Autora: Cristina Goldschmidt
Segundo o Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2016 do Fórum Econômico Mundial, entre os 144 países avaliados, o Brasil ocupa a 79ª posição do índice global de disparidade de gênero, tendo as participações econômica e política como as principais lacunas registradas. Vale registrar que o Fórum destaca que a disparidade nesses dois aspectos é um problema global. No mundo inteiro, as mulheres têm menos de 25% de representação política em relação à alcançada pelos homens e 59% de participação econômica.
No quesito de igualdade de salários, o Brasil ocupa a 129ª posição, dentre os 144 países avaliados. Quando se trata de cargos executivos, a diferença salarial entre homens e mulheres é de mais de 50%. Irã, Iêmen e Arábia Saudita, que são países criticados por violar os direitos das mulheres, estão em melhor posição que o Brasil. A equiparação salarial entre mulheres e homens no Brasil levará um século.
Além da igualdade salarial, outros dois quesitos chamam a atenção: a 87ª posição do país na presença de brasileiras no mercado de trabalho, que fica na casa dos 62%, enquanto a dos homens é de 83%; e a renda média das brasileiras, que é de 11.600 dólares por ano, enquanto a dos homens é de 20.000 dólares.
No Brasil, ainda não foram superadas as recorrentes dificuldades encontradas pelas trabalhadoras no acesso a cargos de chefia e de equiparação salarial com homens que ocupam os mesmos cargos/ocupações, ainda que, segundo o Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2016 do Fórum Econômico Mundial, em saúde e acesso à educação, praticamente não existam diferenças entre homens e mulheres no país. O mesmo ocorre em outros países do mundo: “O número de mulheres em posições de chefia continua extremamente baixo, com apenas quatro países do mundo tendo igualdade entre o número de homens e mulheres legisladores, ocupando cargos executivos e diretores de empresas, apesar de 95 países terem o mesmo índice, ou até maior, de mulheres com diploma superior”, diz o documento.
Então, por que as mulheres que tiveram várias conquistas (instrução, igualdade civil) têm tanta dificuldade em chegar aos cargos de comandos nas empresas?
Se por um lado as empresas apresentam um discurso modernizante, na prática o que vemos são atitudes conservadoras. Trata-se do fenômeno teto de vidro nas organizações brasileiras, O teto de vidro, tradução de sua denominação original glass ceiling, constitui-se de uma representação simbólica de uma barreira transparente e sutil, mas suficientemente forte para impossibilitar a ascensão de mulheres aos postos altos da hierarquia organizacional.
Não há dúvida que a questão da representação e participação das mulheres em todos os níveis de poder é mais discutida. Entretanto, ainda nas organizações brasileiras a grande maioria das mulheres não tem tido voz na formulação e discussão dos referenciais que orientam as questões relevantes da economia e da gestão. Apesar do avanço da mulher executiva, ainda estamos longe de um equilíbrio em relação ao trabalho dos homens executivos.
Alguns afirmam que o grande desafio para as mulheres dessa geração, é tentar reverter o quadro das desigualdades de poder, de oportunidade na carreira e de remuneração entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo. Entretanto existe uma outra desigualdade, bastante evidente, das mais desafiadoras no que tange relações de gênero, e que está vinculada ao ponto de vista cultural e social: as representações sociais da participação da mulher dentro de espaços variados, seja na família, na escola, igreja, nos movimentos sociais, enfim, na vida em sociedade. A cristalização dessas representações sociais reforça a recorrente concentração de ocupações das mulheres no mercado de trabalho, em atividades como professoras, cabeleireiras, manicures, funcionárias públicas ou em serviços de saúde.
Assim, um outro grande desafio que recai sobre a análise da situação da presença feminina no mundo do trabalho, é a revisão das funções sociais da mulher, o que passa também pela crítica ao entendimento (convencional) do que seja o trabalho e as formas de mensuração a ele aplicadas, que são efetivadas no mercado. Em resposta, é fundamental que as mulheres lutem por políticas públicas que universalizem o direito de acesso às creches, à educação infantil, básica e média, todas em tempo integral.
Além da equiparação salarial e dos aspectos das representações sociais da participação feminina nos espaços sociais, um terceiro desafio se coloca diante das mulheres, que é o de reconhecerem diversidade naquilo que as torna iguais, pois quando mergulhamos mais fundo na questão do gênero trazendo de forma transversal outros aspectos da diversidade como raça, orientação sexual e religião, tornamos o leque de desafios maior e mais complexo: mulheres brancas com alto nível de escolaridade não enfrentam os mesmos desafios das mulheres negras com alto nível de escolaridade; mulheres brancas com alto nível de escolaridade e lésbicas enfrentam desafios que mulheres brancas ou negras heterossexuais desconhecem, e assim por diante.
O emprego, a renda, o acesso à educação e saúde são componentes que criam condições para que as mulheres conquistem a igualdade de condições de inserção e de competitividade no mercado de trabalho, mas o caminho para a equidade de gênero precisa se dar conta de que há desafios em diferentes espaços e dimensões e que se traduzem de maneiras diferentes para mulheres diferentes.
Cristina Goldschmidt é consultora, coach e sócia-diretora da Consulting CG.