O mercado de produtos e serviços nos segmentos considerados de luxo apresenta ilhas de prosperidade em plena crise global. Mas, de qualquer forma, funciona também como um farol que joga luz nas defasagens existentes entre a mentalidade das empresas, de seus gestores e a dos clientes, sendo estes os únicos que já se situam no final do século 21. As mudanças sempre postergadas tiveram de ser aceleradas na crise e se voltam para atender a um exigente consumidor cuja cultura se constitui hoje muito mais em usufruir do que em possuir. Os pontos físicos de vendas estão longe de acabar e o cliente vai exigir cada vez mais negociar e interagir do local em que esteja. Estes são alguns dos conceitos e cenários detalhados, hoje (22), por Carlos Ferreirinha, especialista em mercado e gestão do luxo, fundador e presidente da MCF Consultoria, durante a 145ª live da série de entrevistas dos portais ClienteSA e Callcenter.inf.br.
Ao fazer questão de registrar, de início, que absolutamente nenhum dos mercados deixaram de ser impactados em algum nível na crise atual, Ferreirinha lembrou alguns focos mais problemáticos no segmento de luxo. Citou, como exemplos pontuais, áreas da aviação cujo declínio nos negócios atinge patamares de até 90% e regiões da Europa nas quais a queda da comercialização de itens mais caros desabaram em uma ordem de 60%. Segundo ele, se colocarmos uma lupa veremos, dessa forma, pontos críticos bem acentuados, mas, de maneira geral, se confirma a expressão em inglês “the strong get stronger, the weak get weaker”, ou seja, os mais fortes se robustecem e os mais fracos se fragilizam ainda mais. “Uma crise dessa magnitude acentua e expõe as diferenças sociais dentro da sociedade mundial. Aqueles mais resilientes, com capacidade financeira diferenciada, se destacam e influenciam a performance registrada no mercado de luxo.”
Dentro dessa análise, o consultor destaca os segmentos que cresceram no período e impactaram positivamente o mercado do luxo, como os imobiliário, náutico, joalheria e até o de itens domésticos. “O grande protagonista neste período pandêmico, na verdade, é tudo o que se refere às casas das pessoas. Por exemplo, internamente, itens tais como os de cama, mesa e banho. E também a aquisição de imóveis que obteve em julho e agosto a melhor performance de venda por metro quadrado da sua história do país.” Isso se deve, em sua avaliação, tanto pelos reflexos do movimento “fique em casa” quanto à compra dos segundo e terceiro endereços, já que, sendo possível se trabalhar de qualquer lugar, busca-se acrescentar alternativas onde há melhor qualidade de vida. “O home office foi a oportunidade que alcançou a todos e veio para se estabelecer de forma definitiva. Principalmente porque agora já se sabe ser possível manter ou até mesmo aumentar a produtividade e rentabilidade, ao mesmo tempo em que se reduz o custo fixo.”
Na concepção de Ferreirinha, a inteligência de cliente, que pressupõe flexibilidade e personalização, no caso do comportamento do consumo no mercado de luxo, afora poucas exceções, demanda um desempenho relacional expressivo – também em virtude dos altos valores envolvidos na negociação. Nesse nicho, segundo ele, não é possível se pensar em e-commerce e autoatendimento de forma plena. Entretanto, entre as ferramentas utilizadas nesse relacionamento, ele informou que o campeão absoluto de interações no mercado de luxo tem sido o Whatsapp. “Esse está se consolidando como o grande instrumento relacional no consumo da elite. Mas, de toda forma, é um grande engano considerar a transformação digital algo que se descobriu com a crise. Na verdade, ela já era uma realidade que se mostrava um forte diferencial em grandes players e agora todos se viram forçados a seguir um caminho que já se oferecia há tempos. O cliente emporderado vai exigir mais opções para escolher de onde e como consumir, numa ampla cultura omnicanalidade.”
Justificando-se por aplicar um olhar pragmático para o mercado em geral, o consultor apontou ainda um gap em cadeia. Para ele, enquanto as indústrias ainda se situam no século 19, os líderes e gestores se localizam no século 20, enquanto os clientes já estão no final do século 21. “Por exemplo, vejo muitos gestores e empreendedores que, ao agirem como consumidores, o fazem exatamente como o cliente deste século. Mas, quando decide lá na empresa, sua cabeça ainda está no passado distante. Uma grande contradição.” E Ferreirinha expôs também experiências que explicam o porquê da infidelidade do consumidor. Na área da logística, por exemplo, jornadas oferecidas por players com grande agilidade de entrega, fazendo com que o cliente mude rapidamente para o que lhe é mais conveniente. Entre outros protótipos dessas defasagens existentes, ele mencionou restaurantes que não ouviram os apelos dos clientes que já demandavam o delivery bem antes da pandemia. “Precisava esperar a crise para sair correndo e perceber que não só era viável como rentável e não prejudicaria a imagem do estabelecimento?”, questionou o especialista.
Em resumo, o presidente da MCF considera como ponto crítico da ausência de resposta adequada das empresas em tempo hábil é que o ritmo das mudanças hoje é muito maior. “A noção do tempo já foi ressignificado e muitos não perceberam. A tomada de decisão tem de acontecer numa velocidade muito maior e isso passa por delegar, dar poder às pessoas se arriscarem na tomada de decisão.” E levantou outra questão: “como se fixar ainda hoje em um planejamento de longo prazo se, num piscar de olhos, por um erro grave numa rede social, a organização pode perder milhares de clientes?” Para ele, ainda há muito que mudar de cultura até mesmo antes de se discutir como ouvir os clientes. “O planejamento de longo prazo hoje, disse ele, se resume a uma semana. Estamos no limite das incertezas. Por exemplo, essa ideia de que o varejo físico irá desaparecer é um absurdo. Para qualquer empresa que tenha capacidade de continuar dialogando com o consumidor haverá diversos estímulos de vendas em várias vertentes.” Como outro exemplo, ressaltou que o Brasil é um das melhores escolas de criação de shopping centers, hoje muito mais que um centro de comércio, mas também um hub de serviços. “O que vem crescendo ali não é mais o varejo tradicional, mas um local de relacionamento e pontos de contatos.”
No encerramento do bate-papo, ao enfocar as mudanças de tipos e hábitos de consumo no segmento de luxo, o especialista comentou que os novos entrantes na área do luxo, notando-se no turismo, na gastronomia, etc., encara isso tudo com um sentimento de glamourização muito maior. “É muito mais consumo imediato do que posses. A geração passada tinha mais foco na propriedade de coisas e não de desfrutes pontuais. Por isso a atividades dos segmentos do luxo apresentam algumas das maiores taxas de crescimento dos últimos 20 anos.” Segundo ele, uma das indústrias centenárias desse segmento obteve, em 2017, o maior índice de venda de sua história. E finalizou citando uma frase do escritor e futurista norte-americano Alvin Toffler: “Os analfabetos do século XXI não serão mais aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não entenderem que precisam aprender, desaprender e reaprender”.
O vídeo com a entrevista, na íntegra, está disponível em nosso canal no Youtube. Aproveite para também se inscrever e ficar por dentro das próximas lives. Amanhã (23), a série de entrevistas encerra a semana com um debate especial sobre o novo RH, reunindo Ana Marcia Lopes, vice-presidente de recursos humanos, responsabilidade social e ouvidoria da Atento Brasil e Cláudio Vinícius, CEO e fundador da Beejobs.