O grande problema é que não houve avanços e se coloca nas mãos do mercado o poder que deveria ser da lei
Autora: Tatiana Viola de Queiroz
O Decreto nº 6.523/2008 ficou conhecido como lei do SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor e regulamentava o Código de Defesa do Consumidor. Essa legislação foi um grande avanço e uma enorme conquista para os consumidores, por abordar detalhes de como o serviço de atendimento ao público deve ser realizado pelas empresas. O decreto, de 2008, visava que as partes pudessem conversar e, assim, chegar a uma solução amigável, sem a necessidade da atuação do Poder Judiciário.
O decreto de 2008 trouxe inúmeros benefícios, entre eles a determinação do prazo para a transferência das chamadas telefônicas de um atendente para o outro, impedindo que o consumidor perdesse horas no telefone para tentar resolver o problema. Além disso, trouxe a obrigatoriedade de, no primeiro menu eletrônico, constar as opções de contato com o atendente, de reclamação e de cancelamento de contratos e serviços, e a de contatar a opção do atendimento pessoal em todas as subdivisões do menu eletrônico; o funcionamento do serviço 7 dias da semana e por 24 horas por dia; o acesso das pessoas com deficiência auditiva; entre muitos outros.
Essa grande conquista do consumidor foi alterada pelo novo Decreto nº 11.034 de 5 de abril de 2022, aprovado pelo atual presidente e que revogou o decreto anterior. É importante entender que o novo decreto legisla sobre o Serviço de Atendimento ao consumidor dos serviços regulados pelo Poder Executivo federal, sejam bancos, companhias aéreas, empresas de telefonia e de TV por assinatura, operadoras de planos de saúde e de transportes e as companhias de água e energia, por exemplo.
Em um olhar menos atento, veremos algumas inovações benéficas – entre elas o incentivo ao uso de diferentes canais de atendimento ao consumidor, em especial a internet, e não mais apenas os canais telefônicos, como no decreto anterior.
Contudo, o atual decreto traz vários retrocessos que, na prática, prejudicarão o consumidor. O primeiro problema do novo decreto é, justamente, a falta de evolução nos mecanismos de proteção ao consumidor, afinal de contas, entre os dois decretos há um lapso temporal de 14 anos.
O parágrafo 3º do artigo 3º traz a determinação de que, na hipótese de o serviço ofertado não estar disponível para fruição ou contratação, o acesso ao SAC poderá ser interrompido, observada a regulamentação dos órgãos ou das entidades reguladoras competentes. Ou seja, se o serviço de energia elétrica for interrompido, por exemplo, o consumidor talvez não consiga informações junto ao SAC da distribuidora de energia, pois o Serviço de Atendimento ao Consumidor também poderá ser interrompido.
O parágrafo 5º, também do mesmo artigo, proíbe a veiculação de mensagens publicitárias durante o tempo de espera para o atendimento, mas abre exceção se houver consentimento prévio do consumidor, contudo, não regula como se dará esse consentimento.
Outro prejuízo é que não haverá mais a obrigação expressa de, no primeiro menu, o consumidor falar diretamente com o atendente.
O fornecedor deverá disponibilizar aos consumidores ao menos um canal de atendimento gratuito, sendo a via telefônica obrigatória, ponto positivo, contudo, sobre tempo de espera, atendimento por humano, transferência das ligações, menu de atendimentos e demais questões ficará a cargo de novos regulamentos das autoridades regulatórias. Ou seja, o decreto que deveria regular, determinou que sejam feitos outros vários regulamentos, o que deixará, sem dúvida nenhuma, o consumidor bastante confuso.
O novo Decreto concede à Secretaria Nacional do Consumidor o papel de desenvolver ferramentas e metodologias para medição da efetividade dos SACs, tendo por base a quantidade de reclamações, as taxas de solução das demandas, os índices de reclamações em canais oficiais e o grau de satisfação do consumidor. Pode parecer uma excelente decisão, contudo, é preciso entender que essa Secretaria é um órgão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, portanto, está atrelada à nomeação de ministros e o cargo de Secretário também é por nomeação, sendo que o atual, Rodrigo Rocca é advogado de Flávio Bolsonaro e tem experiência na área penal na defesa de policiais militares, ou seja, não tem formação nem experiência na defesa do consumidor.
Outro ponto que merece destaque é que o Senacon faz parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, ou seja, é integrante e não autoridade superior. Não está hierarquicamente acima dos demais órgãos, portanto, deve dialogar com todos os demais para juntos alcançarem as melhores decisões em defesa do consumidor.
Precisamos lembrar que um dos orgulhos do nosso país é a legislação consumerista, que é uma das mais modernas e admiradas do mundo e que é respeitada (ainda que não em sua totalidade) pelos fornecedores, pela soma do consumidor ativo, e que exige seus direitos, com a atuação dos órgãos de defesa do consumidor que fazem um papel fundamental de respeito à lei e à cidadania, ainda que com parcos recursos, e nunca se intimidou pelo nome, marca ou porte de qualquer fornecedor.
O grande problema do novo decreto é que ele não avançou nos pontos necessários que poderiam ter sido explorados, e ainda coloca nas mãos do mercado o poder que deveria ser da lei em defesa do consumidor. Assim, é um grande retrocesso aos direitos já conquistados.
O novo decreto entrará em vigor em 180 dias contados do dia 5 de abril de 2022, mas, como coincidirá com as eleições, podemos ter alterações. Sendo assim, é preciso aguardar para saber o que virá.
Tatiana Viola de Queiroz é sócia-fundadora do Viola & Queiroz Advogados Associados.