As tecnologias digitais estão transformando o mundo à nossa
volta, as cidades que habitamos, a maneira como estudamos, as formas das nossas comunicações e as
economias em que vivemos. Estamos vivenciando o início do processo de crescimento
de um modelo econômico muito interessante, impulsionado pelas tecnologias
digitais, que traz profundas transformações em seu bojo, que é a economia do
compartilhar, a “shared economy”. Compartilhar é um hábito comum na espécie
humana e agora com a ajuda da tecnologia ampliamos imensamente esta capacidade.
Antes podíamos compartilhar apenas com pessoas próximas, que conhecíamos bem.
Agora podemos compartilhar com desconhecidos, de outros países. Compartilhamos
até nossas casas, pelo AirBnb. Em outros países como nos EUA, compartilha-se o
seu carro (Getaround, onde você aluga seu carro para outros) ou sua vaga de
estacionamento (Parking Panda). É um modelo diferente do nosso modelo econômico
atual, de ter a propriedade. O compartilhar é a expressão natural do que
realmente queremos. Afinal, queremos ter uma máquina de lavar ou queremos a
roupa lavada?
Se analisarmos o modelo de compartilhamento, vemos que há
uma escala crescente de participação coletiva. Vamos entender isso. No modelo
econômico predominante atual, apenas consumimos. Uma empresa nos vende um
produto que criou e uma revista nos vende uma assinatura. Não participamos do
processo de criação do produto ou da revista. Somos apenas consumidores. Mas já
convivemos com outros estágios, ainda incipientes, mas que mostram que estamos
evoluindo em uma escala crescente de participação. Após o simples consumo temos
o compartilhamento (pegar o conteúdo de outra pessoa e compartilhá-lo com
outras) e modelagem, quando remixamos ou adaptamos conteúdos de outros com
nossos próprios e os divulgamos. O exemplo mais emblemático deste modelo é o
Facebook, onde compartilha-se diretamente o conteúdo gerado por outros ou
adaptamos textos de outras pessoas antes de os compartilharmos publicamente.
Passamos a ser prosumidores, ou produtores e consumidores de conteúdo.
A próxima etapa é o financiamento, onde endossamos algo em que acreditamos com dinheiro. É o modelo
de crowdfunding e o símbolo deste conceito é a plataforma Kickstarter que já levantou mais de 13 milhões
de dólares de 62.000 investidores. Este modelo reduz a dependência de
instituições financeiras tradicionais. O nível seguinte da escala é a produção
onde criamos conteúdo ou fornecemos nós mesmos produtos e serviços dentro de
uma comunidade. Como exemplos temos o YouTube, o AirBnB, o Etsy e o TaskRabbit.
O AirBnB já pressiona fortemente a indústria hoteleira tradicional. E
finalmente, temos a copropriedade, exemplificados pela Wikipedia e pelo modelo
de software de código aberto (open source), como o Linux. Este modelo acabou
com a velha indústria de enciclopédias e mudou a poderosa indústria de
software.
Estes novos modelos, à medida que se entranham na sociedade
criam novos valores e crenças, e afetam modelos de indústria já estabelecidos.
Diminuímos a necessidade de um banco para um empréstimo ou mesmo da rede
hoteleira para alugar um local de hospedagem.
Mas, o que está por trás destas iniciativas? Cooperação, confiança
e reputação das pessoas e empresas envolvidas. As normas deste novo conceito
dão ênfase a colaboração (em vez de competição), não apenas como forma de
realizar algo, mas como parte obrigatória do processo. Os modelos da economia
colaborativa ou do compartilhar são impulsionados pelo veredito acumulado da
sociedade. A reputação de cada um ou de cada empresa. É ela que garante que seu
carro será devolvido e seu apartamento não será depredado. Claro que as
empresas que oferecem estas intermediações adicionam seguros, mas eles por si
não são suficientes. Pensemos em um caso simples, de um apartamento. Se ele for
depredado pela pessoa que o alugou, você terá a garantia dada pelo AirBnb que
receberá indenização, mas inevitavelmente você terá que arcar com as
inconveniências de obras e trabalhos enquanto o habita. Ninguém quer passar por
isso.
O cerne do compartilhamento é o que chamamos economia da
reputação (reputation economy). Reputação está para o mundo digital assim como
o dinheiro para o mundo físico. Representa valor. Nesta nova economia seu
histórico online vai se tornar tão ou
mais importante quanto o seu histórico de crédito financeiro!
Na verdade valorizar a reputação não é novidade, tanto no
mundo físico quanto no mundo digital. No mundo físico sempre buscamos fazer
negócios com pessoas que conhecemos e acreditamos. As mercearias de antigamente
demonstram claramente isso, quando o vendedor anotava seu nome e suas despesas.
E você pagava depois, sem bancos intervindo no processo. Seu crédito era sua
reputação com o dono da mercearia. A reputação do Brasil afeta o modo como
investidores internacionais tomam sua decisão de investir ou não no país.
No mundo digital, o rating de livros da Amazon (as estrelas)
ou o nível de reputação que você obtém em jogos como o World of Warcraft já são
bem conhecidos. O que muda é a amplitude de informações que podem ser obtidas
hoje para formar sua reputação no mundo digital. Nossa pegada digital forma
nossa boa ou má reputação. Á medida que usamos ferramentas digitais como
AirBnB, Uber, eBay e outras, além de comentários e opiniões nas mídias
sociais, criamos uma reputação que
começa ser considerada algo de valor. Cada vez mais, as plataformas digitais
estão permitindo obter informações de reputação sobre as pessoas. Se eu quiser
descobrir se devo emprestar meu carro a você, posso dar um Google e olhar seu
Facebook para ver se você é digno de confiança. Essa facilidade de se obter
informação de reputação leva ao surgimento desta nova economia de reputação
digital, que está mudando como os indivíduos compartilham valor.
Estamos ainda nos estágios de aprendizado, mas podemos
imaginar até uma substituição parcial ou quem sabe até total (?) das
tradicionais moedas por um comércio em plataformas com sistemas de troca que
passam longe das finanças atuais… A explicação é simples. Nos próximos 10 a
20 anos, boa parte dos dois terços da humanidade que ainda não estão na
internet estarão conectados, e esta imensa massa de pessoas vem de países onde
o sistema financeiro das nações mais desenvolvidas não funciona adequadamente.
Portanto, é plausível supor que vão querer usar métodos mais flexíveis de
comércio. Por isso, não é preciso muita
imaginação para visualizar que nos próximos 20 anos, a economia do compartilhar
e da reputação poderá ser o método majoritário de comércio do planeta. A
consequência é simples: torna-se obrigatório entendermos como natureza do poder está mudando, quem o detém,
como ele é distribuído e para onde está indo. Este será o desafio dos negócios
para os próximos anos.
Vale a pena conhecer melhor o assunto e recomendo duas
leituras. Uma é o artigo “Entendendo o novo poder”, publicado pela Harvard
Business Review, que debate a disputa entre o novo e o velho poder, bem como
aprofunda a escala de participação coletiva e que pode ser acessado em
http://www.hbrbr.com.br/materia/entendendo-o-novo-poder e o livro
“Reputation Economics – Why Who You Know Is Worth More Than What You
Have” de Joshua Klein.