Os varejistas brasileiros precisarão passar a enxergar a experiência do consumidor como um pilar fundamental para a recuperação da marca e também de todo o setor
Autor: Bruno Stuchi
O varejo brasileiro cresceu e se adaptou a cada nova revolução industrial que surgia e a cada nova geração que ganhava poder de compra. O resultado da adaptabilidade e da consolidação de tal mercado é mostrado na edição mais recente do estudo O papel do varejo na economia brasileira. De acordo com a pesquisa, o varejo restrito equivale a 22% do PIB, enquanto o varejo ampliado corresponde a 27% do Produto Interno Bruto. Entretanto, a resiliência do setor é colocada à prova novamente com o estopim das inconsistências contábeis da Americanas. A insegurança que começou com uma empresa se espalha por todo o setor e impacta desde instituições bancárias até consumidores.
Falando sobre a percepção dos consumidores sobre a situação, é válido relembrar a rapidez na qual o público assimilou a crise. Apesar das inconsistências contábeis serem um assunto complexo, o tema burlou o mundo financeiro com uma rapidez impressionante e não tardou para que os clientes ficassem preocupados com as compras feitas ou pesquisassem se é seguro fazer novas aquisições. A maioria dos conteúdos que respondiam tais angústias eram acompanhados por títulos impactantes como “É seguro comprar?” ou “Vai falir?”. Mas além das técnicas de SEO, tais títulos traduzem a postura dos clientes e é mais um exemplo de como mostram que não foi só a relação com os grandes bancos que foi afetada.
Para entender o impacto da crise na experiência dos consumidores, gostaria de fazer o caminho inverso e pontuar a percepção que os clientes tinham da marca. A Americanas é uma empresa com 94 anos de trajetória e com uma existência quase centenária, está presente na vida de gerações de famílias. Inclusive, uma pesquisa recente do BofA mostrava que a varejista teve melhoria nas principais métricas e manteve o quarto lugar no ranking NPS, com indicador subindo de 49 para 54. Além disso, a edição de 2022 da IPCon citou a marca como a mais bem posicionada no âmbito de preço e promoção, à frente de negócios como Assaí. Em suma, o relacionamento com a clientela ia bem e foi a quebra de tal confiança já bem consolidada que causou um susto no público.
O porém é que, a desconfiança dos consumidores, inicialmente direcionada para a situação da Americanas, se alastrou para todo o mercado varejista. Basicamente, o raciocínio catastrofista do cliente é o seguinte: Afinal de contas, se uma marca como a Americanas passou por isso, o que impede outros negócios de seguirem o mesmo caminho?
A pergunta, apesar de pessimista, ganha força com as situações delicadas da Marisa e da TokStok. A questão é que o cenário varejista não está fácil para ninguém. Um exemplo disso são os resultados operacionais trimestrais reportados pela Nike. Os custos de venda e de frete cresceram e a varejista esportiva teve uma queda de 11% no lucro líquido no trimestre fiscal.
Sendo assim, creio que setor varejista como um todo está passando por uma mudança profunda, uma alteração estrutural que é composta por uma soma de fatores como a pandemia do novo coronavírus, guerra na Ucrânia, questões geracionais e incertezas da economia global; até mesmo o metaverso tem uma parcela de participação nesse momento de transformação. Com tantas questões complexas, não é possível prever uma única solução, seja para a Americanas, para o varejo brasileiro ou internacional.
Por outro lado, não há “gaps” no mercado, não há espaços que permaneçam vazios por muito tempo. A entrada e crescimento de varejistas chineses mostram que há quem surfe contra a maré. Shein, Shopee e AliExpress enfrentam polêmicas tributárias, mas é claro como as marcas investem de forma diferenciada em CX. No WebSummit de 2022, Donald Tang, Vice-Presidente Executivo da Shein, explicou como a marca faz uso da tecnologia para oferecer uma experiência fluida; o modelo que resulta em uma comunidade fiel e engajada. Outro caso interessante e recente foi a ação promocional feita pelo AliExpress para clientes brasileiros em seu aniversário de 13 anos.
Com ou sem taxação que ajudem a fomentar o varejo nacional, as marcas brasileiras precisarão passar a enxergar a experiência do consumidor como um pilar fundamental para a recuperação da marca e também de todo o setor. Ao escrever o último período, me lembrei do texto “1.000 True Fans”, de Kevin Kelly. Parece desproporcional pensar que um negócio varejista precisa de “mil fãs”, mas acho que esse é o exemplo perfeito para o momento no qual o mercado está passando. Apesar de ser incrível ter informações com casas nominais repletas de zeros, em momentos de crises, os mil fãs verdadeiros são os que ajudam as marcas a prosperarem.
Bruno Stuchi é fundador e CEO da Coaktion.