Para que a estratégia seja sustentável e responsável, é essencial incorporar etapas que garantam o uso ético da tecnologia, com atenção especial à mitigação de vieses não intencionais
Autora: Camila Bastos
A ascensão do Embedded Finance marca uma nova era para transações financeiras e como clientes (consumidores e empresas) gerenciam relacionamentos financeiros. O conceito evoluiu de fintech como um modelo de negócio independente para um ingrediente chave nas plataformas de software, a “quarta plataforma”.
Embedded Finance no varejo é explicitamente a tendência de varejistas expandirem-se para oferecer serviços financeiros diretamente aos seus clientes. Isso envolve a integração de produtos na jornada do cliente, frequentemente através de suas plataformas digitais. Essa movimentação reflete a preferência crescente dos usuários finais pela conveniência de usar meios como pagamentos, empréstimos e seguros embarcados em seus softwares diários, em vez de serviços autônomos de instituições financeiras tradicionais. Um dado que ilustra a adoção e a demanda crescente por esses serviços embarcados é o volume de transações de finanças embarcadas nos EUA, que já representou US$ 2,6 trilhões, quase 5% do total de transações financeiras do país em 2021, e tem previsão de ultrapassar US$ 7 trilhões até 2026, superando 10% do valor total de transações nos EUA nesse mesmo ano. A demanda por esses serviços embarcados cresce porque a proposta de valor ‘melhor juntos’ promete aprimorar a experiência do cliente e o acesso a serviços financeiros.
Por que agora? Os varejistas estão olhando para o Embedded Finance por diversas razões estratégicas. Uma das principais é criar novas fontes de receita, que podem incluir juros, taxas e outros. Essas novas vias de receita podem, potencialmente, ter margens de lucro mais altas. Além disso, há o objetivo de capturar uma fatia maior dos gastos do cliente e reduzir a dependência de gateways de pagamento externos.
Não é apenas “ser um banco”
A estratégia de Embedded Finance no varejo não significa necessariamente que todo varejista quer se tornar um banco completo. É mais sobre a integração de serviços financeiros para melhorar a proposta de valor. Um passo inicial comum e potencialmente estratégico para a integração é começar com soluções de pagamento e carteiras digitais. Isso estabelece uma infraestrutura fundamental que pode ser aproveitada para serviços financeiros mais complexos no futuro. A nova cadeia de valor favorece plataformas que possuem o relacionamento com o cliente.
A demanda promete melhorar as experiências do cliente e o acesso financeiro, além de proporcionar reduções de custo e benefícios de risco para as empresas ao longo da cadeia de valor. Para os clientes, significa experiências contextuais e fluidas. Para os varejistas, significa a oportunidade de destravar novos casos de uso e, crucialmente, alavancar dados proprietários do cliente para melhorar o acesso financeiro e reduzir custos para seus clientes finais. Isso também contribui para aumentar a fidelidade do cliente através de experiências mais fluidas e relacionamentos mais fortes.
Dados e Inteligência Artificial: o coração da experiência financeira embarcada
Se o Embedded Finance é a extensão do varejo além da prateleira, os dados e a Inteligência Artificial são, sem dúvida, o motor que impulsiona essa nova capacidade.
A estratégia de oferecer serviços financeiros diretamente aos clientes no varejo se alimenta de um ativo valioso que as empresas varejistas já possuem: os dados dos clientes e das operações. Esses dados vão desde o histórico de compras e preferências de produtos até métricas de transação e comportamento de uso em plataformas digitais. A coleta desses dados é fundamental, e começa desde as fases iniciais da jornada de Embedded Finance, como na integração de gateways de pagamento.
É aqui que a Inteligência Artificial entra como um diferencial crucial. A IA não apenas processa grandes volumes de dados, mas atua como o “coração” da experiência financeira embarcada, permitindo analisar profundamente o comportamento e o perfil financeiro dos clientes.
A análise orientada por IA permite transformar insights de dados em experiências financeiras personalizadas e relevantes. Isso pode se manifestar em ofertas de crédito mais direcionadas, recomendações de serviços bancários alinhadas ao perfil do vendedor, ou a otimização da experiência do cliente através de jornadas digitais fluidas. O objetivo é aprimorar o engajamento do cliente com experiências personalizadas e orientadas por IA.
Além da personalização, a IA é essencial para otimizar processos operacionais. Isso inclui a avaliação de risco de crédito, a gestão financeira e de operações, e a otimização da performance das plataformas digitais. Ferramentas e modelos de IA para análise de crédito automatizada e ofertas personalizadas são exemplos de como a tecnologia reduz custos e melhora o acesso financeiro para os clientes.
A monetização de dados, alinhada à geração de valor por meio de dados estratégicos e soluções baseadas em IA, é explicitamente um pilar da atuação no Embedded Finance no varejo. A capacidade de analisar e utilizar dados de forma inteligente permite identificar oportunidades para novas fontes de receita e melhorar a rentabilidade.
No entanto, para que essa estratégia seja sustentável e responsável, é essencial incorporar etapas que garantam o uso ético da tecnologia, com atenção especial à mitigação de vieses não intencionais. Isso é particularmente relevante quando a IA é utilizada para decisões críticas, como concessão de crédito, seguros ou recomendações financeiras. Garantir a equidade e a transparência nos modelos algorítmicos reforça não apenas a confiança do consumidor, mas também a reputação das empresas comprometidas com uma abordagem de “tech for good”.
Em essência, a união de dados e IA no Embedded Finance permite que o varejo vá além da simples transação de produtos, criando um ecossistema mais rico. Ele aprimora a experiência do cliente e o acesso financeiro, otimiza processos, reduz custos e riscos, e utiliza dados proprietários para gerar valor. Isso não apenas impulsiona novas fontes de receita, mas também fortalece o relacionamento com o cliente, garantindo maior lealdade e retenção.
Camila Bastos é Head de Tecnologia Latam – retails e healthcare da Thoughtworks.