Segundo os dados do Indicador Serasa de Inadimplência Pessoa Física, o número de devedores caiu 1,7% nos sete primeiros meses de 2007, na comparação com o mesmo período de 2006. Ainda assim, com as novas facilidades de empréstimos a juros acessíveis e o boom de cartões de crédito, débito e private label, (que somam mais de 400 milhões no Brasil e o impressionante crescimento de 20% sobre os seis primeiros meses do ano passado, segundo dados da ABECS), espera-se um aquecimento do setor de cobrança, com um maior número de consumidores integrados ao sistema de movimentação financeira individual.
Para Érico Sodré Quirino Ferreira, presidente da ACREFI (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento) o aumento de crédito não significa necessariamente um aumento de inadimplentes. “Com o aumento do crédito, é natural que mais pessoas busquem mais crédito no mercado, portanto, o aumento de inadimplentes não aumenta na mesma proporção, mas, sim, com um índice mais baixo, graças às baixas taxas de juros”. Por exemplo, se o número de inadimplentes numa amostragem de 100 é de 10%, com a baixa de juros e o aumento das facilidades de crédito, ela pode cair para 7% ou 8% numa amostragem maior. Portanto, haverá um número maior de inadimplentes, mas o índice será menor do que o atual. “É difícil mensurar uma mudança radical no setor de crédito e cobrança, porquê cada instituição tem sua forma de efetuar a operação e o relacionamento com o cliente, portanto, a margem de operação entre elas não apresenta alterações tão drásticas”.
Mas há controvérsias. José Teófilo Neto, da Comunicação Direta, acredita que o número de inadimplentes vai aumentar sim, mas porquê as empresas terão uma ânsia maior de vender mais. “Certos cuidados serão deixados de lado. Já há empresas que prometem empréstimos mesmo com nome negativado. Não acredito que haverá qualquer revolução, mas, sim, um aumento de gente cobrando”.
Na mira dos fornecedores
Passando por mudanças representativas desencadeadas pela expansão do crédito, o setor de cobrança agora enfrenta um público que, até então, não tinha acesso ao crédito, representado pelas classes de renda mais baixa. Para fornecedores e integradores, esse crescimento se traduz em novas oportunidades e desafios de negócios na profissionalização das empresas de cobrança. “De forma resumida, podemos dizer que estes desafios são cobrar pelo menor custo, sem perder de vista a importância da manutenção do relacionamento com o cliente, e realimentar o processo de concessão de crédito com as informações vindas das operações de cobrança. As respostas das empresas a estes desafios têm sido investir em tecnologia e processos integrados. Serão mais lucrativas as empresas que estiverem mais preparadas”, afirma Maria Isabel Leitão, gerente de soluções de Cobrança da Wittel.
Para o diretor de relacionamento com clientes da Crivo, Rodrigo Del Claro, o aumento da concessão de crédito em proporções nunca antes vista afeta toda a operação do mercado financeiro – que ainda está em período de adaptação para essa enxurrada de crédito. “Os bancos e financeiras, que são as empresas que cedem crédito, estão nesse momento passando por transformações nos seus processos internos, além de estarem aprendendo, juntamente com o crescimento do setor, a administrar esse alto volume de crédito. A saída, nesse novo cenário, é apostar em TI com a adoção de ferramentas de análise automatizada de informações cadastrais”. Para o executivo, essas adoções facilitarão uma possível cobrança com dados corretos e atualizados, além de sofisticarem e automatizarem as análises de crédito e risco, reduzindo o volume de inadimplentes devido a uma melhor triagem das propostas entrantes. “Com a redução da inadimplência – como resultado de uma análise profunda dos dados e histórico do cliente para dar respaldo a aprovação do crédito – o setor de cobrança será desafogado. Nesse momento de explosão do crédito, isso será um diferencial”, acredita.
Para Marcelo Kekligian, vice-presidente consumer banking da Equifax, o negócio de cobrança é um ciclo virtuoso, ou seja, a economia, estando bem ou mal, sempre existirão clientes inadimplentes a serem cobrados, mas o desafio atual está na dificuldade de entender os diversos relacionamentos que um consumidor possui com a entidade financeira. “Vendas cruzadas e consolidações produzem um número crescente de relacionamentos de crédito das instituições e consumidores e as unidades de cobrança devem sair de seu modelo tradicional, onde se cobram produtos, para uma cobrança a nível do cliente. Seguramente, para cobrar um número crescente de inadimplentes, as empresas deverão continuar investindo em tecnologia, infra-estrutura e recursos humanos capacitados a entender os complexos relacionamentos de cada consumidor para com seus credores”, define.
Edmilson Guimarães Hummig, gerente de marketing da Dígitro, conta que as empresas de cobrança já estão se mobilizando para uma reestruturação operacional e tecnológica para atender não somente uma demanda maior de ligações recebidas ou efetuadas, mas sim atender o inadimplente com maior eficiência e qualidade. “Algumas empresas, além de cobrar, buscam direcionar a reabilitação de crédito do inadimplente, que possivelmente voltará a comprar e obter créditos, fechando assim um ciclo que beneficia os dois segmentos, crédito e cobrança”, afirma.
Alessandro Damásio, diretor geral da Aspect para o Cone Sul, afirma que não há como escapar da demanda de cobranças gerada pelo crescimento do setor. “Todas as empresas que oferecem crédito de maneira direta ou indireta terão que se reestruturar e se preparar para atender a demanda, principalmente após a virada do ano”, acredita.
Já César Aquino, diretor de novos projetos e negócios da Z6-Soluções, diz que as empresas do setor de cobrança naturalmente precisarão prestar atenção à evolução do setor e rever seus processos internos, bem como obter maior competitividade na realização dos seus serviços dentro deste cenário. “O aumento de PA’s não significa melhoria no serviço e melhores resultados. A estratégia aliada a soluções que busquem novos canais de comunicação e concretização de pagamentos neste setor sempre contará com parcerias de terceiros”, ressalta.
Adequação vem de ambas as partes
Com a nova onda de competição insurgente no setor de cobrança, tanto empresas especializadas em recuperação de crédito quanto fornecedores estão se preparando para uma revolução nos processos tecnológicos. Se, por um lado, a cobrança tende a diminuir com a aplicação de novas tecnologias para fazer a análise de crédito antes da concessão, por outro, as empresas de cobrança estarão munidas de informações mais fidedignas sobre o cliente, conforme ressalta Del Claro, da Crivo. “Com a adoção progressiva de novas tecnologias para automatizar o processo de análise de subscrição (com utilização de ferramentas de análise de crédito e risco), as empresas de cobrança receberão de seus clientes dados específicos, uma vez que estas empresas contratantes do serviço de cobrança possuirão um cadastro mais confiável e atualizado”. O executivo explica que essas novas tecnologias de localização ajudarão as empresas de cobrança a otimizar seu esforço com ferramentas que sejam capazes de localizar, comparar e validar os dados cadastrais de um cliente (nome, endereço, telefone etc), antes que o seu BackOffice inicie o processo de cobrança. “Isso tudo será possível com o aumento do número de informações disponíveis na Internet e a melhoria dos cadastros das fontes de informação, que auxiliarão na melhor assertividade do processo de cobrança”.
Com processos de cobrança cada vez mais otimizados e soluções tecnológicas focadas em melhorar a capacitação dos recursos humanos envolvidos no processo de cobrança, soluções como discadores inteligentes, processos de Best Time To Call envolvendo soluções integradas e gravação com buscas avançadas avançam como novas soluções aplicadas à otimização dos processos, explica Hummig. “A Dígitro vem acompanhando o mercado de crédito e cobrança e adequando suas soluções para atender às necessidades do setor, com um processo de evolução tecnológica que prioriza capacitação humana e produtos com interfaces intuitivas e soluções para integrações com sistemas de B.I. (Business Inteligence)”. O executivo cita a solução EasyCall,que engloba sistemas de ramais e PAs, além de controlar e supervisionar atendimentos através de estatísticas, trabalhar com serviços de URA e compor vários módulos que melhor atendam as necessidades de uma empresa.
Francisco Virgílio, diretor de pré-vendas e parcerias da Altitude Software, conta que as empresas de cobrança competem visando a maximização dos resultados e os vários indicadores de performance estão sendo revistos. “Processos manuais de discagem estão sendo substituídos rapidamente por sistemas de discagem automatizada, com suporte a Predictive Dialing. Temos também assistido a uma clara opção por tecnologias flexíveis, baseadas em software, não proprietárias e com baixo custo de propriedade”, conta. O executivo destaca a solução Altitude uCI, que incorpora diversas ferramentas para solução de cobrança. Damásio, da Aspect, concorda quando o assunto é evolução. “Quaisquer soluções que visem incrementos de produtividade, controle e efetividade serão largamente implementadas pois normalmente possuem retornos sobre investimento altamente atrativos. Soluções que atuam em BI, Best Time to Call, enriquecimento de mailing, scoring, workforce management além dos softwares de gestão de cobranças serão cada vez mais empregados”, completa.
Kekligian, da Equifax, conta que as instituições financeiras há muito tempo utilizam modelos preditivos (scores) para compreender melhor seus clientes, conhecidos no mercado como “behaviour scores”. Estes modelos ajudam no processo de cobrança, porém somente até dois ciclos de atraso, ou 60 dias. “Hoje, já é possível adotar modelos específicos para a cobrança, collection scores. A Equifax, trabalhando em conjunto com as maiores instituições financeiras do País, vem desenvolvendo modelos estatísticos (scores) para cobrança. Estes modelos são fundamentais se pensarmos em um aumento de consumidores inadimplentes, pois com o uso de tais modelos é possível predizer quando e quanto tais consumidores irão efetuar seus pagamentos, se tornando assim mais efetivos na priorização das ações de cobrança”. O executivo conta que uma das plataformas tecnológicas de cobrança mais implementadas no mercado é o CACS, que desde o final dos anos 80 atende as demandas deste negócio. “A evolução sofrida pelo CACS nos últimos anos é impressionante: hoje, além de suas funções tradicionais, conta com módulo de recuperação que permite cobrança através da internet, baixando custos e facilitando a operação”, explica.
A otimização dos processos de cobrança será composta, principalmente, da evolução dos canais de acionamento, compreensão dos canais e ações mais eficientes por perfil de cliente e ampliação dos meios de pagamento, o que traz a necessidade de novas aplicações em BI para realizar o cruzamento de informações do cliente com seu histórico de pagamento e cobrança, afirma Maria Isabel, da Wittel. “A utilização de modelagem estatística para criação de clusters de clientes vem crescendo como opção para agregar mais inteligência aos processos. O entendimento do comportamento dos clientes inadimplentes através dos vários canais é fundamental para reduzir os custos das ações de cobrança e preservar o relacionamento com os clientes”.
Maria Isabel conta que, há quatro anos, a Wittel identificou uma movimentação em seus clientes de valorização das operações de cobrança. Tanto as instituições financeiras como os outsourcings começaram a buscar soluções que trouxessem mais produtividade e melhoria de processos a suas operações. “Neste ambiente, a Wittel trabalhou para montar uma solução que permita a seus clientes a gestão de réguas de cobrança em qualquer etapa da inadimplência. Dentro desta solução, além do controle do processo de cobrança (incluindo a distribuição de carteiras) incluímos um modelo de acionamento multi-canais que agrega maior flexibilidade à operação. Este modelo inclui tecnologias que vêm conquistando o mercado como SMS, boletos on-line, URA dial-out (também conhecida como Metralhadora). Uma outra vertente muito importante é a aplicação dos recursos de gravação para compliance e gestão da qualidade”, destaca.
Aquino, da Z6, acredita que a assimilação do setor por essas novas soluções dependerá da readequação de processos internos produtivos, quebrando assim alguns paradigmas. “Por conta das grandes empresas, que visam um ganho de produtividade em escala, e das empresas de menor porte, com necessidade de redução de custos, a otimização de processos e readequação no uso de soluções já é uma realidade”. Aquino enfatiza as soluções Siedi e Cobremais, que conciliam as evoluções tecnológicas com a simplicidade e objetividade na gestão de recebíveis no contato direto com o inadimplente. “Trabalhamos em fortalecer nossos diferencias, buscando parcerias efetivas no âmbito de negócios e tecnologia e procurando prover facilidades na integração dos nossos serviços/produtos”.
E os call centers?
É natural que houvesse uma aproximação entre empresas de cobrança e call centers, influenciada por duas tendências do setor. A primeira foi a queda no preço de tecnologias antes somente acessíveis aos grandes players, como explica Solemar Batista de Andrade, superintendente comercial da ACS. “Neste caso, as pequenas e médias empresas especializadas em cobrança ganharam capacidade de responder às fortes demandas de produtividade exigidas pelos grandes credores para suas faixas de atraso mais recentes e entraram forte neste segmento”. A segunda tendência acontece como resposta à primeira. Com a entrada das empresas com estruturas de custos menores e com capacidade de cumprir os SLAs exigidos, os grandes responderam com investimentos em contratação de inteligência oriunda das empresas especializadas e na melhoria ou troca de suas ferramentas de cobrança. “Esta adequação tem permitido aos grandes prestadores um maior crescimento de suas operações na modalidade de remuneração 100% variável, antes restrita aos pequenos e médios, e em alguns casos com margens maiores que as do modelo de remuneração fixa”, comenta.
Andrade conta que a ACS, a partir do segundo semestre de 2006, iniciou esforços no sentido de adequar suas operações de cobrança à nova realidade competitiva do setor. “Reforçamos a inteligência operacional através da contratação de profissionais especializados no setor, desenvolvemos e homologamos uma nova plataforma operacional de cobrança mais robusta e flexível, ampliamos o foco comercial em indústrias antes não atendidas pela cobrança ACS, com conquista de importantes clientes, diversificamos os produtos de crédito atendidos pela cobrança ACS e revisamos as nossas estratégias para atuação também em negócios que operam com remuneração variável”.
Miguel Windt, diretor comercial da TMKT, acredita que é tendencial surgirem novas empresas de cobrança mais especializadas, além do crescimento da atividade dentro dos contact centers. “Acredito que as atividades mais simples de cobrança, ou seja, cobrança de 1º nível, sejam cada vez mais executadas pelas empresas terceirizadas de contact center, ficando a cobrança litigiosa, ou seja, as de 2º nível, a cargo de empresas especializadas”.
Windt conta que, com o avanço da tecnologia, a TMKT já usa ferramentas cobrança que não eram usuais anos atrás, como por exemplo, SMS, URA reversa, entre outros. “Procurando abordar o cliente dentro de uma fase inicial de cobrança mais curta, a fim de lembrá-lo de saldar sua dívida, evitamos, em um primeiro momento, custos mais elevados com emissão e postagem de cartas, telegramas, etc. Entendo que, assim, o processo de análise e concessão de crédito vá mudar, e poderemos enxergar o cliente como um tomador e bom pagador em todos os créditos, e não somente em uma única instituição, analisando assim seu grau de endividamento e histórico de pagamentos antes de aprovar um novo limite de crédito para o mesmo”.
A concessão de crédito deve permanecer em alta e as linhas de créditos estão cada vez mais acessíveis para as camadas da população que antes não tinham acesso ao produto. O Cadastro Positivo também deve contribuir para o aumento das concessões de crédito, já que permitirá acesso ao crédito para as pessoas que não têm como comprovar renda, têm sua solicitação negada, mas que são bons pagadores, explica Flávia de Santis, gerente de produtos da Atento. “Com a concessão de crédito em alta, mesmo que os percentuais de inadimplência sejam reduzidos, o volume monetário inadimplente deve continuar muito alto. Só para exemplificar, uma de nossas operações de cobrança de um grande banco, praticamente dobrou de tamanho em um ano, e existem perspectivas dessa operação crescer ainda mais em 2008, além de começarmos a atuar em faixas de atraso onde ainda não estamos atuando”. Ela conta que a Atento tem investido fortemente nesse setor, com a atualização de ferramentas e sistemas – SMS’s, teleavisos, sistemas de discagens e sistema de recuperação de crédito. “Além de termos novas aplicabilidades para soluções que já existiam, como o Chat, que só agora começa a ser utilizado para cobrança. Isso sem mencionar o Cadastro Positivo, que já esta presente em praticamente todos os países da América Latina, e que aguardamos ansiosamente, pois deve ser regulamentado no próximo ano. O Cadastro Positivo vai nos permitir uma maior inteligência para os negócios de cobrança, e poderemos concentrar esforços em clientes que realmente representam risco de se tornarem inadimplentes”.
O CEO da CSU Telesystem e Credit&Risk, Décio Burd, concorda, e diz que a acessibilidade com interações on-line e a utilização de ferramentas modernas para a otimização dos recursos de cobrança com a conseqüente melhora do custo-benefício do conjunto de ações, passa a ser uma condição essencial para suportar os novos volumes. “A especialização é uma tendência irreversível. A inteligência na concessão do crédito e na cobrança, a utilização de modelos preditivos e a determinação da estratégia a ser utilizada será o principal alvo das atenções. Setores de prevenção à fraude e auditoria terão seus pesos aumentados com o crescimento dos inadimplentes. Com certeza, a assertividade do processo será um dos fatores críticos de sucesso. A escolha da mídia correta e a adoção do melhor custo obrigarão as empresas e seus fornecedores a desenvolverem novas ferramentas”. Burd diz que o call center é uma das mídias usadas para contatar os inadimplentes e continuará sendo, porém a inteligência específica na determinação da estratégia, bem como a utilização de tecnologias específicas, exigirão know-how próprio.
Na segunda parte desse especial, vamos focar a gestão de contratação de serviços de empresas de cobrança, a integração com os call centers, as expectativas do setor e as novas estratégias de recursos humanos, que devem representar, em pouco tempo, a verdadeira revolução do setor, com a especialização do capital humano.