A pesquisa do elogio



É muito comum as empresas utilizarem pesquisas como instrumento para avaliar como anda a percepção de qualidade dos serviços prestados. Não restam dúvidas de que se trata de um procedimento saudável e corajoso a exposição direta ao mercado. Pena que boa parte delas é baseada em cenários com vícios.
Como assim?  Perguntar-me-á o leitor ou leitora.  Simples. Pergunto a você qual o resultado mais importante e para o qual se deve prestar mais atenção? O elogio ou a reclamação?
O elogio é importante, sem dúvida. Mostra-nos que estamos no caminho certo e nos estimula a manter e, se possível, melhorar ainda mais. Por outro lado, a reclamação nos mostra que precisamos corrigir procedimentos e consertar algumas coisas. Devemos agradecer ao cliente pela consideração do aviso, mesmo que seja um desabafo.
O vício ao qual me referi parte do nome que se dá a estas pesquisas: a velha conhecida “Pesquisa de Satisfação”.  Talvez pela soberba, talvez pela falta de preparo, resolveu-se assumir que a pesquisa é para constatar a satisfação do cliente.  A neurolínguística, mesmo com as restrições que eu e alguns possamos fazer, tem aspectos interessantes em sua conceituação. Um deles aborda a questão que dizemos aquilo que realmente gostaríamos – ou acreditamos – que fosse verdade ou que acontecesse. Neste nosso caso, deu-se este nome porque talvez se acredite ou se queira muito que os clientes estejam, de fato, satisfeitos. Incrível é que onde a pesquisa é mais usada são em ramos onde no geral existe maior insatisfação. O que de fato estas empresas estão buscando com as pesquisas? Resolver as questões, ou simplesmente buscar argumentos para campanhas publicitárias?
Imagino que o nome adequado seria “Pesquisa de Insatisfação” onde o objetivo seria descobrir quem são e com que estão insatisfeitos os nossos clientes, para poder corrigir e trazer de volta aqueles que estão a ponto de abandonar-nos.
É muito comum receber ligações onde normalmente a agente de um serviço de telemarketing ativo contratado pergunta: “Senhor, somos de uma empresa de pesquisas e gostaria de saber do senhor o nível de satisfação como nosso cliente”. Isso aconteceu comigo, com uma operadora de telefonia celular. “E gostaria de fazer-lhe algumas perguntas”, emendou a agente. “Ótimo”, respondi, “no entanto, lhe adianto que acho o serviço péssimo”. Coincidentemente, eu estava atravessando um período de problemas contínuos com esta operadora sem nenhum tipo de perspectiva de solução.  Quando comecei a responder as perguntas e informar minha opinião, que não era obviamente nada boa, o que aconteceu? A ligação caiu.
Coincidência, dirá você! Poderia acreditar nisso. No entanto, o descontrole é tal que me ligaram de novo. E aconteceu a mesma coisa. E de novo…
A mesma operadora de telefonia móvel tem um procedimento onde, a cada final de ligação, solicita a opinião sobre o atendimento. Ora, é empáfia ou incompetência acreditar que isso serve para alguma coisa, além de capturar alguns elogios. Mas me arrisco a dizer qual é esse objetivo. A pesquisa do elogio. No final de tal pesquisa, tem-se um resultado positivo. “A maioria de nossos clientes está entre satisfeita e muito satisfeita”. Será? A quem será que estão enganando?
Não adianta você responder que não está satisfeito. O outro lado não respeita. “Estou fazendo o meu trabalho e o senhor não está me respeitando”, me disse uma vez uma agente de um jornal que fazia uma pesquisa sobre o porquê de eu não assinar o jornal, já tendo sido assinante por vários anos. Ora, eu disse que não iria assinar pelos problemas que tive no passado, e que se ela tivesse interesse, poderia verificar nos históricos da central de atendimento.
A pesquisa não deveria ser de satisfação nem de insatisfação, mas simplesmente de opinião, de situação com o objetivo claro de saber o que o cliente sente e procurar reagir quando a resposta não for aquela que desejaria ouvir.
Talvez mais coragem do que se expor ao mercado terá a empresa que apresentar publicamente a resposta, anunciar providências, melhorar, fazer nova pesquisa e mostrar o resultado. Esta, sim, poderá chamar para si a posição de liderança.

Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP

 


 

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