A desestatização dos serviços de telecom atingiu alguns de seus muitos objetivos, como a disseminação de linhas telefônicas. Mas algumas rusgas ainda estão na linha. As operadoras de serviços, por exemplo, são as campeãs no número de reclamações junto aos órgãos de defesa dos consumidores. A principal reclamação é, por exemplo, a falta de clareza das informações. Esta entre outras delicadas questões foram discutidas entre empresas de telefonia celular e fixa, a Anatel, o Ministério das Comunicações, os Procons e outras entidades ligadas ao setor, em São Paulo, em encontro promovido pela Network. Denominado Telecomunicações e o Consumidor, o evento colocou frente a frente as principais partes envolvidas diretamente no assunto. O secretário executivo do Ministério das Comunicações, Paulo Lustosa, fez avaliação da revolução quantitativa na telefonia, que considera muito grande, como a melhora considerável da qualidade tecnológica dos serviços. Paulo reconhece, no entanto, que ainda há questões levantadas por clientes que necessitam serem discutidas com mais profundidade. “Pelo elevado número verificado de reclamações, o atendimento é precário e deveria ser mais humanizado. Ou seja, em vez de ser via telefone, mais postos de atendimentos deveriam ser abertos”, sugere.
Uma saída, na opinião do executivo, é estimular a concorrência e obrigar às operadoras a se esforçarem mais no cumprimento das metas estabelecidas pela Anatel. “O próprio mercado está fazendo isso, pois o surgimento de novas tecnologias poderá gerar melhor atendimento e, principalmente, reduzir custos”. Ele cita como exemplo a transmissão via satélite, que têm custos elevados, mas que com a entrada de várias empresas que prestam serviços desta natureza, os preços praticados já melhoraram. “Também está surgindo em breve a telefonia via internet”, lembra. Por falar em preço, o representante governamental ressalta que questões relacionadas à diminuição de custos, tarifas, etc, num regime capitalista, vai sendo resolvido, não por imposição do Governo, mas com o processo concorrencial. “Não podemos impor preço. Ao Ministério cabe formular e implementar políticas de comunicação e, à proporção que a sociedade demanda que o Governo administre pressões, conflitos e interesses que são colocados, passamos a discutir as chances de reformular essas políticas”, justifica.
Roberto Augusto Cast ellanos Pfeiffer, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e conselheiro do CADE – Conselho Administrativo de Defesa do Consumidor -, exaltou a importância da iniciativa do painel. “É um tema da mais alta relevância e deve ser permanentemente discutido por todos os autores envolvidos. Aqui há a presença tanto de empresas, como de orgãos governamentais e associações de defesa dos consumidores”, elogia. Em sua palestra, Roberto abordou a questão da informação, que na sua visão, é essencial para permitir ao cliente exercer o direito de escolha. “Hoje se fala em pós-privatização e em alternativas. Naturalmente, se há alternativas, significa que o cliente pode escolher entre operadoras e serviços. No entanto, essa possibilidade de escolha pode ser falseada, porque as informações são deficientes”, critica. Um exemplo claro disso é o fato do cliente não ser alertado sobre o custo de determinado serviço, que muitas vezes é colocado ao seu dispor sem uma reflexão, “quer dizer, automaticamente, sem que ele possa pensar sobre a contratação. É dito que o serviço de secretária eletrônica é gratuito, mas na realidade o cliente tem que pagar os pulsos de acesso, o que significa que em poucos meses ele fica obrigado a pagar o valor da assinatura sem saber”.
Há ainda outros planos, como os que oferecem minutos grátis, comum na telefonia móvel. A operadora diz que vai cobrar um preço fixo, mas não cumpre, pois começa a variar entre centros urbanos, fora da área de residência do cliente. Falta informação pós-contratual para que o cliente possa saber se a cobrança é correta ou não. “Um problema que decorre dessa deficiência, é a chamada discriminação de pulsos, ou seja, detalhar quais são as ligações feitas. Sem essa informação, não se consegue saber se a cobrança é correta ou não”. Neste caso o Procon orienta ao cliente a se comunicar com a operadora e solicitar a conta detalhada, que deverá ser entregue em até 48 horas. No caso do telefone ser um celular pós-pago, poderá ser solicitado o detalhamento relativo a um período de até 90 dias. Sendo um celular pré-pago, o pedido poderá ser feito mensalmente. Em ambos os casos, o detalhamento da conta terá que ser realizado gratuitamente. A verificação é feita através de um processo de rastreamento das ligações e a operadora só inicia o processo após o recebimento de solicitação por escrito do titular da linha.
Superintendente do Procon da Bahia, Archimedes Franco criticou o encontro, que na sua opinião serviu de palco para as telecomunicações se auto-promoverem. “Neste painel houve uma verdadeira publicidade das empresas. Porque no meu entendimento, elas não estão discutindo em profundidade o problemachave, que é o atendimento ao cliente de forma eficaz”, esbraveja. Ele disse que é preciso entender de uma vez por toda “que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma lei especial destinada ao consumo e – como a introdução ao Código Civil estabelece – prevalece sobre qualquer outra lei, no que concerne à relação de consumo”, enfatiza. Sobrou até para a Anatel: na opinião de Archimedes, o papel da agência reguladora tem sido mais voltado para a regulação propriamente dita, do que para a defesa do cliente, e como tal, muitas das suas decisões são mais importantes às empresas. “O entendimento da Anatel nem sempre coincide com as regras do CDC, mas por uma questão constitucional, as normas do Código prevalece sobre as resoluções dela”.
O diretor executivo do Procon de São Paulo, Gustavo Marrone, também criticou a atuação da agência. “A Anatel é omissa no seu papel de reguladora, não se preocupa com o cliente, mas apenas com a saúde das operadoras de telecomunicações, gerando desequilíbrio nas relações do segmento”, disse. Gustavo avisa que continuarão a existir problemas relativos à má prestação de serviço enquanto os agentes do setor não se empenharem em identificar e trabalhar as causas”. O Procon tem o poder de punir com multas que podem chegar a três milhões de reais, as operadoras que infringirem o código, mas não pode caçar concessão. “Isso não seria necessário, porém as ações que são levadas aos Procons e ao Poder Judiciário, são muitas e o próprio representante do Ministério das Comunicações (Paulo Lustosa), assinalou que só no Rio de Janeiro, as 16 maiores empresas têm 320 mil ações. E o senhor pode ter certeza que destas, a maioria absoluta é sobre telefonia, fixa e móvel. Algo precisa ser feito para mudar isso”, desabafa Archimedes. “Direito do consumidor é o direito à informação e a não ser enganado na hora da contratação, do antes e do pós contrato”, arremata.
Mea-culpa – Para Aristóteles dos Santos, ouvidor da Anatel, o debate é positivo: “Há bem pouco tempo não existia esse espaço, pois as empresas trabalhavam de uma forma muito fechada e prepotente nas suas decisões”. Segundo o ouvidor, até mesmo a Anatel tem sido desrespeitada em algumas de suas regulações. É por isso que há acúmulo de processo interno de fiscalização nos Procons e até no Poder Judiciário, de reclamação contra as operadoras. “Mas a sociedade se organizando, participando cada vez mais da compreensão do fenômeno, do debate e da busca de seus direitos, eu acho que contribui para um processo democrático muito positivo”, salienta. O agente regulador também passa a entender mais a sociedade e contribuir para que haja um serviço de melhor qualidade e mais barato, de acordo com ele. Sobre as críticas dos representantes dos Procons, que disse haver omissão da Anatel, Aristóteles disse não ter percebido isso nos dois meses em que está à frente da Ouvidoria. Mas reconhece que o orgão não teve capacidade nem força suficiente de, sozinha, fazer valer diversas regulações estabelecidas. “Numa sociedade democrática, os outros orgãos também se mobilizam e se organizam. Os processos internos da Anatel se assemelham ao Judiciário, o que significa que as empresas têm direito a recursos, advogados, etc. Resumindo: é fato que a existência da agência não conseguiu, num curto espaço de tempo, determinar, de uma forma acabada, que as operadoras respeitassem mais o direito do consumidor”, confessa. “Mas não significa que a Anatel não tenha vontade em fazer isso. Porém, mais importante é que a gente se modernize, se estruture e possa dar conta desta demanda. Não só a Anatel, mas os orgãos civis e toda a sociedade”, conclui.
As operadoras – “Não há País nenhum do mundo que tenha metas tão desumanas quanto às da Anatel”, reclama José Luís Volpini Mattos, diretor de relacionamento da Telemar/Oi, a campeã em reclamações junto ao Procon de São Paulo. Na opinião do executivo, “telefone é um serviço muito usado e como temos 20 milhões de clientes, é lógico que vai haver um número alto de reclamação. Mas, analisado quantitativamente, o número é injusto; o importante é que nós estamos conseguindo melhorar o relacionamento com nossos clientes em termo qualitativo”, disse.
José Luís afirma que nos demais Procons a situação é bem mais confortável para a companhia. “Só em São Paulo somos os primeiros”, desabafa. Outra justificativa apresentada, é o fato de que essa indústria ainda não sabe lidar com a classe de baixa renda. O telefone celular é muito caro para este tipo de cliente, o que causa um volume alto de reclamações por coisas simples. “Por exemplo, apenas de celulares prépagos, nós estamos recebendo cerca de 1,2 milhões de chamadas por mês. É o cliente querendo saber sobre o seu saldo. Mas nós estamos criando planos alternativos para atender essa gente”, garante. Vinte por cento da base da empresa tem planos do tipo pague 100 e fale 200 minutos.
Além disso, há pacotes fechados em que o cliente paga por um determinado volume de ligação. “Tudo isso com a preocupação de não comprometer o orçamento dele”. De acordo com o diretor, a Telemar/Oi está investindo em infra-estrutura, visando diminuir as deficiências verificadas na prestação dos serviços. “Já observamos que antes destas estratégias serem utilizadas, o volume de chamadas nos telefones fixos, que era de 35 milhões/mês, caiu para 7 milhões/ mês. Claro que há muito a ser feito ainda, mas os números comprovam que estamos evoluindo”, diz José Luís.
“Não queremos apenas fazer o atendimento puro e simples, porque isso pressupõe atender uma solicitação ou necessidade qualquer, e nós queremos muito mais do que isso”, afirma Luciana Rodriguez Rodriguez, diretora de contact center e vendas da Intelig Telecom. Na sua opinião, há de fato um descontentamento com relação aos serviços prestados. Ela critica a maneira de algumas companhias abordarem o problema. “Não adianta ter estratégias corporativas que não se reflita na linha de frente. Quer dizer, se o cliente que está lá na ponta não estiver alinhado com a estratégia de marketing e de penetração no mercado, não vamos conseguir melhorias no processo”, reconhece.
Luciana propõe um relacionamento onde o cliente seja ouvido. “Só assim, de posse das necessidades específicas dele, é possível preparar uma série de opções que faça com que esse relacionamento funcione”, ensina. “Atender o cliente em 10 ou 20 segundos, para dizer para ele que é preciso aguardar mais 48 horas para receber uma posição, não adianta nada. “Nós adotamos uma intensidade maior no contato com o cliente, justamente para que haja um grau elevado de satisfação na qualidade deste atendimento. Não importa que dure um pouquinho mais de tempo, importante mesmo é que o problema seja solucionado e ele fique satisfeito”, diz. Segundo ela, o cliente recebe um volume muito grande de informação e isso, muitas vezes, atrapalha o seu entendimento com relação a contratos e serviços.
“Revolução passa pelo entendimento do cliente! Não adianta veicular publicidade nos meios de comunicação”, pontifica, acrescentado que o mais importante é que essa missão de se relacionar intensamente com o cliente precisa estar bem difundida dentro da empresa, desde o presidente até os operadores. De acordo com os números do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), em 2003 os serviços de telefonia só ficaram atrás dos planos de saúde no número de reclamações. Mesmo assim houve melhora: em janeiro daquele ano, 23% das reclamações junto àquele orgão eram contra as teles. Em abril, às operadoras ultrapassaram os planos de saúde – 21% a 19% -, atingiu 24% em julho e fechou dezembro com 18% das reclamações. Ou seja, de janeiro a dezembro se verificou uma queda de 5%.