A grande revolução no mercado odontológico foi a mudança no tratamento de doente para cliente. Em 30 anos de mercado, Carlos Squillaci não chega a estabelecer um marco para esta transformação do comportamento dos dentistas em relação aos usuários de seus serviços. Mas reconhece a existência de alguns movimentos que contribuíram para isso, como a criação da Agência Nacional de Saúde e a conseqüente regulamentação dos Planos de Saúde que desvincularam definitivamente os planos odontológicos – limitados, na época da previdência estatal, à odontologia mutiladora – do conceito de produto independente. “E não foi nenhum dentista o autor dessa mudança. Foi um economista”, justifica Squillaci, fundador da Associl, há 30 anos, e presidente do sindicato patronal, o Sinog, referindo-se ao ex-ministro José Serra.
Outro movimento vem de um batalhão de 180 mil profissionais em busca de espaço no mercado de trabalho, transformando o Brasil no País com o maior número de dentista do mundo. Uma contradição aparece quando as estatísticas demonstram que apenas 4% da população brasileira têm acesso a tratamento odontológico regular. “Talvez por isso eles começaram a se preocupar em atender os anseios dos clientes, dando-lhes mais atenção e serviços adicionais, indo no caminho da fidelização”, avalia.
Mas os esforços, que passaram pela esfera política e hoje se transformam em cultura, com a conscientização da população, chegam à profissionalização da atividade envolvendo o que Squillaci batizou de network – o melhor atendimento ao cliente final, a capacitação e nova visão dos dentistas, a indústria fornecedora de equipamentos, as empresas compradoras de planos de saúde corporativos, as instituições de ensino, o governo e as operadoras de planos odontológicos. “Mas definitivamente esta profissionalização é a maior responsável por essa mudança”, aposta Squillaci. Ele recorre à tradicional Associl, a maior empresa da atividade, para exemplificar a criação da Universidade Corporativa, dirigida pelo dentista Antonio Carlos Silveira e diretor executivo, que participou da Entrevista junto com Rubenvaldo Costa, diretor de marketing. A instituição tem por objetivo promover palestras nas universidades e dar uma visão empresarial aos profissionais.
“O esforço é comum, pois para cada dólar investido em prevenção é feita uma economia de 32 dólares ao longo do tempo”, observa. Nesta Entrevista Exclusiva, Carlos Squillaci nos conta os atalhos políticos, culturais e técnicos desta revolução a caminho do cliente.
Quem é o cliente para o senhor?
Eu tenho dois tipos de clientes. Minha preocupação como profissional de saúde era facilitar o acesso da população ao tratamento odontógico. A odontologia é cara no mundo todo. Então se pensou, há 30 anos, em uma forma de a população ter acesso a uma odontologia de qualidade. Foi quando criamos o Plano Odontológico. A outra preocupação é que somos um dos países que tem o maior número de dentistas formados no mundo. E no entanto a saúde bucal da população é precária. Nos anos de 70, houve um crescimento dos planos de assistência médica também por conta da deficiência do sistema estatal. Uma das ações do então ministro José Serra foi regulamentar os planos de saúde, de tal maneira que os planos odontológicos passaram de subproduto para produto, dentro dos planos de saúde, a partir desta regulamentação. Esse network que fizemos, entre a população, os profissionais e a indústria, permitiu um crescimento generalizado. As ações do Sinog envolvem a Associação Brasileira de Medicina de Grupo. Conseguimos assento no Conselho Nacional de Saúde Suplementar, temos acesso ao Conselho Federal de Odontologia, desenvolvemos um trabalho de relacionamento com as universidades que estão preocupadas em dar não apenas a qualificação técnica mas a possibilidade de se ter noções de gestão de atendimento à população, e estamos com algumas ONGs em programas sociais. E a odontologia transformou-se na grande vedete da área de planos de saúde.
Como é a radiografia da atividade hoje?
Por conta da regulamentação, o Sinog virou uma entidade para apoiar a expansão dos Planos Odontológicos através da profissionalização de gestão. Hoje são 135 operadoras de Planos Odontológicos e nós só aceitamos operadoras registradas na Agência Nacional de Saúde. Existem mais de 400 planos entre cooperativas, iniciativas próprias etc. Apenas as empresas ligadas ao Sinog absorvem 60% dos profissionais de odontologia do País.
O que justifica essa profissionalização?
O que era um sonho começou a se concretizar. Nós imaginamos essa evolução, mas as entidades de odontologia não levaram esse movimento para frente pois a cultura do dentista sempre foi atender o cliente em seu consultório particular etc. Na realidade, foi uma solução da sociedade, porque a população precisa ter acesso ao tratamento odontológico e o mercado do cirurgião dentista é escasso. Então a sociedade deu essa solução de acomodação que hoje é regulamenta por um ministro economista.
Como podemos avaliar o crescimento da atividade, que tem um potencial imenso no País?
Na área de seguros privados de saúde existem 40 milhões de brasileiros que possuem algum plano de saúde. A assistência odontológica que as operadoras de planos médicos ofereciam era baseada na assistência da Previdência Social, que é basicamente mutiladora; era consulta, emergência, extração e cirurgia bucomaxilofacial, apenas. Não oferecia restauração, tratamento odontológico. Por conta da regulamentação, estas empresas de assistência médica-odontológica passaram a ter a oportunidade de oferecer uma assistência odontológica bastante completa. Com isso, ganhamos todos. Os planos odontológicos que hoje possuem apenas 4 milhões de usuários, numa assistência completa, devem chegar a 16 milhões de usuários em três anos.
Quem é o seu principal cliente?
É a pessoa que precisa de um tratamento odontológico. E para ter acesso a uma odontologia de qualidade ele particularmente não teria condições. Então funciona como um consórcio. Um grande grupo de pessoas contribui para ter um plano odontológico e esse plano vai atendendo os que têm necessidade. Por um valor equivalente a um ticket de alimentação, você pode ter um plano odontológico para sua família com todos os tratamentos cobertos.
Quando essa mudança começou efetivamente?
Teve uma revolução em que o doente e o paciente adquiriram status de cliente. Hoje os planos médicos ainda têm uma tendência de tratar o paciente como doente. Quando você o observa como doente, a relação fica muito limitada. Quando ele ganha status de cliente, a relação se viabiliza. O plano odontológico permitiu essa revolução fazendo com que o associado do plano odontológico passe a ser um cliente particular. Eu passo a ser cliente do dentista e meus clientes passam a ser clientes dele. Mais do que isso, permitiu que estes clientes bem atendidos, com todas as particularidades de um atendimento particular, passem a indicar os seus familiares. Os dentistas ganharam duplamente ao atender convênios, ampliando a vitrine de seu consultório para indicações dos próprios clientes dos planos odontológicos. Essa é uma corrente de crescimento muito rápido. Não existe nenhum segmento no País que estima crescer nos próximos três anos 300%. E vai ganhar todo mundo. O cliente, o usuário que passa a ter acesso a uma assistência odontológica completa; o dentista porque vai ampliar seu mercado de trabalho; vai ganhar a indústria porque vai produzir mais e vender mais.
Mas quando o cliente final começou a ser visto como cliente?
O cliente nasce quando a oferta é maior que a demanda. O que ocorre hoje é que você tem 180 mil dentistas que não conseguem manter o consultório funcionando porque estavam preparados para cuidar do doente; não do cliente. Ele teve de perceber que precisava se diferenciar, oferecendo sala com ar condicionado, estacionamento, atendimento diferenciado. Ele começa a perceber que é um prestador de serviço, precisando agregar alguns conhecimentos que não teve no banco acadêmico. Nasceu, por exemplo, dentro da Associl uma Universidade Corporativa que leva nossos dentistas credenciados a entender a importância de finanças, de marketing, de adminsitração, para tratar o paciente como cliente. Essa é uma fase de crescimento profissional. Até porque era uma profissão extremamente elitizante, atendendo perto de 3% da população. O processo é de aumentar a produção com qualidade e, aí, ocupar a ociosidade do consultório… Os planos começaram assim. Hoje não se pergunta se é particular ou de plano odontológico, mas de que plano é! E a Associl cresceu porque não partiu para montar clínicas mas para credenciar profissionais. O entendimento é que o cliente indicasse o dentista para ser credenciado e continuasse a ser atendido por ele. Esta é a revolução. E os dentistas passaram a receber mais clientes. Para atender, num primeiro momento, as instituições financeiras, a Associl teve de credenciar uma malha grande de dentistas. Este aspecto histórico é também muito importante porque constituiu uma base muito forte, que acabou disseminada com a troca de emprego das pessoas. Quem tinha um plano odontológico empresarial passou a exigir isso no novo emprego.
Nota-se que houve um movimento em direção à profissionalização, numa ação bem mais política e desenvolvendo a visão de tratar o doente como cliente. E quando começou a preocupação de gerir este relacionamento, no sentido de fidelizar este cliente?
Não existe uma marca no tempo. O aumento da concorrência é uma delas. Começou-se a implementar uma série de ações. A Associl, por exemplo, tem uma preocupação de fidelizar o cliente com descontos crescentes nas mensalidades pela freqüência no tratamento odontológico. Eu tenho uma rede grande para estimular o tratamento, uma vez que uma cárie pode virar um tratamento de canal. Dentro das empresas, por exemplo, nós temos programas de odontologia preventiva, através das Cipas ou de outras ações, com palestras, distribuição de kits, deslocamento de unidade móvel. Essa é a fase educacional.
Para o cliente empresa, eu justifico com estatísticas. Elas mostram que a cada quatro faltas por problema de saúde uma é referente a problema odontológico. Oferecer um plano odontológico já é visto como um diferencial na retenção de talentos, por exemplo, além de aumentar a produtividade. A Ticket escolheu o plano odontológico como diferencial em seus planos de alimentação, que acabou ganhando Top de Marketing da ADVB.
E como vocês fazem a gestão do relacionamento destes clientes?
Há dez anos, começamos a estruturar uma plataforma tecnológica que nos permite gerenciar o relacionamento com uma base hoje de 18 mil profissionais, espalhados por todo o País, e fazer análises de risco. Ela nos permite obter informações não apenas do cliente final como do dentista, sabendo em detalhes seu perfil de compra, ociosidade, tudo com informações precisas. Num primeiro momento, a saúde financeira dos planos estava associada à capacidade de gestão, de controlar a execução do serviço no cliente. Hoje, a tecnologia está tão sofisticada que permite traçar uma radiografia do cliente, sabendo o tratamento odontológico que ele fez, podendo contar toda sua história bucal, acompanhando o tratamento.
Quer dizer que as empresas possuem o histórico de 200 mil clientes?
Se ele passou por um dentista e fez todos os procedimentos, sim. Para se ter uma idéia, se você vai comprar uma carteira você precisa saber que tipo de investimento já foi feito naquela base de cliente para calcular a taxa de sinistralidade. Com estas informações, é possível identificar o custo de tratamento daquela carteira. A questão de risco está tão acurada que nos permite, independente da área – alimentação, metalúrgica, financeira -, saber a taxa de risco em determinada população. São estatísticas geradas a partir de informações como condições sociais, econômica e se a população envolvida teve algum tratamento odontológico. Baseado até na área de atuação do profissional, eu sei exatamente qual a taxa de risco para dar cobertura odontológica a uma determinada população. A odontologia, através dessa plataforma de tecnologia desenvolvida ao longo destes anos, mas com fortes investimentos nos últimos 10 anos, nos permite atender não apenas o nosso cliente, mas faz com que sejamos plataforma tecnológica para várias outras operadoras que estão lançando planos odontológicos. A verdade é que estes 30 anos de experiência permitiram que esta tecnologia se aprimorasse com capacidade para monitorar tudo e operar como um Banco 24 Horas, que suporta vários bancos. Em plano odontológico, a Associl não apenas tem produtos próprios como serve de plataforma tecnológica para outras grandes operadoras.
Então a fase de pensar o produto nesta área também já está ficando para trás?
Exatamente. Quem vende um plano de assistência médica-odontológica não pode dizer que vende um plano de saúde se não tiver um plano odontológico. A Interclínica, que tem uma carteira de 300 mil credenciados, disponibilizava uma odontologia precária. Nós fizemos uma parceria com a Associl para gerenciar seus usuários do plano de saúde. Nós passamos a ser uma bandeira. O mercado vai crescer a partir destas parcerias, não apenas da venda de planos próprios. A Ticket, quando vende a cesta alimentação, oferece o plano odontológico, por exemplo, como um plus ao seu serviço, visando fidelizar o cliente.
E quais os canais que as operadoras abrem para se relacionar com o cliente?
Abrir uma central de atendimento foi algo automático. Como nós não temos um serviço de autorização prévia, ou de guia, nosso serviço de atendimento ao usuário, seja ele o dentista ou o cliente final, é extremamente desburocratizado. Nosso DentalCard é um cartão apenas de acesso. O nosso call center, que era para orientação, num sistema receptivo passou a ser ativo, na medida em que liga para o cliente e faz uma pesquisa de satisfação do usuário. E o que observamos é que cada vez mais o nível de satisfação está aumentando, uma vez que os dentistas se conscientizam que essa é uma tendência mundial. Como você observa, a central de atendimento é a porta para a operadora gerenciar este relacionamento. Como os planos são empresariais, o 0800 diminui a distância, escutando de fato o cliente final. Todo este processo alimenta uma base de dados que nos permite tomar decisões muito rápidas em determinadas regiões. Nós fornecemos, inclusive para as empresas-clientes, relatórios de pesquisas de satisfação. Com isso, ela também pode avaliar seus investimentos. Ela mostra um programa de benefícios, retém talentos e melhora a produtividade através de um relacionamento que mantemos com o funcionário dela. E o nível de aceitação dos planos, por parte dos dentistas, chegou a 70% porque é mais uma oportunidade de ter clientes no consultório. Estamos criando um poderoso instrumento de comunicação com o usuário final e com o profissional que muitas vezes não fazia parte do seu mundo. Quem viabiliza este processo é o relacionamento com o cliente final.
E como essa fidelização é assegurada?
O cliente passa a ser dono do seu histórico bucal. Ele mesmo tem acesso a este histórico, através de senha. Imagine que, se você está em tratamento odontológico e tem um problema durante uma viagem, pode acessar seu histórico com radiografias e tudo, e mostrá-lo para o dentista que estiver consultando em outra localidade. O cliente pode ligar para a central e pedir as informações como radiografias via internet. O dentista pode também acessar a base de dados para utilizar uma radiografia em um seminário ou conference call.
Alguma parte do atendimento é terceirizado?
Sim, o atendimento 24 horas para atender pronto-socorro do País todo. Internamente, mantemos a gestão do processo.
E quais são os processos de evolução da fidelização?
Disponibilizar toda esta tecnologia ao cliente final, permitindo que ele faça um prognóstico de 24 meses, por exemplo. Quando alguém se antecipar e disponibilizar isso como instrumento, será possível pilotar melhor a saúde bucal, podendo fazer check up e planejamento. Você melhora o relacionamento com o cliente e o fideliza mais ainda.
Radiografia do setor
– 135 operadoras registradas na Agência Nacional de Saúde
– 400 operadoras no mercado
– 180 mil dentistas atuam no País – 60% atendem através de operadoras registradas
– R$ 600 milhões é o faturamento atual das operadoras de planos odontológicos
– R$ 2 bilhões é a previsão de faturamento das operadoras de planos odontológicos em três anos
Frases:
“Os planos odontológicos que hoje possuem apenas 4 milhões de usuários, numa assistência completa devem chegar a 16 milhões de usuários em três anos.”
“Teve uma revolução que o doente e o paciente adquiriram status de cliente. Quando você trata o paciente como doente, a relação fica muito limitada. Quando ele ganha status de cliente, a relação se viabiliza.”
“Estes 30 anos de experiência permitiram que esta tecnologia se aprimorasse, permitindo-nos monitorar tudo e operar como um Banco 24 Horas que atende a várias bandeiras. Hoje, a Associl tem produtos próprios e serve de plataforma tecnológica para outras operadoras.”
“Como você observa, a central de atendimento é a porta para a operadora gerenciar este relacionamento. Essa é uma oportunidade de manter o relacionamento com o beneficiário final. Como os planos são empresariais, o 0800 diminui essa distância, escutando de fato o cliente final.”
“O nível de aceitação dos planos, por parte dos dentistas, chegou a 70%. Estamos criando um poderoso instrumento de comunicação com o usuário final e com o profissional que muitas vezes não fazia parte do seu mundo, e passa a fazer por indicação. Quem viabiliza este processo é o relacionamento com o cliente final.”
“Não existe nenhum segmento no País que estima crescer nos próximos três anos 300%. E vai ganhar todo mundo. O cliente, o usuário que passa a ter acesso a uma assistência odontológica completa; o dentista porque vai ampliar seu mercado de trabalho; vai ganhar a indústria porque vai produzir mais e vender mais.”
“Nasceu, por exemplo, dentro da Associl uma Universidade Corporativa que leva nossos dentistas credenciados a entender a importância de finanças, de marketing, de adminsitração, para tratar o paciente como cliente.”