O consumidor de luxo no Brasil está hoje muito mais interessado em memórias afetivas do que em etiquetas visíveis
Autora: Tamara Lorenzoni
Num país onde o consumo ainda é, muitas vezes, sinônimo de visibilidade, há um movimento silencioso — mas crescente — reposicionando o que entendemos por luxo. Longe das vitrines digitais, dos feeds saturados e da ostentação explícita, o novo luxo começa a se manifestar no tempo bem vivido, na presença intencional e na experiência offline cuidadosamente curada.
Em meio a uma cultura marcada pela conexão constante, desconectar-se tornou-se não apenas um ato de autocuidado, mas um gesto de distinção. E é exatamente nesse ponto que o comportamento do consumidor de alta renda — no Brasil e no mundo — começa a se transformar de forma estrutural.
Por décadas, o luxo foi construído com base em códigos de acesso e ostentação: logotipos evidentes, vitrines imponentes, campanhas grandiosas. No Brasil, isso se refletiu em práticas como o consumo parcelado de bens de grife ou a busca por produtos que “provassem” pertencimento.
Hoje, essa lógica começa a dar lugar a uma nova sensibilidade — mais madura, mais relacional, mais sutil.
O consumidor de alto padrão passa a buscar o que não está ao alcance de todos, não por preço, mas por compreensão. É o que Pierre Bourdieu já descrevia como distinção simbólica: o valor de um bem ou serviço reside em sua capacidade de comunicar repertório, refinamento e, sobretudo, discrição.
Esse movimento se alinha ao que alguns estudiosos chamam de consumo relacional (Currid-Halkett, 2017): o verdadeiro luxo está em ter tempo, acesso, bem-estar, vínculos — não em objetos visíveis.
Vivemos uma era em que tudo compete por atenção. No Brasil, 89% dos usuários de smartphone checam o aparelho antes mesmo de sair da cama (Fonte: DataReportal, 2024). Essa hiperconectividade esgota a presença real, fragmenta o tempo e acelera a fadiga digital.
Nesse cenário, o offline passou a ser aspiracional.
Desconectar-se, hoje, exige estrutura: liberdade profissional, agenda flexível, autonomia sobre o tempo. Em outras palavras: desconectar é privilégio — e portanto, luxo.
Mais do que bens materiais, cresce no país a valorização de experiências únicas, presenciais e bem cuidadas. Segundo a Bain & Company, o mercado global de experiências de luxo (viagens, hospitalidade, bem-estar) cresceu 5% em 2024, enquanto bens pessoais de luxo caíram 2%. Essa tendência reflete-se no Brasil em dados como:
- O crescimento de resorts e retiros de luxo com foco em bem-estar, como Botanique (SP), Rituaali (RJ) e Fasano Boa Vista (SP).
- O avanço do turismo de isolamento sofisticado no Nordeste, com pousadas boutique e propriedades sob curadoria.
- A expansão de marcas que operam por indicação, com atendimento personalizado e nenhuma presença em shopping centers.
O consumidor de luxo no Brasil — especialmente aquele que já passou pela fase de “provar que pode” — está hoje muito mais interessado em memórias afetivas do que em etiquetas visíveis.
Como estrategista de marca, observo em projetos nacionais e internacionais que o que fideliza não é o produto, mas a experiência vivida com ele. Isso vale para um jantar íntimo promovido por uma marca de skincare, um atendimento silencioso em uma loja de joias ou a entrega de um serviço que não se anuncia, mas que transforma.
É o que chamo de Luxo da Presença: a capacidade de uma marca — ou de um serviço — de criar uma memória real, um instante irrepetível, uma conexão que não depende de postagens, mas de percepção.
E o que isso exige das marcas no Brasil?
Essa mudança comportamental convida marcas brasileiras, especialmente aquelas que trabalham com alta renda, a repensarem sua forma de comunicar e entregar valor. Algumas direções possíveis:
- Sair da lógica do espetáculo e entrar na lógica do significado.
- Priorizar presença física com curadoria e sensibilidade.
- Oferecer silêncio, tempo e atenção como parte do serviço.
- Construir autoridade pela experiência, não apenas pela estética.
Mais do que nunca, o luxo não está no que se exibe, mas no que se escolhe não mostrar. Em 2025, no Brasil e no mundo, o verdadeiro prestígio é ser lembrado fora da rede.
Tamara Lorenzoni é mestre em gestão de marcas de luxo pela Domus Academy Milano.