A união dessas tecnologias traz oportunidades, mas também exige uma visão estratégica clara
Autor: Rodrigo Gomes
A integração entre Automação Robótica de Processos (RPA) e Inteligência Artificial (IA) está mudando radicalmente os limites da automação corporativa. Se antes os robôs estavam restritos a tarefas simples e repetitivas, agora ganham habilidades cognitivas para interpretar documentos não estruturados, tomar decisões inteligentes e lidar com exceções complexas em processos críticos, como processos BPM. O resultado é um salto de eficiência e inovação, ampliando os horizontes da transformação digital.
Na última década, o RPA tradicional dominou os projetos de automação, por automatizar tarefas repetitivas e baseadas em regras, executando procedimentos estruturados de forma incansável e sem erros. No entanto, por si só, o RPA possui limitações – a tecnologia depende de entradas bem definidas e não “entende” informações semiformatadas ou contextuais.
A chegada da IA mudou esse panorama. RPA Cognitivo (ou Intelligent Process Automation, IPA) é a evolução lógica do RPA: ao integrar algoritmos de IA e machine learning, os robôs se tornam mais inteligentes, adaptáveis e capazes de aprender. Em vez de apenas seguir regras fixas, passam a interpretar dados, identificar padrões e tomar decisões básicas.
Isso permite uma automação mais dinâmica em cenários que mudam constantemente. Porém, é importante destacar que a IA por si só não resolve exceções, já que interpretações equivocadas podem ocorrer. Para esses casos, é fundamental integrar regras estruturadas e o uso de ferramentas como BPM (Business Process Management), que direciona atividades para intervenção humana de forma organizada, garantindo a gestão total dos processos, mesmo diante de falhas ou inconsistências da IA.
Dados não estruturados: do desafio à oportunidade
Em torno de 80% dos dados corporativos são não estruturados – isso engloba textos livres, imagens, documentos em PDF, registros de voz, e-mails, entre outros.
Esses conteúdos sempre foram um desafio: computadores tradicionais não os interpretam facilmente. A combinação de RPA com IA vem resolvendo esse quebra-cabeça. Por meio de técnicas de Processamento de Linguagem Natural (PLN), os bots agora entendem e extraem informações de textos e e-mails; com algoritmos de visão computacional e OCR, conseguem “ler” documentos escaneados, PDFs e até imagens, convertendo-os em dados utilizáveis.
Além disso, modelos preditivos e de aprendizado permitem que sistemas automatizados tomem decisões baseadas em dados – por exemplo, classificando o assunto de um e-mail e encaminhando-o ao destino correto, ou aprovando transações com base em regras inteligentes.
O impacto prático é enorme. Processos antes manuais e demorados agora podem ser automatizados de ponta a ponta. Um exemplo comum é a extração de informações de formulários e notas fiscais: ferramentas de Intelligent Document Processing usam IA para ler campos em PDF ou imagens e o RPA lança esses dados nos sistemas internos, sem intervenção humana. Da mesma forma, e-mails podem ser lidos por IA, que identifica intenção, linguagem ou sentimento, e pode desencadear ações automatizadas via RPA.
Essa sinergia elimina retrabalho, reduz erros e acelera ciclos operacionais. De fato, ao combinar RPA e IA, empresas reportam reduções de até 85% no tempo de processamento de certos processos, quadruplicando a capacidade operacional sem aumentar equipes. Os dados não estruturados deixaram de ser terra proibida para a automação – hoje são vistos como um tesouro a ser explorado, com as ferramentas certas.
Tendências na tecnologia
A convergência de RPA com IA faz parte de uma tendência maior, frequentemente chamada de hiperautomação. Essa abordagem, ressaltada pelo Gartner entre as principais tendências de tecnologia nos últimos anos, busca automatizar tudo que for possível dentro de uma organização.
Para isso, combina-se RPA, IA/ML, mineração de processos, plataformas de workflow inteligentes e diversas outras ferramentas numa esteira integrada de automação. A hiperautomação visa identificar e automatizar rapidamente processos ponta a ponta, indo além da automação de tarefas isoladas.
Assim, empresas pioneiras já investem em ecossistemas de automação completos, nos quais um mecanismo inteligente extrai insights de documentos ou big data, e aciona robôs para executar as ações subsequentes de forma orquestrada. Esse movimento tem gerado resultados expressivos em redução de custos, e aumento de produtividade, segundo estimativas do setor.
Outra tendência é a incorporação de IA Generativa nas plataformas de automação. Tecnologias como modelos de linguagem avançados permitem aos robôs lidar com atividades ainda mais sofisticadas – gerar textos, resumir documentos longos, extrair contexto de conversas e até mesmo escrever código para automatizar novas tarefas.
Essa simbiose entre RPA e IA generativa aponta para um futuro em que grande parte do workflow corporativo poderá ser autogerenciado por sistemas inteligentes, com mínima interferência humana em atividades operacionais. Do ponto de vista de mercado e investimentos, os indicadores refletem a escala dessa convergência. Estimativas globais projetam que o mercado de automação cognitiva chegue a US$ 53 bilhões até 2032. Já o mercado específico de RPA, antes restrito a fluxos baseados em regras fixas, está se transformando e deve atingir US$ 15 bilhões por volta de 2029, impulsionado em grande parte pela incorporação de inteligência nos robôs.
Estratégia, desafios e próximos passos
A união dessas tecnologias traz oportunidades, mas também exige uma visão estratégica clara. Um dos maiores desafios é assegurar a qualidade dos dados para treinar modelos inteligentes.
Como esses modelos dependem diretamente da qualidade das informações utilizadas no treinamento, qualquer inconsistência ou dado incorreto pode comprometer drasticamente os resultados da automação. Empresas precisam investir não apenas em tecnologias avançadas, mas também em estratégias rigorosas de gestão e validação dos dados, garantindo precisão, consistência e atualização constante.
Outro desafio envolve o alinhamento das novas soluções automatizadas com a arquitetura tecnológica existente, que muitas vezes é heterogênea e composta por sistemas legados difíceis de integrar. Esse cenário gera uma complexidade adicional, exigindo das equipes técnicas um planejamento detalhado para evitar incompatibilidades ou falhas operacionais.
Além disso, medir adequadamente o retorno sobre investimento (ROI) dessas iniciativas cognitivas também é complexo, pois os benefícios frequentemente ultrapassam a simples economia de recursos, afetando áreas estratégicas como a satisfação do cliente, eficiência operacional e a própria capacidade de inovação das empresas.
Para os líderes, a hora é agora: avaliar os processos, investir em projetos-piloto, aprender com os resultados e escalar a automação inteligente de forma responsável. A revolução da automação cognitiva já está em curso, expandindo as fronteiras do possível – e quem sair na frente certamente colherá os frutos dessa nova realidade tecnológica.
Rodrigo Gomes é head da unidade de negócios Process Solutions da Selbetti.