A vez da era da transparência



Há 15 anos Don Peppers e Martha Rogers se tornaram celebridades do mundo dos negócios após escreverem a bíblia da gestão de cliente, “Marketing One to One”, que foi traduzido em 17 idiomas.  Com base na metodologia 1to1, Don e Martha criaram a consultoria Peppers & Rogers Group, que se transformou em referência em estratégia e gestão de clientes. Em Entrevista Exclusiva à Revista ClienteSA, Don Peppers fala sobre novas estratégias de relacionamento com cliente com o advento, agora, das indomináveis redes sociais. Para ele, o mundo está entrando na Era da Transparência, proporcionado pela internet como um meio cada vez mais colaborativo. Às empresas resta se adaptarem a essa nova realidade e cuidar da marca com esforço para ser reconhecida em atributos como honestidade e transparência  frente ao cliente. Nesse cenário, o mundo do business também precisa procurar seu papel. “A web não é feita para consumidores falarem com empresas. Cada vez mais, é feita para ligar pessoas. O mundo dos negócios não tem papel nessa conversa”, justifica. Para o guru, somente grandes marcas, como Nike e Apple, conseguiram atuar com destreza nas redes sociais. Mas para as que não são ícones, Peppers dá a dica: comece ouvindo o cliente. Ele é categórico ao afirmar que empresas que usarem as redes sociais somente para vender irão fracassar.

Don Peppers falou à ClienteSA durante período que passou no  Brasil para visitar o escritório da América Latina, situado em São Paulo e dirigida pelo empresário Weslyeh Mohriak, presidente da Peppers & Rogers Group Latin America e Ibéria. Ele revela as dicas que dá aos seus clientes: fazer a lição de casa – oferecer uma experiência positiva para os clientes – para então entrar nas redes sociais, sempre do lado de quem escuta. “Você ouve, aprende e transforma esse aprendizado em processos de melhorias. Até que a sua marca se torne um ícone e as pessoas falem bem de você espontaneamente”, afirma.

Ao longo da sua carreira, quais são as principais mudanças que o sr. identifica na gestão de cliente?
Lançamos nosso primeiro livro em 1993, um ano antes da chegada da web e tentamos imaginar como seria a vida depois disso. Acho que nossas suposições deram certo, porque nosso livro se tornou muito popular. Assim começou a revolução do CRM nas companhias. Desde então, o CRM passou por altos e baixos, durante os anos 90 e o início desta década houve muita falha porque muitas companhias adotaram CRM, mas não mudaram os processos do negócio, a cultura, o jeito de gerir seus colaboradores e suas métricas de sucesso. Nós costumamos dizer aos nossos clientes: “você não pode instalar o relacionamento, se não adaptar esse relacionamento”. Hoje, o CRM faz parte do marketing estratégico.  Eu não conheço nenhuma empresa que não tenha algum tipo de ferramenta de CRM. Elas precisam ter isso se tiverem um website, um callcenter ou um time de vendas. Além disso, hoje passamos por uma revolução substancial que são as mídias sociais.

Como essas mudanças estão acontecendo dentro das empresas, o que estão fazendo para se adaptar às mídias sociais e o que ainda precisam fazer?
As redes sociais estão trazendo muitas mudanças. Mas são redes sociais e não redes corporativas, elas não podem ser vistas como um canal para se fazer marketing, nem como um espaço para buscar oportunidades de vendas. As companhias que usam as ferramentas das mídias sociais para vender produtos estão cometendo um erro. Esses dispositivos devem ser usados para ouvir os clientes; somente depois que a empresa adquirir maturidade no cyberspace é que poderá começar a passar informações sobre a marca, agir de forma mais ativa. Mas as empresas também devem ficar atentas às redes sociais, para que os problemas e reclamações não sejam encaminhados para o callcenter. Companhias realmente boas estão fazendo isso, como a operadora de TV a cabo norte-americana, Comcast. Ela tinha uma reputação terrível por causa do atendimento ao cliente. Recentemente, contratou cinco pessoas para acompanhar o Twitter, blogs e procurar informações negativas sobre a TV. Hoje, se você faz alguma reclamação ou problema da Comcast no Twitter, eles mandam uma resposta pessoal dizendo “Pedimos desculpas pelo problema. Este é o meu e-mail, se você quiser me escreva para conversarmos sobre isso. Nós podemos lhe ajudar”. Para mim, essa é a forma correta de usar as redes sociais, usar para ouvir e responder o cliente, atendendo o problema.

Mas as empresas tem entendido as redes sociais dessa forma?
Não, elas entendem as redes como um meio de fazer marketing. Mas também vemos algumas empresas, grandes marcas, como Nike e Apple que se tornaram ícones, e com eles, muitos fãs no Twitter e no Facebook. E são os próprios clientes que alimentam as redes.

Qual o seu conselho para qualquer empresa chegar ao mesmo nível de marcas ícones?
Se a companhia quer apostar nas redes sociais para vender, deve começar escutando e envolvendo os consumidores nas conversas. A melhor forma de participar das redes sociais é ficar no lado receptivo, escutando o cliente, criando e envolvendo-o numa conversa, para, somente então e ao longo do tempo, participar de forma mais ativa. Quando isso acontecer, os próprios consumidores passarão a vender os produtos da empresa. Os clientes não querem falar com companhias, mas sim com outros consumidores. Pessoas querem falar com pessoas. Outra dificuldade de lidar com as redes sociais é a imprevisibilidade. É impossível prever o que irá acontecer nessas redes, ninguém pode dizer, com certeza, quem será a pessoa mais influente destes grupos. Podemos afirmar que existirão pessoas mais influentes, mas é impossível dizer quem é. Um cliente pode expor um ponto de vista, uma crítica e outras pessoas concordarem com ele. E isso pode sair do controle, por causa dos efeitos dessas redes. As opiniões dos clientes no Twitter, Facebook ou MySpace são imprevisíveis. A melhor defesa da empresa nas redes sociais é cultivar a sua reputação, de maneira correta, honesta e transmitindo confiança.

Há uma discussão sobre o poder dos callcenters, como núcleo do atendimento ao cliente nas empresas. Como o senhor avalia essa discussão?
Os callcenters tem sua importância dentro das empresas. Já vemos companhias de venda direta transferindo atendentes do callcenter para a área de website, companhias aéreas, por exemplo, dão descontos especiais apenas via internet. Eu não estou certo se as redes sociais por si só terão efeito nos callcenters. E tenho alguns problemas com o modo como as empresas estão reduzindo esses custos. Muitas empresas colocam robôs para fazer o atendimento – aqueles que falam “tecle 1 para o atendimento, 2 para reclamação etc” –  por motivos errados e acabam tendo muitos problemas. Podem até resolver seus problemas financeiros, mas vão piorar o relacionamento, que é a área que realmente agrega valor à marca.

Em alguns artigos, o senhor fala sobre a web 3.0. Já estamos vivendo essa realidade hoje?
Eu tenho ouvido algumas pessoas falarem de web 2.0, 2.5, 3.0. Não importa o nome, mas o fato de que a web não é feita para consumidores falarem com empresas. Mas, cada vez mais, é feita para ligar pessoas, pessoas produzindo conteúdo para outras pessoas. O mundo dos negócios não tem papel nessa conversa, às vezes pode ser o motivo da conversa, mas, raramente, é um dos participantes da conversa. Independente do nome, esse movimento já existe. Algumas estatísticas incríveis da internet demonstram isso. Por exemplo, nos Estados Unidos, 1 em cada 8 casamento os noivos se conheceram pela internet. Meu próprio filho irá se casar com namorada que ele conheceu pelo Facebook. Essa revolução está acontecendo na forma como as pessoas vivem suas vidas. E as empresas não participam necessariamente disso, não são participantes naturais na interação entre as pessoas. O mundo empresarial precisa descobrir qual é o seu papel nas redes sociais. Para mim, a melhor forma das empresas começarem a buscar seu papel é se colocar como ouvintes.

Quais são as indicações para as empresas se adaptarem a este novo cenário?
Um ponto realmente importante das redes sociais é que as pessoas já começaram a perceber a importância da transparência e da honestidade, e ninguém quer manter relação de amizade com quem mente ou não fala toda a verdade. Nas redes sociais, alguma coisa que é falsa é denunciada rapidamente. O mundo está entrando na Era da Transparência e as empresas precisam estar preparada para isso. Por exemplo, as empresas devem permitir que as pessoas coloquem suas avaliações no site da empresa, independente se boa ou ruim. Os clientes vão procurar por essas informações em outros sites e vão encontrá-las de qualquer jeito. Então por que já não colocá-las em discussão no próprio site, mostrando a honestidade da empresa. Já está disponível o Google Sidewiki, uma ferramenta que permite que as pessoas escrevam e leiam comentários de outros internautas em qualquer site, independente da vontade do proprietário do site.

Como o sr. avalia a importância da inovação?
A inovação é mais importante hoje em dia por causa da velocidade crescente das mudanças. As mudanças tecnológicas acontecem de forma acelerada em nossas vidas. Estamos inovando o processo e, neste contexto, as empresas tem de ser inovadora para sobreviver. As companhias devem pensar da seguinte maneira: inovação é um processo de criação. Então, a empresa precisa ter muita criatividade. Mas, criatividade é uma coisa difícil para muitas companhias, porque elas constroem ao seu redor projetos estáveis e invariáveis.  Inovação e criatividade estão relacionadas a dar chances a experimentos. A empresa pode fazer dez tentativas e falhar em todas, mas, pode ser que, se fizer mais duas tentativas chegará a um sucesso incrível. A inovação pode trazer falhas e as empresas precisam adquirir a capacidade de admitir fracassos. A Apple, por exemplo, antes de criar o Macintosh, desenvolveu um computador chamando Lisa, que foi um imenso fracasso; da mesma forma, antes do Ipod veio o Newton, que também não deu certo. A Apple leva a inovação a sério, experimenta constantemente. A chave para haver inovação é ter confiança e uma cultura corporativa que permita a divergência de ideias e falhas. Quanto mais fracassos a empresa tiver, mais próxima ela poderá estar do sucesso.

Nestes 15 anos, quais foram os grandes acertos e erros que o senhor viu as empresas cometerem na área de gestão de cliente?
Em 15 anos tenho muitos exemplos, bons e maus. Vou começar pelos ruins. Em todos os lugares por onde passo, vejo muitas empresas que compram novos softwares para acompanhar e analisar seus clientes, mas por motivações erradas. Essas ferramentas devem ser instaladas para facilitar a vida do cliente, para oferecer produtos mais baratos, entrega mais rápida e adequar os produtos às necessidades dos clientes, ou seja, agregar mais valor ao que é ofertado. Se a empresa fizer isso, ela vai vender mais. Mas se ela colocar o software só para vender, sem pensar o lado do cliente, ela vai fracassar. Por exemplo, as empresas de cartões de crédito ou os bancos de empréstimos, os seus principais clientes são pessoas instáveis financeiramente, que pegam empréstimos constantemente e pagam juros altos para isso. Isso é um absurdo, pessoas instáveis financeiramente não são bons clientes. Outro exemplo são as companhias de telefonia celular. Somente a operadora sabe qual é o melhor plano para os seus clientes. Mas, mesmo se a pessoa estiver pagando a mais, a operadora não vai ligar falando isso e dizer que tem um plano mais barato. São empresas que fazem dinheiro com a área de cliente. Mas o mundo está ficando cada vez mais transparente, os clientes conversam mais entre si e essas empresas acabarão sendo descobertas e passarão a ser vistas como pouco confiáveis. Eu tenho um exemplo contrário, positivo. Eu compro cerca de dois livros por semana no site Amazon. Certa vez, fui comprar um e quando já estava terminando de efetuar a compra, o site deu um aviso, dizendo que eu já havia comprado aquele livro e se eu tinha certeza que queria comprá-lo novamente. Há uma lição muito importante nisso porque eles deixaram de ganhar dinheiro com aquele compra, mas agregaram muito mais valor porque conquistaram minha confiança. Esse é um bom exemplo de boa prática com CRM.

Quais foram as principais mudanças desde a popularização da internet?
Quando a web começou, as pessoas imaginaram que as empresas poderiam colocar suas marcas e sinais nos sites, que os internautas seriam persuadidos com a publicidade dos banners. Mas, para mim, a principal revolução tecnológica on-line começou há 10 anos, quando os consumidores passaram a ser mais independentes com as ferramentas de auto-atendimento. Hoje, facilmente compramos nossas passagens aéreas, pagamos nossas contas e várias outras coisas pela internet no estilo self-service. Esse modelo proporciona às pessoas adequarem essas tarefas do jeito que elas querem – e a internet realmente facilitou. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas as empresas, pelo menos nos EUA, estão fazendo bons trabalhos na área de auto-atendimento. A próxima revolução acontecerá com a conexão da internet em outros dispositivos, como nos celulares. Esse tipo de acesso será muito importante na nossa vida porque dará mais tempo e mais possibilidades de gastar nosso dinheiro sem os atritos comuns no comércio comum.

O senhor percebe diferença de cultura nas empresas situadas em continentes diferentes?
Essa é uma boa pergunta. Eu acho que existe muita diferença entre os países em termos de cultura empresarial e como as empresas fazem a gestão de clientes. Já os consumidores, eles são mais universais, todos querem os melhores serviços, personalizados e querem ser lembrados pelas empresas. São princípios universais, mas que aparecem de forma específica em cada cultura. Eu acho que os brasileiros são muito abertos para as novidades, possuem espírito empreendedor como os americanos, só que falam português.

A que se deve a sua visita ao Brasil?
Temos um escritório aqui, o Peppers & Rogers América Latina está baseada em São Paulo. Vim para ajudar os clientes a fazer um trabalho melhor na área de gestão de clientes, planejando os callcenters para serem mais eficientes e melhorar a experiência dos clientes. Grande parte dos problemas enfrentados pelas empresas é causada por questões técnicas e existem softwares que resolvem isso, mas não basta o software, as empresas também têm de mudar suas métricas e sua cultura.

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