A linha do brasileiro

Criar uma cultura única e tropicalizada. Esse foi o desafio com o qual Patricio Mendizábal se deparou ao assumir a presidência para o Mercosul da Mabe Eletrodomésticos, grupo mexicano que no Brasil detém também as marcas GE Eletrodomésticos e Dako. A política de expansão por meio de aquisições resultou em um “pote de culturas interessante”, como ele afirma nesta Entrevista Exclusiva. Ele reconhece que desta integração precisava sair uma cultura empresarial única, que refletisse toques tropicais, para agradar aos novos clientes brasileiros. O Grupo, que já atuava no mercado mexicano e norte-americano, decidiu partir em direção a América Latina em 1993. Mas apenas em 2003 chegou ao Brasil. Ainda que recém-chegada, a Mabe já detém 17% do mercado local de linha branca, que lhe rendeu em 2008 cerca de R$ 1,4 bilhões no País.
Engenheiro por formação e com uma carreira de 21 anos construída na Mabe, Mendizábal afirma que a preferência dos clientes brasileiros é fator determinante na elaboração das linhas de eletrodomésticos. Ao contrário dos mexicanos e norte-americanos, os brasileiros dão valor especial à estética e buscam produtos diferenciados. Apesar dos problemas enfrentados com a política fiscal brasileira – que impediu a entrada de novos produtos com mudanças nas regras de isenção fiscal – o executivo avalia a decisão de vir para o Brasil como acertada. A crise econômica mundial foi a peça que faltava para elevar o Brasil a um dos principais mercados consumidores para a Mabe. De acordo com Mendizábal, a América do Sul, liderada pelo Brasil, foi a região menos impactada pela crise. Para 2009, o calendário de lançamentos permanece e uma nova forma de relacionamento com os varejistas está engatilhada para aquecer as vendas.
Como o senhor se avalia como como cliente?
Não me satisfaço facilmente, sempre acho que as coisas poderiam ser melhores, seja em relação a tempo ou qualidade de atendimento. Como clientes, nós precisamos ter algo para reclamar.
Quais as suas principais ações ao assumir a presidência da Mabe no Mercosul?
Parece uma pergunta fácil, mas envolve questões muito complexas. A Mabe começou no Brasil em março de 2003 e mantivemos uma estrutura parecida com a anterior, da GE/Dako e CCE. Fizemos uma fusão de empresas e depois de dois anos tentando misturá-las, acabamos tendo um baú de culturas muito interessante: a CCE (cultura independente), a Dako (muito tradicional no Brasil), a GE (uma empresa americana) e, em 2008, chegou a marca Mabe, com experiência na América Latina, mas não no Brasil. O meu trabalho tem sido criar uma cultura Mabe geral e tropicalizada, para transformá-la em uma empresa brasileira. O Brasil é um mercado diferente e temos de entender essas diferenças para criar a cultura. Sou um dos poucos mexicanos que trabalha na companhia no Brasil. O Grupo Mabe gosta de manter as pessoas dos respectivos países na presidência dos negócios locais. Costumo dizer que estou fazendo um trabalho temporário, procurando um brasileiro que aceite o desafio da presidência. Outra mudança na qual trabalhei foi para mudar o sistema de gestão no Brasil, que por ser diferente daquele usado no resto do mundo impedia a comunicação com as outras unidades do Grupo. Assim como o aspecto das marcas: em todos os países em que atua, a Mabe trabalha com três marcas, a top, outra média e uma popular. No Brasil, só tínhamos duas marcas (GE/Dako), por isso lançamos a marca própria Mabe (voltada para o segmento médio de mercado). Em relação aos produtos, quando assumi, a Mabe não participava com todos os seus produtos no mercado brasileiro. Temos procurado preencher esses buracos para apresentá-la como empresa completa. Esse tem sido nosso primeiro foco comercial, para que nossos distribuidores vejam a Mabe como uma empresa completa, que possa atender a todas as necessidades de linha branca. E, como tal, virar um concorrente sério, de longo prazo e não de oportunidade, que vai embora depois de dois ou três anos.
Qual o grande diferencial do Brasil?
O primeiro diferencial é o tamanho, em termos de população. O segundo é o consumidor brasileiro, que é muito focado na aparência do produto. Ele tem um senso de estética muito bem desenvolvido. Em outros países, o importante é o eletrodoméstico trabalhar bem por 20 anos. Aqui, além disso, tem de ser bonito. Isso também faz com que o consumidor brasileiro goste de trocar de produto regularmente, o que aumenta o mercado. Em outros países, os produtos são trocados a cada 14 ou 15 anos – aqui esse número já cai para sete ou 10 anos.
Qual a diferença entre o cliente brasileiro e os dos outros países onde a Mabe atua?
Antes da crise, os EUA trocavam relativamente rápido. Eles gostam de mudar o visual da cozinha com mais frequência. Já o consumidor brasileiro gosta de ter um produto diferenciado a cada sete anos. Um mexicano aguenta muito mais, em torno de 14 ou 15 anos. Essas médias também dependem do produto. Uma lavadora, por exemplo, dura menos.
Quem são seus clientes e como são segmentados?
No negócio de linha branca temos que pensar no usuário final, mas para chegar neles precisamos ter uma cadeia de distribuidores. O varejo brasileiro é nosso parceiro para chegar até estes clientes. Com cerca de três mil distribuidores, também temos de definir o perfil destes clientes – os grandes, pequenos, localizados em capitais ou os regionais, os hipermercados, os especializados, etc. Temos dois clientes: o usuário final e os varejistas. E para cada um deles precisamos nos mostrar como alternativa.
Qual a importância da gestão de cliente dentro da Mabe?
É tudo. Temos que separar o consumidor final e os distribuidores. Um produto que não tem apelo para o consumidor é um produto encalhado, não é bom para nós, não é bom para o distribuidor. Por isso, nós alimentamos muitos investimentos para atender o que o nosso consumidor está procurando. E não tiramos o pé dos investimentos para conhecer clientes, nem mesmo com a crise, até porque os nossos lançamentos estão acontecendo no mesmo nível de antes da crise.
Quais são as inovações na área de relacionamento?
Estamos mudando o atendimento aos varejistas. Nossa estrutura comercial está sendo adequada para a nova realidade do mercado brasileiro. Com a crise, buscamos uma consolidação de parceiros, para atender às necessidades específicas de cada um dos nossos distribuidores. Nós estamos trazendo algumas tecnologias que a concorrência está usando, como em gestão de categoria, que é um conceito muito usado em outras linhas de produtos, por exemplo, bebidas ou laticínios. Nela o varejista permite que um dos fornecedores seja o administrador de uma área da loja, responsável pela colocação e giro das mercadorias. Isso é um conceito novo no Brasil. Trata-se de um vendedor interno que, no melhor caso, faz parte da equipe da loja, respondendo pelo lucro da linha, controle de estoque. Se um varejista fala que possui 300 m² de linha branca, que gera uma quantia X por ano de renda, ele pode entregar essa área para mim, que eu dou a ele x+1. Eu topo, porque posso fazer esse pedaço da loja ser mais lucrativo, conhecendo as estatísticas, as necessidades e o perfil do consumidor. Se alguém conhece os produtos dos meus concorrentes, sou eu, e conheço os meus também, então consigo disponibilizar um bom mix de produtos. Estamos começando a trabalhar dessa forma nos nossos clientes mais importantes, mas para isso precisamos ter um time de atendimento e não mais um único vendedor.
Como a tropicalização da cultura Mabe foi aplicada em relação aos clientes?
A Mabe se preocupa muito com o desenho do produto para o consumidor final. Fazemos pesquisas de mercado para entendermos o que o consumidor brasileiro está procurando, por isso sabemos que ele gosta de estética, de facilidade para limpar e que a performance do produto seja adequada às suas necessidades. Fazendo pesquisas, criamos produtos especificos para o mercado brasileiro, como a linha Imagination da GE, com desenho especial e destinado aos brasileiros. E tivemos sucesso imediato – essa linha também foi lançada no México e obteve sucesso, mostrando que a estética brasileira é bem aceita em outros países. Planejamos lançar uma lavadora com design brasileiro, pois o mercado nacional consome cinco milhões de lavadoras por ano, mas a metade são tanquinhos. Precisamos entender que um consumidor de tanquinho está tentando virar um consumidor de lavadora automática e temos de oferecer algo que atue nessa virada: um produto grande, mas que tenha um sistema próximo ao do tanquinho e com melhor relação custo X benefício.
Como é a segmentação do cliente final das marcas Dako, GE e Mabe?
Com a Dako, encontramos uma marca pronta, cujo apelo é voltado para o segmento da população que está entrando no mercado. Hoje, a Dako é a marca mais reconhecida do País em fogões. Por isso, temos mantido esse posicionamento e nossa comunicação é simples, trata-se de um produto para quem está começando a sua vida profissional, de casado, significa a conquista de objetivo para este consumidor. Para a marca Mabe, já entramos com um pouco mais de sofisticação. É um cliente que está procurando estilo, características especiais, um produto com vida longa e não perca a atualidade rapidamente. É um produto ousado e glamoroso, com custo menor que os de marcas estrangeiras. Gostamos de falar que a Mabe é a marca das pessoas jovens, uma mulher de 25 a 35 anos que faz muitas coisas na vida. O eletrodoméstico vai dar satisfação à ela ao simplificar sua vida sem ter de pagar muito por isso. Já a marca GE gera relacionamento de longo prazo, é uma marca muito conhecida, específica, que reflete o sucesso de alguém que já chegou numa posição social de prestígio e tem mais de 35 anos.
E dos varejistas?
Temos o varejista tradicional, que possui um monte de lojas. Negociamos com elas para comprarem os nossos produtos, colocarem em suas lojas, venderem e ganhar dinheiro, as duas partes, se possível. Há também os regionais, que só são conhecidos em uma determinada região do Brasil, mas não concorrem com os maiores. E os clientes especializados, por exemplo, os cozinheiros, para os quais temos de oferecer uma solução diferente, mais específica.
Qual das três marcas tem maior lucratividade?
As três. Essa é uma pergunta muito complicada. É como perguntar o que é mais importante: a perna, o tornozelo ou o joelho? Construimos uma em cima da outra. Precisamos da Dako para ter quantidade de produtos e uma fábrica funcionando com eficiência; da Mabe para ter um pouco mais de apelo ao consumidor e criar um pouco mais de valor; e da GE para transmitir nosso grande conhecimento tecnológico.
Como funciona o pós-venda da empresa?
Todos os produtos têm um número telefônico. Caso haja qualquer problema, o cliente liga e nós passamos o contato do atendimento da oficina mais próxima. A Mabe tem um sistema de atendimento com 500 PAs no País. O sistema é terceirizado e temos algumas ideias para melhorar os nossos serviços de atendimento, como, por exemplo, aumentar a quantidade de postos próprios numa cidade-chave para nós.
Quais são os principais temas abordados nas ligações?
A maioria das ligações é para tentar entender como o produto funciona. Na verdade, consideramos isso uma falha, pois, se o produto não consegue se auto-explicar para o consumidor, significa que nós não fomos suficientemente bons para colocar tudo no design. Então, a dúvida pode ser resolvida por telefone. Mas, infelizmente, nossos produtos têm algumas falhas que podem ser causadas pelo transporte. Nestes casos, o consumidor procura uma assistência rápida.
O callcenter é usado para a satisfação do cliente com os produtos?
Temos uma estatística de todas as causas da ligação, desde “Desculpe, foi engano”, até “Eu não estou entendendo o produto”. Isso é colocado na hora de desenhar novos produtos e na atualização das linhas.
No relacionamento com o cliente final, qual o papel do projeto Multimulher?
Sabemos que o comprador da linha branca, independentemente de quem pague, é uma mulher. E nosso produto já tinha um apelo muito grande para as consumidoras, mas ainda era necessário algo que fosse especialmente atrativo para as mulheres comprarem. Olhamos para os produtos, vimos as suas características e nos perguntamos o que uma mulher estaria precisando hoje. Buscando como a mulher poderia ter uma vida melhor, pensamos que se déssemos a ela seis horas a mais por semana em sua vida seria um bom apelo. E descobrimos que as mulheres não têm mais tempo porque elas fazem muitas coisas. Com isso, tivemos a ideia de homenagear as mulheres que fazem de tudo e querem comprar um produto nosso para ajudá-las a descomplicar sua vida. Assim nasceu a ideia da Multimulher, com a Malu Mader como garota propaganda, uma escolha espetacular.
Quais as expectativas para 2009?
Eu sou muito otimista e estou em uma empresa que me permite ser otimista. Nós temos dados de como foi o fechamento de 2008 – o último trimestre de 2008 foi o pior da linha branca. O primeiro trimestre de 2009 já foi um pouco melhor. Estamos um pouco otimista porque nossos produtos estão girando.
Qual foi a queda no último trimestre de 2008?
O mercado teve uma queda de quase 20% em valores, em sell out, ou seja, os nossos varejistas não estavam vendendo e tentaram reduzir os estoques, nos atingindo diretamente. Consequentemente, o setor teve de parar fábricas, demitir pessoas. Na Mabe não houve demissão porque estamos crescendo tanto que uma crise externa refletiu em estabilidade interna. Não declinamos, apenas estabilizamos. Este trimestre começou um pouco melhor. Estamos vendendo um pouco mais. A Mabe está melhor do que outras empresas dessa indústria, porque estávamos muito mais preparados para se dar bem em uma crise. Primeiro, porque do total dos nossos negócios, apenas 1/3 estão nos EUA, temos 1/3 no restante da América do Norte e Caribe, e 1/3 na América do Sul. E a América do Sul não foi muito afetada, comparada ao resto do mundo. Com o Brasil liderando, é uma das regiões em que a crise ainda não bateu pesado.
Com a crise, o Brasil ajudou a empresa globalmente?
O Brasil está ocupando uma posição muito importante para a marca. A Mabe foi muito bem-sucedida ao entrar no Brasil em 2003. O crescimento da empresa dentro do País tem sido espetacular e hoje estamos muito bem colocados para aguentar uma crise.
 
IMPOSTOS
As complexidades tropicais
Política tributária brasileira, por duas vezes, impediu que Mabe lançasse novos produtos
A política tributária brasileira não foi de boas-vindas para a Mabe. A isenção de impostos sobre lavadoras acima de 10 kg fez a empresa trazer ao mercado brasileiro os produtos de 10,1kg, 11 kg e 12 kg. Com a entrada dos produtos, Mendizábal afirma que a concorrência tomou dois sentidos: uns buscaram a tecnologia para lançar produtos similares no mercado; outros optaram pela influência política para mudar a política de impostos, passando a isenção a valer somente para as máquinas com mais de 15 kg. “A Mabe aceitou o desafio”, afirma. Após nove meses e R$ 20 milhões investidos, a empresa lançou um produto de 15,1 kg. Mas novamente, viu o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) saltar de 0% para 20%. A Receita Federal, de acordo com a revista Exame (edição 925 – de 20 de abril de 2008), alega que as mudanças vieram em decorrência da deturpação da Lei pelos fabricantes, já que as máquinas grandes eram isentas por serem destinadas ao uso industrial. Mendizábal diz que tentou buscar ajuda com pessoas do governo que reconheceram o problema, mas não puderam ajudar. Essa luta, que se estende desde 2006, foi minimizada com o impacto causado pela crise.
 
LUXO
GE Monogram
A confiança da Mabe no mercado brasileiro e na posição diferenciada deste frente à crise mundial levou a empresa a fazer uma aposta luxuosa: o lançamento da linha GE Monogram no Brasil, visando clientes da classe AAA. “Apesar das condições econômicas desafiadoras do mercado, apostamos no potencial de nossos produtos e no poder de consumo deste público”, afirma Mendizábal. Para atender a exigência destes consumidores, a empresa reestruturou o setor de vendas e está trabalhando em uma rede de atendimento exclusiva.

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