A preocupação era com o tempo do nosso entrevistado. O chileno Hermann Schwarz, há duas décadas entrava para uma das maiores e mais tradicionais fabricante de bens de consumo do planeta. Fundada no início do século XIX, mais precisamente em 1837, em Cincinnati, Estado de Ohio (EUA), a Procter & Gamble começou com a união dos negócios de James Procter e William Gamble, que fabricavam vela e sabão. Hoje, tem mais de 300 produtos e atende mais de cinco bilhões de consumidores em 140 países. Mas, diante da preocupação do jornalista, ele alerta: “Quando começo uma coisa, tento fazer bem e terminar bem. Não se preocupe com isso”.
No fundo ele espelha uma postura profissional com um conceito e estrutura corporativa que envolve perto de 100 mil funcionários e se transformou em uma das cinco companhias que estão na lista da revista Fortune desde sua fundação – há 50 anos. No Brasil há 15 anos, a P&G faturou mais de R$ 1 bilhão ano passado. Ela detém 23% do mercado de fraldas, entre 15 e 16% de sabão em pó, 20% de absorventes e o Hipoglós representa 60% do segmento. Ele avisa: Queremos nos desenvolver aqui por muitas décadas. Já caminhamos muito mas queremos fazer muito mais”, o que justifica seu argumento de que “a origem da companhia é americana, mas já nos transformamos em uma empresa global”.
Nesta Entrevista Exclusiva, que teve a companhia dos executivos Pedro Martins Silva, diretor de Relações Externas, e de Sylvia Weiss Chan, gerente, Hermann desfila conceitos, mostra estratégia, fala da estrutura para as reclamações e sugestões dos clientes fluírem dentro da companhia e se transformarem em ações, correções, revisão de processos, de produtos e até a geração de novos produtos. E história é o que não falta. Para justificar que a companhia tem foco no cliente, ele conta a estrutura organizacional, com suas unidades distintas e revela que foram investidos US$ 1,7 bilhões só em desenvolvimento e pesquisa de produtos novos, o que chega a quase 4% das vendas. Mais importante. Este valor inclui todas as portas abertas para se relacionar com clientes. Neste ponto ele é enfático: “Tem companhia ou pessoas que acham que tem muitos contatos por mês e faz esforço para reduzir os índices negativos. Eu gostaria que as reclamações aumentassem, que as consumidoras falassem mais comigo, gostaria de ter mais informação. Nós queremos ser a companhia que está em mais contato com os consumidores”.
Até para entrar na companhia ele foi estratégico. “Vi um anúncio no jornal El Mercurio, de maior circulação do Chile. Mas não era para mim; era para a área de finanças. Passei a um amigo e o ajudei a ingressar na companhia. Ele acabou me indicando e entrei em um processo de seleção com mais 300 candidatos e acabei sendo a primeira pessoa de marketing contratada para o Chile em 1974”, lembra. A carreira foi construída ao longo destes anos liderando projetos e unidades espalhadas por praticamente todos os países da América do Sul e alguns da América Central, visitando lares e pontos de vendas para entender o consumidor. Ele assumiu a unidade brasileira há três anos e tem muitas experiências acompanhando as clientes nos pontos de vendas. “É preciso ter humildade para aprender”, pontifica. Nesta Entrevista ele conta o que viu nos lares latino-americanos, as mudanças de hábito dos clientes, suas semelhanças e diferenças – e no que eles ajudaram a companhia. Uma aula prática de relacionamento.
Quem é o seu cliente?
Nosso cliente é todo brasileiro ou brasileira. É a definição da unidade de negócios que nós representamos. O território brasileiro e os consumidores que estão nele, incluindo não apenas as pessoas, mas os cachorros, os gatinhos para quem também temos produtos. Mas também gostamos de falar de shoppers, de consumidores, de consumidoras. Temos essa classificação porque satisfazer a necessidade das pessoas pode ser feito de vários pontos, em vários momentos.
O primeiro momento da verdade para nós é quando as pessoas pensam em adquirir um produto. Queremos que elas pensem em nossos produtos e tenham uma atitude positiva, principalmente sobre nossas marcas. Aí entra o conceito de branding, de construir imagens de marca, porque a associação é feita através das marcas e ícones que comercializamos. O primeiro momento da verdade é quando a pessoa compra. Gosto de pensar que esse é o processo mais democrático que existe no sentido que a pessoa tem total liberdade para escolher o que quer comprar. De 90 a 95% das compras de produtos de massa no Brasil são feitos em supermercados de auto-serviços.
Em outros países, onde a penetração de auto-serviços é de 10 a 15%, como no Peru, existe a intermediação de uma pessoa atrás de um balcão que, de alguma forma, influencia a compra. Para nós, é um momento onde avaliamos se estamos sendo uma opção melhor que a concorrência, levando a pessoa a escolher os nossos produtos. E, por isso, falamos que o consumidor é o chefe. Se nosso produto for escolhido, significa que fizemos um bom trabalho e que nosso bom trabalho foi retribuído com a compra. E essa compra gera os recursos para que essa operação funcione.
Como é o ciclo de avaliação do cliente?
Temos o segundo momento da verdade, que é quando a pessoa usa o produto. Aí existe uma dinâmica aonde ele avalia o produto, se está dentro de suas expectativas. Aí começa o processo de fidelidade. Se gostou ou não. Se vai comprar de novo. A dinâmica aqui é bem distinta do primeiro momento da verdade, o da compra. O ciclo continua, levando a mulher, homem ou criança a construir a imagem depois do uso. E volta o ciclo para a próxima vez que precisar do produto. E este é o ciclo que define o rol de nossa companhia e porque estamos focados no consumidor. Entender, estudar e modelar este ciclo e ser superior neste ciclo é a razão de ser das pessoas que trabalham na Procter & Gamble. E eu falo de nós, porque a única forma de fazer isso é em equipe. Tem que haver uma cultura focada em servir em vez de vez de pensar meramente em uma transação comercial. Mais de colaboração, de parceria, mais que de negócios bons ou ruins.
O que é cultura do grupo e qual é a participação do Presidente, do Hermann?
A política, o conceito é resultados das duas coisas. Temos uma declaração de propósito que enfatiza que “forneceremos produtos e serviços de qualidade com valores superiores que melhorem a vida de todo mundo”. Acho que apenas as companhias que têm sustentabilidade têm uma declaração de propósitos. Não que achamos que temos algo especial. Precisamos viver essa declaração. Acordar todo dia e respirar essa declaração. Estamos falando de uma companhia que existe há mais de 160 anos e que é uma das únicas cinco que estão no ranking da revista Fortune desde sua fundação, na década de 50.
Este conceito vem da origem da companhia?
James Procter e William Gamble tinha negócios independentes. Um fazia velas, o outro sabonetes. A matéria-prima (cebo de suíno) era fornecida por um senhor que se tornou sogro dos dois. Como tinham o mesmo ingrediente, uniram as duas companhias, acabaram com o negócio de velas e investiram na área de cosméticos, transformando-se numa grande companhia. Mas lá na origem, tive a curiosidade de ver uma publicidade das velas, tinha um mensagem que pregava: “As velas William Gamble duram mais tempo e são mais resistentes ao vento”. Lembre-se que as velas, na época, eram os faróis dos carros. Veja que o conceito de superioridade do produto, o enfoque no consumidor, do entendimento das necessidades do consumidor, já faziam parte do conceito destes senhores que montaram esta companhia.
Muda muito o perfil de consumo entre os países sul-americanos?
Conheço os lares de consumidores em quase todos estes países. Estive com muitas consumidoras em vários destes países e dentro das lojas, fazendo compra com elas, observando a decisão de compra. Nesse sentido, sou meio ‘bolivariano’ (Simon Bolívar), o homem que tinha o sonho de integrar a América Latina. A maioria das necessidades, problemas e alegrias dos lares são iguais em todos os países. O que muda são valores, atitudes, comportamentos em função do momento social que o país, que a pessoa está vivendo, o que faz com que as necessidades sejam distintas. E por isso é muito importante que qualquer pessoa que trabalhe com o consumidor tenha conhecimento profundo, não apenas de papel, de estatísticas. É preciso falar com as pessoas e entender o que ela está vivendo.
O brasileiro de novembro, dezembro de 2002, do momento pré-eleitoral, é muito diferente do brasileiro de 2004. Tem causas que afetam as emoções das pessoas – algumas sentem otimismo e alegria, outras não. Estes sentimentos fazem com que as pessoas mudem seus hábitos. Este mesmo sentimento está na pessoa que compra no dia-a-dia. Pode reduzir o volume ou mudar o hábito de compra. A consumidora pode trocar o ponto de compra, por algo mais próximo de sua residência. Como conseqüência, os hipermercados podem diminuir suas vendas e aumentar as vendas do varejo. O que mudou foi o comportamento do indivíduo, não que algum hipermercado esteja com uma estratégia errada.
Você pode citar alguns exemplos?
A fralda Pampers é uma marca que a P&G vende globalmente, mas ela tem uma equação de valor muito forte. A tecnologia é de liderança mundial, mas o design dela é feito de acordo com o perfil do consumidor de cada país. Temos uma forma de biquini que facilita o movimento da criança, o uso em climas quentes. Esse produto tem um preço “x”. E nós introduzimos uma versão (Pampers Básica) com uma adequação de valor mais adequada a uma freqüência de compra maior. Abrimos a marca em dois posicionamentos: para o consumidor que buscava duração maior no tempo e para o que procurava um produto que funcionasse bem em momentos críticos. A Pampers durante as crises econômicas do País conseguiu atender as necessidades das consumidoras e aumentou sua participação no mercado, como conseqüência. Mas isso só ocorre se a organização não estiver apenas olhando e entendendo o consumidor. Ela precisa estar estruturada para ser flexível e atender estas mudanças. Uma coisa é entender o consumidor, outra é agir. E essa ação tem que ser rápida.
Como é a ação entre a detecção de uma reclamação ou oportunidade até seu efetivo atendimento ou implementação?
Nós temos várias frentes de contato com o cliente – telefone, e-mail e carta. Através do SAC nós recebemos entre oito e 12 mil contatos mensais. E nosso índice de resposta é altíssimo. Investimos muito em desenvolvimento de produtos novos, que inclui esta área. Os investimentos globais ano passado chegaram a US$ 1,7 bilhões só em desenvolvimento e pesquisa de produtos novos, o que chegou a quase 4% das vendas. Isso inclui o SAC, uma forma de interagir com o consumidor.
Acho que aí está o erro da ação de muitas empresas. Eu tenho que ter uma forma de recepcionar os desejos de comunicação do consumidor com a empresa, esteja ele entrando em contato para sugerir, esclarecer ou para reclamar. Mas esse ato representa apenas 20% da ação. Os 80% é o que você faz com essa informação. Aí é que começa o jogo. Todo mundo pode ter um telefone e gravar a informação. Mas o que acontece depois? Você precisa ter pessoas que reajam de uma forma construtiva a esta energia do consumidor. Tem que conhecer o produto e tem que ter a velocidade de resposta à informação que a pessoa está esperando. Depois, tem que ter um fluxo para que esta informação entre na companhia, de uma forma organizada, para influenciar nos processos de planejamento, de desenvolvimento de produtos, de melhoramento de produtos e de treinamento das pessoas. É todo um sistema e uma cultura. É preciso que a companhia tenha vontade de estar voltada ao consumidor. O ciclo precisa se fechar na frente.
Tem companhia ou pessoas que acham que tem muitos contatos por mês e faz esforço para reduzir os índices negativos. Eu gostaria que os contatos aumentassem, que as consumidoras falassem mais comigo, gostaria de ter mais informação. Nós queremos ser a companhia que mais está em contato com os consumidores. Nós medimos os pontos de contatos. No Brasil, 15 milhões de vezes ao dia, os consumidores têm contatos com nossas marcas/produtos.
Como nasceram produtos tradicionais como o Hipoglós e qual é a evolução que eles ganharam a partir de interações com o consumidor?
Estamos falando de um produto com mais de 60 anos, que nasceu antes das fraldas descartáveis. E está entre os cinco mais vendidos nas farmácias e drogarias. Na época, foi desenvolvido para evitar assaduras, atuando como uma capa protetora. O próprio Hipoglós passou por inovações, a partir de solicitações de consumidores, há uns três anos, que pediam um produto mais cremoso. O departamento de pesquisa e desenvolvimento trabalhou a solicitação e fez a uma mudança na fórmula, mantendo as características do produto. O consumidor percebeu essa mudança e fez aumentar o volume de ligações para confirmar a mudança e questionar a eficiência. Aí, criamos uma campanha para, através do SAC, de publicidade e do próprio produto, explicar, justificar que o novo produto era melhor ainda. Este é um bom exemplo de que não existe regra igual para tudo. Exemplo mais recente é o absorvente feminino Allways. Com a desvalorização do real, nos levou a desenvolver um produto com uma combinação de ingredientes nacionais. Essa adaptação gerou um produto formulado para atender a necessidade local e para os momentos das consumidoras, com uma aceitação extraordinária por atender uma necessidade básica de proteção e adaptado às mudanças de queda de poder aquisitivo.
Aonde está a inteligência de todo este processo?
Temos que explicar sobre estrutura e cultura de nossa companhia. A estrutura tem uma fórmula baseada nas Unidades Globais de Negócios e Organizações de Desenvolvimento de Mercado. Estas são mais focadas em regiões específicas, formada por pessoas e sistemas voltados a um grupo específico de consumidores. Eles têm um contato muito próximo com o varejo, um parceiro em tudo isso, pois não vendemos nada direto. Nós investimos muito para construir esta parceria. É aí que nos juntamos no segundo momento da verdade (o ato da compra) e eu vou ajudar o meu parceiro (o nosso cliente) a ter uma loja ótima. E ele vai me ajudar a ter uma marca bem exposta.
Estas Organizações são responsáveis por construir parcerias sociais, de desenvolvimento das necessidades básicas dos países. As Unidades já se especializam por categorias. Temos uma que está focada em todos os produtos de papéis, outra em produtos do lar e sabão em pó, outra em produtos de beleza e assim por diante. Estas são responsáveis por entender as necessidades globais dos consumidores e detectar as novas tendências, a partir de dados alimentados pelas respectivas unidades de negócios sobre o comportamento dos consumidores. Nós tratamos de atuar globalmente e pensar localmente. Estes grupos globais têm a responsabilidade de desenvolver as inovações de 2005, 2010 e 2020.
Por isso somos uma companhia inovadora. Somos os criadores da fralda descartável, do sabão em pó, do shampoo dois em um e uma das primeiras companhias a investir em publicidade. Criamos o conceito de branding management como conceito estrutural para estar perto do consumidor; procuramos sempre aperfeiçoá-lo para estarmos mais próximos possível do consumidor.
Quais as ferramentas que vocês usam para se relacionar com o cliente?
O SAC é um. Temos parcerias com varejistas para, juntos, entendermos o comprador – como ele compra, qual é sua freqüência de compra, quais são suas atitudes, sua lealdade e assim por diante. Se ela muda de loja, por que muda. Como ela avalia uma marca, por que compra uma e não a outra. É feito em parceria para agir não apenas sobre as variáveis de marketing, de produto, mas para construir lealdade, satisfação do comprador do produto. Aí tem toda uma dinâmica de entendimento do consumidor. Temos todo um investimento no segundo momento da verdade, que é do uso do produto. Temos base de dados fornecidos pelo instituto Nielsen, pesquisas de atitudes sobre marcas e hábitos de uso, de publicidade também com relação ao comportamento desta comunicação. Todos estes estudos nos fornecem um universo de dados que precisamos integrar e gerar modelos relacionando um com os outros, de uma forma cíclica e contínua para ir detectando tendências.
Hoje, o Hermann mantém um contato estreito com o cliente como quando entrou na companhia?
Acho que muito mais. Para mim é fundamental para qualquer pessoal que gosta de branding. E as formas de estar em contato com o cliente são muitas. Seja o presidente de outra empresa, com funcionários, nas lojas. Em uma viagem ao Rio de Janeiro visitei loja e falei com consumidores. Você entra na loja e acompanha uma pessoa a fazer compra. Mas a regra é simples. Para você aprender uma coisa você não pode influenciar. E a pessoa tem que entender que você está ali para aprender, não para influenciar. Se você tem a humildade de aceitar que a pessoa que está comprando sabe mais que você, você tem um novo chefe, o consumidor. Se você não tem humildade, vai seguir acreditando que sabe mais que a pessoa que compra.
Como cliente, você está satisfeito?
Nunca. O desenvolvimento da humanidade tem a ver com esse instinto básico de sempre querer aprender mais, querer saber mais, querer dar mais, querer receber mais, ou querer ter mais. É importante caminhar essa natureza humana de uma forma sustentável, construtiva e positiva. E nós tentamos fazer isso. Nossos produtos estão orientados à necessidades básicas – proteger a pele das pessoas, limpar suas roupas, melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nós somos um ator muito importante no dia a dia das pessoas. Acho que é importante o compromisso que não apenas as corporações têm, mas as pessoas com a sociedade em geral, com o País. Não apenas com o mercado em que você interage.