Vladimir Valladares

A qualidade como norte na crise

A crise oriunda da pandemia do Covid-19 pode escancarar falhas estruturais no processo de relacionamento com clientes. Hoje, as empresas possuem tecnologia capaz de dar conta de uma situação de emergência como essa, mas quando o atendente falha, operando ou não em home office, ele está apenas refletindo na ponta os problemas existentes em toda a estrutura de relacionamento criada pela empresa. Essa foi uma das reflexões levantadas, hoje (17), sob a ótica da gestão de qualidade, por Vladimir Valladares, CEO e fundador da V2 Consulting, dentro do 16º encontro on-line da série de entrevistas dos portais ClienteSA e Callcenter,inf.br para avaliar os efeitos da crise na gestão de clientes.

Comentando inicialmente sobre as agruras do momento em sua própria atividade, o consultor explicou que a V2 trabalha com duas bases de clientes. Uma de projetos, que ficou mais prejudicada porque demanda maior esforço presencial, e outra de serviços, que segue sem atropelos.  “Neste caso, conseguimos colocar a equipe toda em home office, mas estamos no mesmo barco de todas as organizações. Principalmente nós, os que trabalhamos com gestão de qualidade, vivemos de desafios e sabemos que vamos superar os atuais também.” O consultor lembrou-se dos tempos em que a grande discussão sobre contingência na área de gestão de clientes se concentrava na criação de sites físicos, espelhando toda a plataforma para atuar em emergências. “Na situação criada pela pandemia, de nada adiantariam. Por mais que estivéssemos todos  concentrados em planos de contingência e de segurança, esta crise superou tudo.”

É claramente um momento muito diferente, na concepção de Valladares, tanto para os atendentes quanto para as lideranças. “Então”, explicou, “nossa área é mais procurada para atuar também no nível comportamental. E diz respeito, principalmente, ao protagonismo que adquiriu o trabalho em casa. O home office não será mais daqui em diante uma coisa da retaguarda.” Indagado sobre o que muda no quesito gestão de qualidade, ele garantiu que, no caso das plataformas de relacionamento, há modelos alternativos para que não haja perdas. “Embora, nessa atividade o convívio físico seja importante para a troca de sensações, motivação, etc., o que conta mesmo é a fórmula desenhada pela organização para o atingimento de seus propósitos já antes da crise”, revelou.

Segundo ele, o relacionamento com clientes depende de o quanto a empresa está estruturada para isso, envolve tecnologia, processos, sistemas de gestão e tudo o mais. “Portanto, se há dificuldade para funcionar na nova situação, talvez já existissem falhas no planejamento dentro do plano da normalidade, pois as atividades continuam como sempre, seja a de vender, reter, atender, e por aí afora. A fórmula que a organização pensou para o relacionamento é o que permite responder bem agora. Por exemplo, a cultura de scripts padronizados provavelmente não funciona muito bem nestas circunstâncias, com as emoções alteradas e numa situação tão diferenciada.”

De acordo com o CEO da V2 Consulting, há hoje plena capacidade de medições em todos os detalhes da operação. E ele ressalta que, se existem falhas é porque o atendente está, na verdade, reproduzindo a fórmula criada pela empresa. “O problema certamente se encontra na estrutura como um todo. E se torna visível apenas quando chega na ponta, na atuação do operador. Com certeza faltou alguma coisa no planejamento para possibilitar que  o agente do relacionamento fizesse algo melhor”, reforçou o executivo.

Valladares ressaltou, então, ser necessário se analisar, no dia a dia, o que está acontecendo para providenciar os ajustes nessa estrutura. E pegando esse enfoque sob a ótica do momento trazido pelo novo coronavírus, ele explicou que há diferenças de ambiente para isso. “Os setores que trabalham muito mais à base de metas – como os de crédito e cobrança e vendas – há uma certa tensão no ar e podem estar com problemas. Já nos serviços de atendimento, não percebemos grande mudança nos níveis de qualidade. O movimento de pressão no ar pode causar flutuações nos índices”, destacou o especialista, complementando que a preocupação na sua área é poder acompanhar depois, no pós-crise, para verificar os efeitos de tudo isso. Por exemplo, na avaliação dele, é saber se o momento, promoverá a valorização de uma maior humanização no relacionamento com clientes.

Descrevendo parte da trajetória da gestão de relacionamento em busca de aprimoramento, Valladares recordou que, enquanto na década de 90 houve o movimento da terceirização, nos anos 2000 foi a vez do CRM. “E cresceu muito a tecnologia de lá para cá, mas ainda numa cultura muito reativa, não em um indispensável sistema cultural de relacionamento contínuo. Sempre que o processo tenha sido criado depois do surgimento da tecnologia, tende a ser mais problemático.” Exemplificando, o consultor citou que os robôs têm levado à corrida para se transferir a eles os serviços mais repetitivos. “Mas não se está dando”, na concepção do especialista, “uma atenção maior para aquilo tudo que fica por trás da automação. Não no sentido de que o robô possa imitar mais o humano, mas sim que possa oferecer mais na experiência que a organização quer entregar ao cliente. Pensar mais para fora do que para dentro da empresa. Mais do que humanizar o atendimento é solucionar as necessidades. O foco da qualidade é sempre chegar à satisfação plena do consumidor. Um robô que tem fala agradável, mas não resolve, não ajuda a conquistar e a fidelizar o cliente”.

Na análise crítica do entrevistado, é obviamente mais difícil treinar pessoas para resolver problemas nos canais de atendimento do que ensiná-lo a repetir fórmulas. “Há até empresas que, mesmo sem um sistema de CRM, oferecem um excelente relacionamento”, registrou ele, prosseguindo: “porque é necessário que a organização seja mais proativa para facilitar a vida do cliente. Muitos automatizam o atendimento, mas não reduzem em nada o esforço exigido do cliente. Aí surge a defasagem entre o que a empresa pensa em relação ao seu sistema de relacionamento e o que a pesquisa de satisfação revela. Isso precisa ser analisado. Existem ainda culturas que são mais voltadas ao controle de custos e reagir ao cliente, do que as que pensam em investir naquilo que pode efetivamente melhorar a jornada do cliente.”

Há mais de duas décadas atuando como profissional e depois como consultor na área de qualidade, Valladares se acostumou com a máxima de que o segredo da vida é aprender. “Você melhora amanhã com o que você está aprendendo hoje. Esta crise vai ser rica nesse sentido. Desde as questões de infraestrutura que podiam ser subestimadas antes – como internet com qualidade – até falhas no processo que a situação agora escancarou. Está sendo muito rica a experiência de percebemos o esforço do time o trabalho em equipe, o envolvimento das pessoas. Há recursos tecnológicos para resolver todos os problemas desta situação transitória. Mas é preciso cuidar do ambiente físico no home office com segurança. A questão comportamental”, pontuou.

No encerramento da entrevista, o especialista  asseverou que a qualidade deve estar sintonizada com a movimentação de negócios da empresa, conectada com as metas. Não pode ser feita apenas de rotinas de funcionamento. “A gestão de qualidade deve estar plenamente comprometida com as expectativas dos stakeholders. Tecnologia, metodologia e processos que sejam leves para elevar o nível de contribuição com os resultados. A gestão de qualidade – muito mais do que apenas o controle de qualidade – existe para ajudar a organização a crescer dentro de seus propósitos. Uma retaguarda que deve custar pouco e potencializar a entrega ao cliente lá na frente. Uma enorme vantagem na relação custo/benefício”, concluiu. A entrevista, na íntegra, estará disponível em nosso canal no Youtube.

Na segunda-feira (20), a série de entrevistas segue conversando com Luciano Silva, diretor comercial da Callink, e Melina Lass, diretora operacional da dbm Contact Center. A próxima semana ainda terá Francisco Sarkis, blogueiro da Cliente SA e criador do Laboratório do Inquietos; e Guilherme Kolberg, sócio e head da área de Customer Experience do Grupo XP.

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