alinhada à visão estratégica e à missão da organização, o que implica “perceber a ouvidoria como subsistema organizacional”. Para ele, as ouvidorias devem estar preparadas para contribuir com empresas mais éticas – tanto públicas como privadas. “O objetivo deve ser sempre contribuir para uma sociedade melhor”, pontua. Quando fala do papel das ouvidorias públicas, Rito as reforça como “instrumentos que visam permitir à sociedade interagir com o governo, a fim de efetivar os princípios constitucionais. Por isso mesmo, o ouvidor deve possuir visão global de nosso ordenamento”, salienta. Mas, para atuar neste cenário, Rito diz que o ouvidor deve estar atento à sociedade.
O case do Itaú foi demonstrado por Francisco Calazans de Araújo Jr., ouvidor geral, em painel que contou com a participação de Cláudio Puglisi, ouvidor do Sebrae-SP e da ABO-SP, e Anna Zappa, diretora de Marketing da Plusoft, mediados por Alexandre Jau. Para Anna Zappa, a ouvidoria precisa ser vista “sob a luz do CRM. Ela é um catalizador que passa para as áreas internas as informações tratadas com objetivo de promover melhorias organizacionais, com foco no cliente”. O Itaú, com 14 milhões de clientes, tem uma história de relacionamento com clientes iniciado oficialmente em 1987, com o Disque Itaú, como apoio ao Bankfone. A diretoria de Coordenação de Atendimento foi criada em 2004 e um ano depois, a Ouvidoria Corporativa juntamente com o lançamento da campanha O Itaú quer ouvir Você.
Com a missão de atuar como “representante dos clientes, intervindo a seu favor e promovendo melhorias contínua em produtos e na prestação de serviços”, a ouvidoria atua no pós-atendimento, com função de mediar conflitos, apoiar a operação da central de atendimento e implementar demandas de forma sistêmica. Mas tem compromisso de responder as demandas em cinco dias. A Ouvidoria Coporativa opera com ouvidores especializados e têm como fonte de informações o bankfone, as agencias, atendimento estrela, o fale conosco vis web e Bacen, Procon e imprensa. Ao longo de 2005 foram treinados mais de 10 mil funcionários e o resultado, como Calazans demonstra, e ficar fora dos dois últimos ranking do Procon. “O foco está na busca da excelência no atendimento, dentro de um compromisso de cidadania que inclui o respeito ao consumidor”, revela o executivo.
Para Cláudio Puglisi, as organizações devem se orientar por meio de indicadores de resultados econômicos e sociais. Puglisi divide a discussão em três itens. Primeiro, o que chama de O ciclo do pensamento estratégico como mecanismo para a discussão de conceitos entre os ouvidores e o Ombudsmam”, seguido de “O paralelo entre as duas instituições. Será que as Ouvidorias são diferentes?” e por fim “Utilização de pesquisas quantitativas para melhoria continua de resultados – A hora da verdade”. Ele chega a questionar se “o cliente sabe qual é o papel da ouvidoria na organização?, a missão é conhecida?, qual o custo x benefício (é tangível ou intangível) e quais são os indicadores?”.
A evolução conceitual e prática da Ouvidoria no País
Elci Pimenta Freire*
I – Breve relato do surgimento/reaparecimento da função de Ouvidor nas instituições públicas e no mundo corporativo
– O restabelecimento da democracia no país, a partir da década de 1980, e, juntamente com a criação e consolidação de vários outros organismos de defesa dos direitos humanos e de cidadania, as ouvidorias públicas vêm assumindo cada vez mais o papel de instrumento de promoção de direitos.
– A Ouvidoria frente ao mundo atual do conhecimento e das competição empresarial (responsabilidade social, empresa cidadã, inclusão social, ética nas relações);
* foco no relacionamento com os clientes – imagem e credibilidade corporativa – cativação/perpetuação da clientela;
* o aprimoramento do relacionamento interno e externo – mediação de conflitos – sinergia fi ética nas relações
* identificação de problemas – aperfeiçoamento de processos;
* ferramenta auxiliar de gestão – mudança de processos e introdução de tecnologias inovadoras
* gestão de pessoas – ouvidorias internas – capital humano – relação dialética quantidade/ qualidade
II – A distinção de competências, de acordo com a finalidade
1. Missão do Ouvidor:
* buscar soluções para as questões levantadas e o compromisso com o usuário;
* grau de satisfação do usuário (cidadão/ cliente)
* oferecer informações gerenciais e sugestão aos dirigentes, visando o aprimoramento da prestação do serviço.
2. O ouvidor como “defensor do direito”
* a diferença marcante de papéis na atuação do ouvidor público é a defesa dos cidadãos cujos direitos foram prejudicados ou ameaçados por atos da administração pública;
* os atos e ações dos governantes e dos gestores públicos não são obrigatoriamente coincidentes com o efetivo interesse público;
* a garantia da prestação de serviços, com eficiência e qualidade é um papel constitucional do estado.
III – O exercício da função
* para exercer com eficiência a sua função, o ouvidor tem que ter apoio total do dirigente principal da organização, ter livre trânsito no âmbito institucional e prioridade de resposta;
* no caso do ouvidor público as atribuições e garantias do exercício da função devem estar formalizados em atos normativos correspondentes;
* a sofisticação das suas competências como geradora de insumos para desenvolvimento da estratégia corporativa (ou o apoio ao planejamento, no caso das instituições públicas) para a melhoria contínua dos processos.
*Elci Pimenta Freire, ouvidor do Município de São Paulo e presidente da Anop, Associação Nacional das Ouvidorias Públicas.