Uma jornada imprevisível e não linear desafia os varejistas a manter consistência, clareza e integração entre todos os canais
Autora: Juliana Velozo
As transformações recentes no comportamento de compra não são apenas consequência da digitalização acelerada, mas sim da combinação entre novas tecnologias, maior consciência social e expectativas mais sofisticadas. O consumidor contemporâneo tornou-se mais criterioso, mais impaciente com fricções e, ao mesmo tempo, mais exigente quanto à experiência, ao propósito e à entrega. O que antes era tendência agora se tornou o novo padrão.
Com base no estudo “Summer Essentials 2025”, publicado pelo Google com foco em orientar empresas B2B, é possível traçar um panorama robusto do que está por vir. Ao traduzirmos esses sinais para a perspectiva do consumidor final, revelam-se implicações claras para o futuro do varejo e dos serviços: o centro de gravidade se deslocou, e ele agora pertence a um consumidor mais informado, mais conectado e menos previsível.
A nova lógica de escolha e a revolução da busca
A jornada de compra não começa mais com um impulso ou uma simples palavra-chave genérica. Ela começa com uma intenção clara, muitas vezes articulada com detalhes que refletem estilo de vida, necessidades específicas e até restrições de tempo e orçamento. A busca tornou-se uma ferramenta de decisão sofisticada, impulsionada por Inteligência Artificial capaz de interpretar contexto, preferências e até sentimentos.
O resultado prático é que as marcas que não oferecem respostas personalizadas e rápidas perdem relevância. Aquela velha ideia de “estar presente onde o cliente está” foi substituída por uma premissa mais desafiadora: “aparecer com a resposta certa no momento certo, da forma certa”.
Jornadas híbridas e fragmentadas como nova norma
O comportamento de compra tornou-se profundamente multicanal. O consumidor pode iniciar uma busca no smartphone enquanto espera o café, assistir a um review no YouTube à tarde e finalizar a compra no desktop no fim do dia. Pode descobrir um novo destino turístico em um vídeo curto nas redes sociais e fechar a reserva em um aplicativo dias depois, após comparar múltiplas opções.
Essa jornada imprevisível e não linear desafia os varejistas a manter consistência, clareza e integração entre todos os canais, exigindo uma abordagem orientada por propósito que atenda às reais necessidades do usuário em cada ponto de contato. Modelos tradicionais de funil já não são suficientes, as marcas precisam começar a pensar nos produtos como experiências contínuas, moldadas por dados comportamentais e validação constante. Não existe mais separação entre físico e digital, entre branding e conversão, entre conteúdo e transação. Tudo está conectado e o consumidor espera continuidade, não ruptura.
A experiência antecede a decisão
A experiência de consumo começa muito antes da compra e vai muito além da entrega. Mais do que mapear jornadas lineares, as marcas precisam criar sistemas de produto adaptáveis, capazes de evoluir com base no aprendizado contínuo das interações dos usuários. Consumidores estão cada vez mais interessados em testar, simular, experimentar e comparar. Ferramentas de realidade aumentada, provadores virtuais e vídeos tutoriais tornaram-se parte essencial do processo de escolha.
Nos setores de moda, beleza, eletrônicos e turismo, essa camada de experimentação deixou de ser um diferencial e passou a ser um critério. O cliente que não consegue visualizar como ficará determinado produto ou entender exatamente como funcionará determinado serviço tende a abandonar a jornada. Em contrapartida, marcas que oferecem recursos interativos, imersivos e informativos constroem confiança e preferência.
Responder com sucesso a essa nova realidade de consumo também exige a capacidade de conectar estratégia com execução técnica, não apenas planejar produtos digitais, mas de fato entregá-los com consistência e propósito. Em nossa atuação com empresas dos setores de varejo e turismo na América Latina, temos observado que os resultados mais relevantes surgem quando as equipes trabalham com metas compartilhadas e iteram com agilidade, sem abrir mão da qualidade de engenharia. Essa abordagem tem levado a índices de satisfação excepcionais, com Net Promoter Scores (NPS) em torno de 90, um sinal claro do que é possível alcançar quando estratégia e entrega caminham juntas.
IA como motor invisível da personalização
Grande parte das recomendações, curadorias e interações em ambientes digitais hoje já são impulsionadas por Inteligência Artificial. Mas essa automação não se traduz em frieza. Ao contrário, ela viabiliza experiências que parecem mais humanas, mais relevantes e mais convenientes.
A personalização, quando bem aplicada, elimina ruídos, acelera decisões e reduz o esforço cognitivo do consumidor. Mas alcançar isso exige um entendimento claro de valor, ou seja, o que realmente importa para o usuário, e não apenas o que a tecnologia pode personalizar. Para quem está do outro lado, a sensação é de ser compreendido sem precisar explicar. Isso, no entanto, impõe às empresas um desafio ético e técnico: oferecer experiências sob medida com responsabilidade, clareza sobre uso de dados e respeito à privacidade.
Novas formas de influência: da celebridade ao consumidor comum
A autoridade de influência deixou de ser privilégio dos grandes criadores de conteúdo e passou a ser construída de forma distribuída. Comentários de consumidores reais, avaliações em marketplaces e vídeos curtos de pessoas comuns ganharam peso comparável ao de campanhas publicitárias.
O consumidor busca autenticidade e valoriza a opinião de quem parece próximo, real e desinteressado. Essa mudança força as marcas a repensarem como constroem confiança. Não basta falar bem de si mesmas; é preciso ser validado por vozes confiáveis e espontâneas, em múltiplos contextos.
Propósito, logística e transparência como vetores de decisão
Mais do que comprar um produto, o consumidor deseja se conectar com os valores da marca. A responsabilidade ambiental, o cuidado com pessoas e a coerência entre discurso e prática se tornaram critérios relevantes. A entrega precisa ser eficiente, mas também ética. O preço precisa ser justo, mas não à custa de relações de trabalho abusivas ou impactos negativos à sociedade.
Além disso, a logística passou a ser um fator decisivo de fidelização. Entregas atrasadas, trocas difíceis ou suporte confuso destroem experiências construídas com meses de investimento em marketing. O novo consumidor não perdoa incoerências entre promessa e execução.
O que esperar dos próximos meses
O estudo aponta que o comportamento atual tende a se intensificar. A jornada continuará sendo híbrida, a busca será cada vez mais conversacional e a exigência por experiências personalizadas crescerá. Mais ferramentas baseadas em IA surgirão para prever preferências, automatizar interações e antecipar necessidades.
No varejo físico, veremos um movimento de digitalização acelerada. Códigos QR, pagamentos por aproximação, telas interativas e espaços imersivos vão se tornar comuns. Já no ambiente digital, a humanização da interação, o uso de voz e a integração entre canais se fortalecerão como padrão.
E sim, haverá ainda mais protagonismo por parte do consumidor. Esse protagonismo não se manifesta apenas no momento da compra, mas em todo o ecossistema: da produção de conteúdo à pressão por práticas responsáveis.
Um convite final: usar esse poder com consciência
Ao optar por uma marca que entrega bem, respeita seu tempo e valores, e oferece uma jornada coerente, o consumidor está sinalizando para o mercado o que merece ser replicado. A cada clique, avaliação ou recomendação, influencia-se não apenas o sucesso de um produto, mas o modelo mental da indústria.
Por isso, embora este texto tenha sido construído com base em tendências de mercado e dados técnicos, seu impacto é profundamente humano. E para atender às expectativas desse novo consumidor, as empresas precisarão de mais do que tecnologia, elas devem repensar os produtos como sistemas vivos, com propósito claro, ciclos curtos de validação e um foco constante em entregar valor real. Afinal, somos todos consumidores. E está nas mãos de cada um de nós decidir qual futuro queremos alimentar com nossas escolhas.
Juliana Velozo é senior VP retail, CPG, travel & transportation e healthcare na Thoughtworks Latam.