2006, final de julho, seis e meia da tarde. Eu estava no Aeroporto de Congonhas para uma reunião e olhava melancolicamente para o grande espaço ocupado pelos balcões de check-in da Varig, freqüentado naquele momento apenas por moscas possivelmente atacadas pela mesma nostalgia. Ao lado, os balcões da TAM e da Gol bombando, com filas enormes e os inevitáveis overbookings.
Não havia como não me sentir triste, bem triste. Parte considerável dos meus últimos doze anos foram dedicados ao Programa Smiles. Ainda em 2002, trabalhei duro em um projeto de spin-off, a venda do Programa a um grupo de investidores, que certamente teria dado condições à empresa de renegociar suas dívidas em condições mais favoráveis e, provavelmente, levá-la a uma recuperação. Foram meses de trabalho simplesmente jogados no lixo por uma, mais uma, decisão esdrúxula da Fundação Rubem Berta.
A reunião terminou pouco antes das oito, pois meu interlocutor ia pegar um vôo de volta para o Rio. Que companhia? Gol, respondeu, com indisfarçável mau humor. A razão da revolta? O preço que estava pagando pela passagem. Segundo a visão dele, a Gol subira espetacularmente os preços, devido ao aumento da procura que se seguira à débâcle da Varig, mantendo no entanto o serviço espartano, quase amador, que sempre caracterizara a companhia.
Voltei para casa, formulando algumas questões que acredito possam interessar ao leitor. Parti da premissa de que os valores associados a uma marca resultam da construção de um vínculo inalienável de confiança entre a empresa que detém esta marca e o consumidor que consome os produtos ou serviços que a carregam. Ou seja, de um lado, existe a promessa, do outro, a expectativa. E na conjuntura atual da aviação civil brasileira, as promessas estão sendo cumpridas? Em minha visão, a resposta é sim, se analisarmos o caso TAM. E não, no caso da Gol.
O evento da compra de uma passagem aérea quase sempre esteve em um patamar acima da necessidade básica. Você escolhia voar de avião pela conveniência, pelo conforto, pelo prazer, pois sempre houve outras opções de se deslocar deste para aquele ponto geográfico. Na verdade, talvez tenha sido a primeira indústria a elevar esse patamar e transformar o evento da compra em teatro: o comandante, um ser quase mitológico, as aeromoças, o serviço de bordo, a bebida – os produtos servidos a bordo ganhavam quase instantaneamente status de produtos superiores, como foi o caso, por exemplo, do vinho Chateauneuf de Pape, cuja fama exagerada decorria certamente do fato de ser o vinho servido pela Varig em seus vôos internacionais.
A TAM nasceu exatamente quando esse glamour começava a desaparecer e os executivos já utilizavam os aviões como bens de primeira necessidade, voando não mais pela aventura ou pelo prazer, mas pelo fato de economizar tempo – e dinheiro. A genialidade do Comandante Rolim recuperou o teatro – o tapete vermelho, o piano da sala vip, etc. – a ponto de poder exercitar uma política de premium price na época em que começavam a crescer as chamadas low-fare low-cost companies. Southwest, JetBlue… Gol.
O problema é que agora, sem a Varig, em alta temporada, surgiu uma enorme janela de oportunidade para cobrar full-fare. O cliente TAM, além de acostumado a pagar premium, tem o programa de fidelidade. A promessa da marca está intacta. O cliente Gol, por outro lado, parece enxergar apenas a sua expectativa desatendida. A promessa foi quebrada? E o que acontecerá quando a conjuntura mudar?
Até a próxima.
Fernando Guimarães é diretor de marketing de relacionamento da AGS Brasil. ([email protected])