O atendimento mal gerido não falha apenas no front, mas mina as bases do negócio
Autor: Rafael Catolé
Peter Drucker dizia que “a cultura come a estratégia no café da manhã”. Eu acrescentaria: a gestão é o prato principal. Sem gestão sólida, não há cultura forte, nem estratégia que se sustente. E em nenhuma área isso é tão visível quanto no atendimento ao cliente.
Muitas empresas ainda enxergam o atendimento como um “mal necessário”, uma linha de custo que precisa ser controlada. Nesse modelo, líderes pressionam por velocidade, equipes trabalham sobrecarregadas e métricas priorizam quantidade de chamados resolvidos, e não qualidade da interação. No papel, os relatórios podem até parecer eficientes. Na prática, o que se constrói é um castelo de areia.
O custo da má gestão é invisível porque não aparece imediatamente nos números financeiros. Ele se manifesta no longo prazo: clientes que não voltam, marcas que perdem confiança, reputação arranhada e equipes desmotivadas. Jim Collins, em Empresas Feitas para Vencer, mostra como as organizações que se perpetuam no tempo são aquelas que constroem mecanismos consistentes, quase sempre invisíveis ao mercado, mas que criam resiliência. É exatamente esse o ponto: atendimento mal gerido não falha apenas no “front” — ele mina as bases do negócio.
O “como”: da teoria à prática
Acredito que qualquer empresa pode ser transformada em 100 dias. E isso também vale para o atendimento. Mas como fazer essa virada? O primeiro passo é estabelecer métricas de verdade. Velocidade de resposta é importante, mas não suficiente. É preciso medir reincidência de chamados, resolução no primeiro contato, nível de esforço do cliente (CES) e, principalmente, a percepção de confiança. Ram Charan, em Execução, reforça que “o que não se mede, não se gerencia”. No atendimento, medir errado é o mesmo que não medir.
O segundo passo é investir em gente. Equipes de atendimento não podem ser vistas como peças descartáveis. Autonomia, treinamento contínuo e reconhecimento são fatores que reduzem turnover e aumentam engajamento. Um atendente que se sente parte da solução transmite segurança ao cliente. E segurança é o elo invisível da confiança.
O terceiro passo é criar rituais de gestão. Reuniões rápidas de alinhamento, acompanhamento diário de indicadores, feedbacks estruturados e momentos de aprendizado coletivo. Esses rituais não só organizam o trabalho, como criam cultura. E cultura é o que o cliente sente, mesmo sem enxergar os bastidores.
Por fim, é fundamental integrar tecnologia à gestão. Automação, inteligência artificial e análise de dados só fazem sentido quando apoiam uma estratégia clara e processos bem desenhados. Sem gestão, a tecnologia é apenas um adorno caro. Com gestão, torna-se alavanca de produtividade e de experiência.
O custo invisível
O que acontece quando esses pilares não existem? O atendimento vira um ciclo vicioso: alto turnover, erros repetidos, clientes insatisfeitos e perda de credibilidade. E esse custo, ainda que invisível, é gigantesco. Um estudo da PwC mostrou que 32% dos consumidores abandonam uma marca após apenas uma experiência ruim. Isso significa que cada falha de gestão no atendimento pode representar não só a perda de um cliente, mas também de todos aqueles que serão influenciados por sua voz em redes sociais e comunidades.
A má gestão não custa caro apenas porque gera retrabalho. Ela custa caro porque corrói a confiança. E confiança, como Collins também aponta, é o ativo mais difícil de reconstruir.
De custo a valor
A boa notícia é que o caminho da virada existe. Atendimento bem gerido não é apenas um centro de custo, mas uma fonte de valor. Quando equipes estão alinhadas, métricas são claras e processos funcionam, cria-se um ciclo virtuoso: colaboradores motivados entregam experiências melhores, clientes satisfeitos permanecem leais e a marca se fortalece no mercado.
O atendimento não é a linha final de uma cadeia, mas o reflexo direto da qualidade da gestão interna. Líderes que entendem isso percebem que investir em gestão não é uma despesa, é um seguro de perenidade. Transformar o atendimento é possível em 100 dias. Mas depende de um ato de coragem: admitir que o maior custo não está em investir em gestão, e sim em negligenciá-la.
Rafael Catolé é sócio da Natural One e autor do livro “O Poder da Gestão”.