Plataforma para transformar a crítica em ferramenta de mudanças

São mais de 182 anos de história. No dia 17 de abril de 1823, ainda no Império, houve a primeira reunião da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Brasil independente. 52 deputados foram empossados. O primeiro presidente foi Dom José Caetano da Silva Coutinho, bispo capelão-mor do Rio de Janeiro, então a capital Federal. Hoje, a Câmara dos Deputados tem 513 deputados, representando 26 Estados e o Distrito Federal. A distância entre quase dois séculos pode ser medida por profundas mudanças históricas e a maior participação da sociedade. Em meio às críticas, sugestões e vozes de apoio, a Câmara ganhou uma ferramenta com objetivo de abrir um canal oficial com a sociedade, depurar as informações e repassar, num primeiro momento, aos organismos envolvidos (independente de estarem dentro da casa), aos responsaveis por ações ou CPI’s e aos deputados. Com essa filosofia e a missão de reduzir a distância entre a Câmara e o cidadão, foi criada a Resolução 19, instituindo a estrutura administrativa da Ouvidoria Parlamentar, em 17 de março de 2001, sob a presidência do então deputado Aécio Neves.
O responsável pela Ouvidoria é um parlamentar, escolhido através de um acordo entre os partidos para mandato de dois anos. O primeiro a ocupar o cargo (2001 – 2002) foi Luiz Antonio Fleury Filho (PTB/SP). O segundo, Luciano Zica (PT/SP), a ser substituído no início de 2005. O salto entre a estruturação e sua efetiva operacionalização começou a ser dado efetivamente por Zica, que delineou a estratégia de incorporar o espírito de cidadania. O acesso da população saiu de um organismo limitado, através do telefone, pessoalmente ou pela Internet – a web tem uso restrito a 18% da população. “Diante deste quadro, no primeiro semestre de 2003 instituimos um expediente para garantir acessibilidade maior à sociedade”, lembra Zica, contando a estratégia do projeto Carta-Cidadã. Trata-se de uma carta-resposta disponível nas agências dos Correios, em todo o País, onde o cidadão se comunica direto com os deputados, com responsáveis pelas comissões temáticas ou com a própria Ouvidoria.
Embora o call center não seja exclusivo da Ouvidoria, atende toda a Câmara, redirecionando as chamadas, através de uma equipe que trabalha em dois turnos. Mas a grande surpresa de Zica é a Carta-Cidadã, que se tornou um dos meios mais utilizados para manifestações. “No primeiro ano de funcionamento, foram 3.889 cartas. No segundo, 4.867”, contabiliza. “Também percebi um caráter novo, que é o fato de termos hoje grande parte dos serviços públicos concedidos à iniciativa privada. É o caso das telecomunicações, energia, limpeza. E como o cidadão não tem espaço para manifestar sua satisfação ou insatisfação, recorre à nossa Ouvidoria “, avalia.
Ele lembra de combustíveis, que mereceu uma CPI. A Ouvidoria recebeu diversas manifestações, sendo a maioria sobre política de preços e adulteração. Os deputados também não foram poupados: uma enxurrada de cartas, telefonemas e e-mails chegaram. “Quer dizer, a sociedade encontrou aqui um espaço de protesto”, salienta Luciano. Ele aposta que a ouvidoria cumpriu o papel durante a sua gestão. Mas admite que há necessidade de evoluir. Para ele, há confusão por parte da população e dos próprios deputados sobre o poder e objetivos da Ouvidoria. “Muita gente acha que isso aqui é uma delegacia de polícia, onde pode registrar queixas contra parlamentares ou empresas”, desabafa.
A ouvidoria tem a responsabilidade de ouvir opiniões e contribuir com a solução, quando for o caso. “Um cliente apresentou uma denúncia contra a fornecedora de energia elétrica de Campinas, justificando que teve um motor queimado durante num pico de energia. Procurou a ouvidoria da companhia, mas não conseguiu resolver. Fizemos uma negociação entre eles e a empresa concordou em lhe ressarcir”, ilustra. Mas ele avisa que está providenciando algumas mudanças que visam deixar clara e objetiva a função do canal, mas sempre com o intuito de ouvir diferentes pontos de vistas e oferecer ajuda, como conciliador. O primeiro passo foi promover seminários com os temas mais polêmicos da atualidade, como reforma da previdência, saneamento básico, racismo e homossexualismo. “Depois disponibilizamos tudo na internet, nas publicações da própria Ouvidoria e na mídia. Quer dizer, estamos trazendo à luz, temas que muitas vezes poderiam não ter um espaço institucional nas comissões”, explica.
Outra medida que está em estudo é a realização de eventos fora de Brasília. Até agora, houve só uma vídeoconferência a partir de São Paulo, que envolveu diversas assembléias legislativas. Um entrave para disseminar o exemplo da Câmara, na opinião do deputado, é a agenda do Congresso Nacional, mas ele acredita que o próximo passo do futuro ouvidor será viabilizar aproximação maior com as assembléias e câmaras. Ele avalia a ouvidoria como canal importante para captar a opinião da população. “Aqui aparece de tudo, o que nos levará a adotar um sistema de divulgação em postos dos Correios. Muitas vezes chegam aqui correspondências para deputados estaduais e vereadores e perdemos muito tempo
redirecionando-as”, exemplifica.
O deputado reconhece que, como o assunto é novidade no País, precisa aperfeiçoamento e mudanças. Dentro da Câmara, elas podem ter mais dificuldades e ele alerta: “Não podemos permitir sua transformação em mais uma moeda de barganha na composição da estrutura de poder”. Por isso, diz que seu sucessor deve continuar dando respostas claras sobre as atividades do Congresso e o papel dos deputados, por exemplo. “Quando instituímos a Carta-Resposta, veio uma demanda tanto para a Ouvidoria quanto para os deputados. A Ouvidoria agiu de forma rápida, respondendo-as, mas 90% dos deputados não têm feito a sua parte”, admite, o que na sua opinião leva a população a questionar a funcionalidade da ouvidoria. “Sendo que, muitas vezes, as atribuições que ela espera não são nosso papel”, diz.
Para garantir não apenas a continuidade mas a evolução da ouvidoria da Câmara, o deputado Luciano Zica vai deixar propostas de mudanças prontas. E diz desejar sorte ao seu sucessor. “Quero conversar com ele para trocarmos nossas experiências. Espero que seja um ouvidor preocupado em continuar com o funcionamento e aprimorar o organismo em relação ao meu período. É preciso evitar retrocesso para ampliar a interação com os interesses dos brasileiros”, reforça. Ele propõe por exemplo a realização, a cada dois meses, de um seminário com os temas mais levantados pela população. Durante seu mandado, diz, promoveu reuniões com parlamentares de todo o Brasil e se diz feliz pelo fato de
diversas assembléias legislativas e câmaras municipais estarem aprovando suas ouvidorias baseadas no modelo da Câmara Federal. Ele conta, bem-humorado, que em 2003 esteve no Amapá para debater com os deputados estaduais o conceito da ouvidoria. Mas não obteve êxito. “Os parlamentares ficaram com medo da instituição se transformar em delegacia de polícia e não aprovaram a idéia”, lembra.

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