Agora já não há mais dúvida de que apenas o inflexível crivo do mercado é que vai ditar a velocidade e o andamento. Porque o mobile banking, modelo de relacionamento com clientes que permitirá aos bancos expandirem vertiginosamente seus terminais de auto-atendimento através de dispositivos móveis – notadamente o celular – já é uma realidade. Durante a Conference ClienteSA realizada em São Paulo no último dia 20 – A Revolução do Modelo de Negócio Mobile Banking – Gestão de Serviços e Segurança Financeira na Palma da Mão -, empresários e executivos puderam debater as evidências: já existe robutez tecnológica e estratégica para atender a uma demanda potencial de 90 milhões de celulares ativos no País, bem mais que os cerca de 22 milhões de usuários que representam o bem-sucedido internet banking.
“O mobile banking (m-Banking) traduz a forte estratégia de estar sempre ao lado do cliente”, afirmou em sua palestra Raul Francisco Moreira, gerente executivo de Canais Eletrônicos do Banco do Brasil, instituição que largou na frente e já realizou a integração da sua rede de auto-atendimento com todas as operadoras de telefonia celular do País. Aportando com fôlego renovado na chamada terceira onda do relacionamento bancário, entre os fatores que levaram a instituição a apostar nessa estratégia de mobilidade está a expansão dos celulares, inclusive e principalmente por sua penetração nas camadas sociais de menor renda. “Além disso, fomos impulsionados pelo avanço das novas tecnologias móveis e pela possibilidade de canais de auto-serviço com baixo custo e segurança alta”, afirmou.
Urgência e circunstância – Exibindo um filme publicitário – baseado no caso real de um executivo que pôde realizar operações bancárias pelo celular de dentro de um barco em plena floresta Amazônica (e que fará parte da campanha de massificação da instituição sobre o m-Banking este ano) -, Moreira assegurou que entre as principais ações do BB em torno do novo modelo de negócio está a implantação de uma plataforma completa de soluções de mobilidade. “Somos o primeiro banco a deter expertise nas três tecnologias simultaneamente – GSM, Brew e WAP
Hoje, 80% dos correntistas do banco usam o dispositivo móvel apenas para consultas, embora para os clientes com celulares GSM ou CDMA – que possuem as tecnologias WAP2, SIM Brownsing e Brew – já tenham acesso a extratos, saldos das contas, transferências, pagamentos de títulos e convênios, DOC, doações, recarga de pré-pagos, empréstimos e algumas modalidades de investimentos. “Estamos hoje para o m-Banking como estávamos em 2000 para a internet, ou seja, a fase é a de vencer as barreiras culturais, e este modelo vai ultrapassá-las”, analisa Moreira, fazendo entretanto uma ressalva: “Não se pode simplesmente migrar da internet para o celular. Jamais serão iguais. O mobile banking vai ser usado dentro de uma necessidade específica. Uma combinação de urgência e circunstância. Porque o internet banking será sempre mais completo”.
Concordando com essa afirmação, Ricardo Perretti, gerente de Soluções Eletrônicas do BankBoston, por sua vez, deixou patente que a incursão do sistema financeiro na lógica da mobilidade não visa operar uma substituição pura e simples do modelo de auto-atendimento via web. “O objetivo do mobile banking é atender às contingências do executivo em trânsito, para que ele não tenha de recorrer às alternativas do cybercafé, entre outras”. Por isso, a estratégia do BankBoston, segundo ele, não é partir para a massificação desse modelo. “Não se trata de solução dirigida a toda nossa base de clientes. Temos como público-alvo os executivos”.
Exibindo o minilaptop criado na parceria com a Nokia, a mídia do BankBoston que suporta os serviços financeiros móveis, Perretti afirmou que o objetivo é disponibilizar o que o cliente necessita, quando e onde estiver, da forma mais conveniente. “Tratam-se, na verdade, de problemas que se transformam agora
Entre as soluções encontradas pelo BankBoston para atender a essas necessidades dos clientes, o executivo detalhou o case premiado do banco no CIAB 2006, na categoria e-Finance. Este incluía a integração da instituição com o ERP do cliente para envio das informações de pagamento utilizando a tecnologia XML, em real time, com segurança do certificado digital de forma totalmente automatizada. Além disso, apresentou a solução de m-Banking para pessoas jurídicas que permite fazer autorizações de pagamento em qualquer lugar utilizando a rede de dados. E de forma exultante indicou sua visão de futuro para a mobilidade no auto-atendimento: “Se hoje existe um celular ativo para cada duas pessoas, em breve haverá dois celulares para cada pessoa. Um para uso particular e outro comercial”.
O avanço das parcerias – Do lado das operadoras de telefonia celular, falando em nome da Claro, da qual é gerente de Marketing VAS, Germano di Polto declarou que, como acredita que o m-Banking vai crescer sem freadas a partir deste ano, estão sendo intensificadas as parcerias. Além dos acordos estratégicos com instituições financeiras e integradores de soluções, a empresa está na fase de incrementar os passos tecnológicos. Entre as próximas ações da Claro que favorecerão esse florescente mercado estão a ampliação do WAP 1.0 e 2.0, os SIM Cards com chaves dos bancos, a conclusão de parceria para aplicativos em Java e o incremento da base de aparelhos com WAP 2.0 e Java.
Fazendo um resumo das tecnologias para m-Banking disponíveis pela operadora, Germano di Polto mostrou que, enquanto os aparelhos compatíveis com WAP 1.0 permitem acesso aos saldos, últimos lançamentos, consultas de aplicações e telefones úteis, os compatíveis com WAP 2.0, Java (J2ME) e toda a base da Claro – desde que possua o chip de 64 kb v003 – poderão também efetuar pagamentos, transferências, DOC’s, aplicações, etc.
Já Fábio Portugal Cunha, gerente de Ofertas Corporativas da Telemar/Oi, manifestou seu otimismo em torno do m-Banking, elencando fatores positivos que deverão alavancar o novo modelo. Para ele, há menor barreira cultural para disseminação do auto-atendimento móvel, pois “é mais fácil aprender a usar no celular do que no micro”. Cita, ainda a maior diversidade de dispositivos móveis, as facilidades de plataformas com muita capilaridade em nível nacional e as novas tecnologias de mobilidade. “Estas possibilitam o desenvolvimento de aplicações com alto nível de segurança. Não apenas para consultas às informações bancárias, mas mesmo para a realização de transações financeiras”.
A entrada da Oi com sucesso na cultura da mobilidade foi mencionada por Fábio Portugal como elemento fundamentador desse otimismo. “Nossa empresa introduziu a tecnologia de GSM no País, tratando-se do caso mais bem-sucedido em todo o mundo. Mais de 1,3 milhão de usuários em menos de seis meses”. E o executivo credita às próprias instituições financeiras essa arrancada definitiva rumo ao auto-atendimento móvel. “São elas que fazem essa roda girar. Cabe à operadora apenas prover o acesso e, às integradoras, buscarem as soluções”, concluiu.
O celular-carteira – Compondo, juntamente com as instituições financeiras e as operadoras, o tripé fundamental do mobile banking, as desenvolvedoras de soluções estão seriamente envolvidas no processo de aceleração da base para a transformação de dispositivos móveis em terminais de auto-atendimento bancário. Ann Williams, diretora-geral da Okto, corrobora com a evidência de que os bancos devem contemplar de vez o novo modelo em suas estratégias. E afirma que, para isso, é necessário que se compreenda o ambiente altamente complexo que envolve a criação do m-Banking. “Afinal – diz ela -, trata-se de um universo que engloba uma dezena de operadoras, diferentes padrões tecnológicos (GSM e CDMA), distintas plataformas (WAP, WIB, SMS, MMS) e uma gama de terminais”.
A Okto, empresa que foi nacionalizada há cerca de três anos e que atua como provedora de soluções tecnológicas, de mobilidade e de Inteligência de Mercado, segundo a executiva, se debruça agora também na produção de meios integradores para e-Cash, solução de autorização de pagamentos para operadoras de cartão de crédito. “Essa é uma estratégia a ser adotada na esteira do m-Banking e que precisa ser muito bem pensada”, acrescentou.
Uma pesquisa da Accenture – outra das integradoras participantes do evento -, mostra que os bancos terão de expandir sua capacidade de distribuição para atingir as metas de crescimento. “Para isso, é preciso fazer um mix dos canais – agência, callcenter, internet e celular”, comentou Daniel Levites, que fez sua apresentação ao lado de Alexandre Hirohashi, ambos na função de senior manager da Accenture. A ressalva levantada pelos executivos foi a seguinte: apesar de os dispositivos móveis ganharem cada vez mais importância nessa estratégia multicanal, a tecnologia está sempre à frente na habilidade de explorá-la para criação de valor. “Na Accenture – emendou Daniel -, a orientação é pensar grande, mas começar pequeno e evoluir sempre. É o que vai acontecer no segmento mobilidade”.
Para o executivo, o cenário do m-Banking já é o de uma realidade irrefreável. Os serviços de envio de mensagens SMS, diz ele, são apenas o primeiro passo para motivar as proposições de valor desse novo modelo. “Na Europa há exemplos de instituições financeiras que já avançaram no segundo estágio do m-Banking, expandindo sua proposta de valor para o cliente, e os bancos brasileiros estão nesse mesmo caminho. E asseverou que, no seu entender, não só o m-Banking, mas também outra modalidade igualmente importante que é o m-Payment, tanto de empresa para cliente quanto entre as próprias pessoas físicas. “Discute-se aqui, e até no Japão, a possibilidade de o celular se transformar na tradicional carteira de bolso do consumidor. Ali estarão seu dinheiro, seus cartões de crédito, de débito, etc”.
Já Marco Garib, CEO da EverSystem, permeou sua análise sobre as alternativas que tornam possível o auto-atendimento móvel com a apresentação da empresa recentemente criada em seu grupo, a EverMobile. “Uma organização orientada para a comercialização de soluções, produtos e serviços de valor adicionado para uma completa gama de tecnologias e dispositivos wireless”. Entre os benefícios do m-Banking para as instituições financeiras, Garib listou a positiva imagem corporativa, “fees on mobile services”, aquisição e retenção de usuários, cross-sellling, redução de custos e de fraudes, entre outros. E, para os consumidores, ele acredita que as vantagens estão não só na conveniência e na segurança, mas também na bancarização da sociedade e na própria inclusão digital.
Crimes cibernéticos – Nos panéis que abordaram os aspectos de segurança da informação, houve consenso em torno dos riscos menores de crimes cibernéticos nos celulares, em comparação do que ocorre na internet. Primeiro porque os dispositivos móveis ainda não são atrativos aos criminosos, já que ainda são mais utilizados para consulta do que para transações. Outro ponto diz respeito à complexidade tecnológica em que se constitui a diversidade de sistemas e plataformas envolvendo essa mídia.
O mundo de proteção dentro do celular seria melhor para evitar ações de phishing (tentativa de invasão através de mensagens aparentemente confiáveis em spans ou emails) e dos ataques de botnets (acrônimo de robot networks). Conforme explicou o diretor do Serviço de Perícias em Informática da Polícia Federal, Paulo Quintiliano, tratam-se de robôs que ficam “fuçando” na rede à procura de máquinas desprotegidas. Quando conseguem invadir, dominam completamente esse meio e se espalham por uma rede de milhares de computadores. Se isso vai ser possível nos dispositivos móveis, ainda não se sabe.
Outro consenso se deu, no âmbito da segurança das informações, no que concerne à atuação da imprensa. Segundo os presentes, houve um alarde exagerado da mídia em relação aos riscos dos consumidores nas transações financeiras via web, o que deveria ser evitado nesse alvorecer dos serviços financeiros em dispositivos móveis. De qualquer forma, Eduardo Thuler, gerente de TI da Open Communications Security, por exemplo, afirmou que o aprendizado com o i-Banking permite um começo ainda mais seguro e confiável para o m-Banking. Entre as recomendações feitas pelo executivo, estão a realização de criptografia das informações desde o início do tráfego e o uso de regras restritivas por canal. “As estratégias antivírus não funcionaram no desktop/internet banking e, logicamente, não serão funcionais no auto-atendimento móvel”.
Já Paulo Perez, gerente de Consultoria em Segurança da Lucent Technologies, indagou: em termos de segurança da informação, qual seria a diferença entre o auto-atendimento da primeira onda (caixas eletrônicos), a segunda onda (i-Banking) e a atual (m-Banking)? Segundo ele, a resposta pode estar no fato óbvio de que é mais fácil roubar um celular do que um ATM ou um computador. “O dispositivo móvel não permite identificar nenhum endereço fixo. Tudo seria mais clonável. Por isso, o m-Banking exige muito mais cuidado na segurança”, ponderou.
Os aspectos a serem invariavelmente considerados, do ponto de vista do executivo, são o controle de acesso, integridade, disponibilidade (garantir que o serviço seja acessível), autenticidade (“será que esse usuário é quem ele diz ser?”), confidencialidade (“como garantir a rastreabilidade?”) e o não-repúdio (a negação do dono da mensagem ou da transação feita). Acrescentando que a segurança “tem que ser tratada em todas as possíveis camadas, do dispositivo às aplicações”, arrematou: “O usuário tem de ser parte das soluções, conscientizando-se sobre todos os aspectos da segurança. Assim como os processos e as metodologias devem ser continuamente revisados”.
Por sua vez, Fernando Nery, sócio-diretor da Modulo Security, comentou que, se de um lado os processos de pagamentos e o acesso para relacionamento através dos dispositivos móveis são simples, a retaguarda para isso é muito complexa. Sua empresa fez um levantamento da várias opções e possibilidades de os hackers atacarem os celulares, e chegou-se a 44 tipos de ameaças. “É preciso que se diminua o risco operacional, caso contrário os bancos colocarão menos dinheiro no mercado, já que teriam que aportar capital para compensar o risco. A segurança da informação, então, tem que estar sob o chapéu do risco operacional. O que antes era desafio técnico – no i-Banking -, agora se tornou desafio de regulamentação. Por último, é preciso que usuário, TI e segurança falem a mesma linguagem, senão ninguém vai-se entender”, alertou.
“Tudo isso porque o brasileiro é extremamente criativo. Para o bem e, infelizmente, também para o mal”, afirmou por seu turno a advogada Juliana Abrusio, sócia do escritório Opiceblum, discorrendo sobre as dificuldades de se acompanhar o crescimento da criminalidade cibernética. “O nosso código civil ainda é o da década de 1930. Nos Estados Unidos, uma pessoa foi condenada à prisão por 9 anos simplesmente porque se apoderou de senhas. No Brasil essa pena seria muito menor. E concluiu explicando que os dilemas jurídicos que atravessarão a jornada do m-Banking serão os mesmos da web. A dificuldade de se chegar à autoria do crime detectado, por causa da falta do equilíbrio entre privacidade e anonimato.