Os bebês que estão nascendo a partir de hoje não vão aprender a dirigir…

Os veículos autônomos ou “driver less cars” estão mais
próximos do que pensamos. Não é mais uma questão de se, mas de quando estes
veículos estarão nas ruas. Eles são, com certeza, a mais importante inflexão da
indústria automotiva em cem anos e provavelmente os bebês nascidos hoje jamais
precisarão aprender a dirigir, como fazem seus pais.

Na verdade, já existem veículos com variados graus de
automação rodando nas ruas. Com certeza veremos uma evolução gradual, mas
acelerada de autonomia parcial para um veículo inteiramente autônomo nos
próximos dez a quinze anos. Seu impacto não se dará apenas na indústria
automotiva, mas em todo o ecossistema que gravita em torno desta indústria.
Falamos de seguradoras, financiadoras de veículos, oficinas, serviços de
aluguel, táxis, empresas de transporte e logística, operadoras de
estacionamentos, advogados especializados, autoridades de trânsito, etc, etc.

Vamos pegar o exemplo das seguradoras. Os prêmios das
seguradoras são uma função direta da frequência e gravidade dos acidentes. No
mundo dos veículos autônomos (VA), os acidentes serão significativamente
reduzidos e portanto o valor dos prêmios cairá substancialmente. Um primeiro
exemplo: a Volvo anuncia que já em 2020 seus veículos estarão à prova de
acidentes (http://www.cnet.com/news/volvo-sees-crash-free-car-by-2020/).
Mas é curioso ver que a maioria das seguradoras ainda vê com ceticismo este
cenário e acredita que ainda estamos muito longe, talvez décadas de distância
disso acontecer. A lógica que uma vez me foi apresentada por um executivo do
setor é simples: levará anos para a tecnologia amadurecer. Muitos outros anos
para a questão regulatória ser resolvida. Mais vários anos para o mercado
ganhar confiança no seu uso e tudo isso leva a décadas de distância para que
estes VA sejam de número significativo para afetar a indústria de seguros.
Portanto, a próxima geração de executivos é que irá discutir o assunto.

Mas, será assim mesmo? Nem todos pensam assim. As montadoras
europeias, por exemplo, estão pressionando as autoridades do continente a
acelerar o processo de regulamentação destes veículos, que para elas, em breve
começarão a fazer do motorista uma figura cada vez mais dispensável do
trânsito. Volvo, Audi e BMW já anunciam para 2017 veículos que poderão
percorrer por longas distâncias e em alta velocidade, rodovias da Europa, sem
motorista. No recente CES 2015, a Audi mostrou seu A7, que viajou autonomamente
de San Francisco para Las Vegas, onde aconteceu o evento (http://www.techtimes.com/articles/25327/20150108/ces-2015-how-did-audis-self-driving-car-travel-550-miles-from-san-francisco-to-las-vegas.htm).

Em algumas cidades como Gotemburg na Suécia e Singapura já
começam testes para avaliação do uso de VA nas ruas. O impacto dos VA não vai
aparecer apenas quando eles forem inteiramente autônomos, mas com a
massificação de veículos parcialmente autônomos. Um VA que é mais
significativamente mais seguro nas estradas já afetará o prêmio de quem trafega
muito em rodovias.

E, claro, além da indústria automotiva temos Apple e Google
com fortes incursões no tema. O VA do Google é emblemático da tecnologia. O
Android Auto já começa aa permear a indústria automotiva e em breve veremos o
CarPlay da Apple.

A recente reunião de cúpula do ITF (Forum Internacional de
Transportes) debateu esse assunto em profundidade e ficou claro que a atual
regulamentação é um dificultador que atrasa a massificação da tecnologia. A
tecnologia está muito à frente das leis. O primeiro passo é alterar a Convenção
de Viena, de 1968, que estipula que todos os veículos tem que estar sob
controle do motorista. Os aspectos legais que tem que ser revistos são muitos.
Temos as leis de trânsito, as responsabilidades civis, a definição de padrões
de segurança para licenciamento de VA seguros, etc. Além da Europa, países como
EUA, China e Coréia estão avançando nestes estudos.

Supondo que a regulamentação seja mudada, por pressão da
indústria e sociedade. O que vai acontecer? Aliás, já vemos inovações
disruptivas afetando setores e provocando acirrados debates juridicos, como o
AirBnB e o Uber. No fim a inovação triunfa. Abordamos o setor seguros, mas um
outro setor que será profundamente afetado será o de transporte rodoviário.
Provavelmente será o setor onde a massificação da tecnologia deverá ocorrer
primeiro. Nos EUA, no estado de Nevada, caminhões Mercedes Benz já operam
comercialmente. Em princípio os caminhoneiros estão ainda nas cabines, mas isso
não será mais necessário em dois a três anos. Em alguns países a pressão por
sua adoção será grande. Na Europa, metade dos custos de longa distância é do
motorista. Sem eles, os custos da logística, hoje fundamental para
competitividade, será reduzida significativamente. Um caminhão sem motorista
poderá rodar praticamente 24 horas parando apenas para reabastecimento. Claro
que haverá muita resistência por parte dos próprios caminhoneiros, mas em
outras profissões a automação substituiu o trabalho pela computação, como nas
cabines dos aviões (não temos mais navegadores ou engenheiros de vôo). Talvez
já na próxima década os sindicatos e associações de caminhoneiros deverão se
preocupar na recolocação e requalificação destes profissionais e não lutar
contra. Bem, os taxistas também estão em rota de extinção.

A história tem nos mostrado que diante de disrupções, as
indústrias afetadas tendem a inicialmente subestimar ou considerar que seus
efeitos serão sentidos apenas no longo prazo e portanto, não precisam se
preocupar de imediato. Kodak e Blockbuster pensaram assim…Nokia e Blackberry
já estiveram no topo dos sonhos de desejos dos consumidores  agora são quase irrelevantes. Vejamos os
aparelhos GPS diante dos smartphones. Desde 2008 suas vendas no Brasil cresciam
continuamente, até atingir seu ápice em 2013. Em 2014 as vendas caíram 57,4%.
Os usuários não querem mais saber simplesmente como chegar do ponto  A ao B, mas quanto tempo levará para isso e
como se desviar de congestionamentos no caminho. Os smartphones com apps gratuitos
como Waze estão matando esta indústria. Porque pagar taxas anuais a um GPS se
posso ter informações  mais uteis
gratuitamente pelo Waze? Não é à toa que mais de 95% das pessoas que usavam GPS
agora usam smartphones. O Waze já contabiliza mais de 3 milhões de downloads
aqui no Brasil.

Os VA são hoje basicamente software com um carro ou caminhão
em volta. Para termos ideia de quão complexo este software basta constatar que
um Mercedes S-class atual tem cerca de 15 vezes mais linhas de código que um
Boeing 787. O ecossistema em torno da indústria automotiva tem que se
reinventar. Ficar inerte pode acelerar a chegada de novos entrantes com novos
modelos de negócio. Uma nova e disruptiva seguradora que baseie seu modelo de
negócios em VA pode ser uma “killer app” para as seguradoras atuais, como o
AirBnB para a rede hoteleira. Escolas para motoristas  serão como as escolas de datilografia,
lembranças do passado. Taxistas e caminhoneiros serão os ascensoristas de
antigamente. Como lidar com este futuro?

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