Minuciosa, detalhista, exigente. As características de um virginiano, a empresária Chieko Aoki leva ao limite. Ao ponto de interromper a entrevista, levantar e leva a bandeja de doces para o fotógrafo. Ou procurar deixar todo mundo à vontade e participando da Entrevista, como a diretora de marketing Heloísa que lembra detalhes e acrescenta informações e explicação da cultura, processos e conceitos implementados pela rede. “Nossa administração é assim, participativa”, justifica. Obstinada, porém, ela faz questão de frisar que não quer ser a número 2. “Eu quero ser a número um, nem que seja em serviços.”
Reunindo a sensibilidade com determinação, a empresária Chieko Aoki construir a maior rede nacional de hotelaria, a Blue Tree – aliás, Aoki significa árvore azul, em japonês. A administradora foi fundada em 92, em São Paulo, focou no segmento de hóspedes viajando a negócios. Diversificou com hotéis de luxo e resorts e em 98 ela criou as marcas Blue Tree Park (padrão 5 estrelas), Blue Tree Towers (4 estrelas) e Blue Tree Plaza (3 estrelas). Hoje, são 22 hotéis e 590 mil hóspedes. Ela passou a contar, na época, com um investidor, Fundacão dos Economiários Federais (Funcef), que adquiriu 20% da sociedade. Seu currículo é invejável. Foi presidente Caesar Park Hotels & Resorts e da mais antiga e tradicional companhia hoteleira dos EUA, a Westin Hotels e Resorts -, ela decidiu se estabelecer no Brasil e se dedicar aos seus projetos. “Os hotéis que são considerados os melhores, sempre tenho observado, têm problemas quando chegam a ser o número 1. Eles passam a ser arrogantes. Os funcionários começam a se sentir importantes, auto-suficientes. Eles acham que têm valor e você só tem valor quando o cliente diz que você tem valor.”
Nesta Entrevista Exclusiva, Chieko desfila conceitos, sensibilidade, desvenda sua filosofia, questiona métodos, cultura e a incredulidade em copiar modelos. “Muitos executivos passaram por aqui, levaram processos, mas não conseguiram adotar uma filosofia”, lembra. Ela brinca que “não adiantar entregar um jornal. A diferença está no como fazer.” Para ela, serviço é tão tangível como um produto qualquer. “Dizem que serviço é intangível, mas para mim é tangível. Tenho formas de mostrar, de oferecer serviços concretos que faz com que esse serviço seja um produto de satisfação ao cliente.” Segredos? ‘Quando você atinge o limite, chega a 10, tem que comecar tudo de novo, pois o cliente entrou em outra faixa de exigência.’
Quem é o seu cliente?
Todos são meus clientes. Inclusive a minha empregada que trabalha comigo há 20 anos. Ela é minha cliente e eu sou cliente dela. Eu falo: ‘olha eu sou sua cliente e a sua cliente gosta destas coisas. E espero que você esteja dentro de minhas expectativas’. E ela sempre tem atendido. Aliás, empregada de casa é um exemplo muito bom do que temos que fazer em uma empresa por que ela está no nosso dia a dia. A minha equipe é minha cliente, a diretora é minha cliente, os clientes do meu negócio em si, os meus fornecedores. Eles são meus mestres, os que me rodeiam, pois de alguma forma me ensinam, e são meus clientes.
Como é a Chieko como cliente?
Acho bom perguntar para os outros. Mas eu acho que não sou exigente.
Mas pela reação deles, a senhora pode avaliar, uma vez que a sua posição se reflete dentro da organização.
As pessoas falavam que eu sou ‘democradura’.
Qual é parte democrática e qual é a dura?
Acho que é circunstancial. Eu sou democrática, mas também sou bastante dura. Se definimos uma ação é a que teremos que seguir. E é uma cultura que acabou disseminada dentro da empresa. A Eloisa é desse jeito, os outros diretores também são. A forma de trabalharmos na parte de disseminação de qualidade e serviços da empresa ouvir os clientes, os comentários, através dos guest comments (fichas de satisfação preenchidas pelos hóspedes), faz uma avaliação e identifica as melhorias. Existe uma comissão para isso. Essa comissão passa para uma coordenadora de qualidade, de procedimentos e processos e avalia o que efetivamente precisamos melhorar e o que a equipe efetivamente faz de atendimento, na ponta, sugere as melhorias a serem feitas. Eu também participo da análise desse processo, com a diretoria. Eu sou a coordenadora da parte de atendimento e serviços, mas eu me baseio naquilo que recebo. E dou a minha experiência, pois o meu benchmark provavelmente é mais alto, pois viajo muito pelo exterior. Aí nós juntamos as duas experiências e implantamos o que eu é possível ser realizado em nossos empreendimentos.
Heloísa – Tem um detalhe que acho importante comentar. Ela é uma cliente minuciosa, detalhista e observadora. Com isso, a senhora traz para a empresa essa cliente que manda elogio, que reclama, que é sensível.
Bem, ser detalhista é por perfil. Afinal, sou virginiana e por característica o virginiano é naturalmente muito detalhista, organizada, crítica… Essa é a parte chata.
Eu não diria chata, mas profissional.
Mas tem coisas boas também (risos). Sou sensível. Eu sou bem voltada para o serviço. Sou exigente, detalhista, percebo. Eu entro no hotel e se percebo alguma coisa fora de ordem, que acho que não está bem feito, mexe com a minha emoção e eu não consigo conviver com uma coisa que não esteja bem feita. Fazer um bom serviço, para mim, é muito simples. É só você fazer as coisas bem feitas em uma escala de 1 a 10. Normalmente o que fazermos é parar no meio do caminho. Normalmente, chegamos no 6, não em 10. Quando digo que quero um bom serviço, não estou exigindo um serviço extraordinário. Vamos fazer as coisas bem feitas. Ao atender, cumprimentar uma pessoa, não custa dar um sorriso. Ele vai perceber que está sendo bem atendida pelo seu jeito, trabalhar com o seu corpo, demonstrar sua atitude, mostrar reverência para o cliente. Eu por exemplo ao cumprimentar alguém acho que tenho que me levantar e fazer uma reverência ao cliente. Cumprimentar apenas para mim é nota 5. O sorriso em si para mim não é nada, é uma coisa natural. Acho que o atendimento ao cliente é uma coisa tão fácil, tão simples que é só fazer bem feito. E se quer fazer as coisas bem feitas, é um processo interminável. Você precisa estar sempre buscando melhorias por que em serviço nada é estático. O outro vai estar mudando e eu também preciso mudar.
O que é diferencial então na área de hotelaria?
Os hotéis que são considerados os melhores, sempre tenho observado, têm problemas quando chegam a ser o número 1. Eles passam a ser arrogantes. Os funcionários começam a se sentir importantes, auto-suficientes. Eles acham que têm valor e você só tem valor quando o cliente diz que você tem valor. Até um vice-presidente nosso foi visitar a Ásia e eu pedi para ele observar. Quando um hotel é extremamente famoso, você observa a atitude. Depois, você vai em um hotel que tem uma boa ocupação e analisa a atitude deles. E a auto-suficiência não existe. Se você está chegando em 10 na escala, amanhã você tem que começar tudo de novo por que o teu cliente também acostumou. Então o teu 10 pode ser 1 na avaliação do cliente. Esse é um ciclo que precisa estar sempre melhorando. Isso que é gostoso e exige sua constante melhoria e criatividade, sempre. E às vezes não conseguimos fazer o básico bem feito. E a criatividade é no sentido de você fazer com que as pessoas consigam fazer as coisas bem feitas no básico.
E como você dissemina esse processo dentro da empresa?
É preciso ter processos, procedimentos, motivação. Por que eu brigo muito em nossa empresa, tenho trabalhado muito? Por que para mim faz parte da cultura, é a respiração da empresa. E tem que ser natural.
O que a senhora identifica como resultado do sucesso dessa cultura?
Não sei se já é sucesso por que acho que ainda temos muito caminho a percorrer, ainda não estou satisfeita. Estou relativamente satisfeita.
De zero a 10 que nota a senhora daria?
Talvez 6,5 ou 7 (risos). Com relação à concorrência estou satisfeita, sim. Mas em relação à minha meta, não. Sabe por que eu faço isso? Por que o cliente é a nossa única razão de existir. Se eu não tenho cliente, eu não estou no negócio. Na área de serviço, eu não tenho um produto tangível para vender. Se eu não faço bem aquele que é o meu produto, no meu caso serviço, não estou no negócio. Quem tem um produto a oferecer está sempre aperfeiçoando. Comigo é a mesma coisa. Dizem que serviço é intangível, eu não concordo. Para mim é tangível. Tenho formas de mostrar, de oferecer serviços concretos que faz com que esse serviço seja um produto de satisfação ao cliente. Você precisa causar uma emoção, pois se não causar a emoção no cliente, ele não vai sair comentando. Por isso, o Blue Tree é realmente diferente. Eu quero que as pessoas saiam comentando sem eu pedir, sem precisar. Que seja uma coisa natural. Que ele saia dizendo: “eu estive no Blue Tree, foi bárbaro, de graça”. Esse é meu objetivo. E isso só vai ocorrer se eu provocar essa emoção no cliente. Eu deixei uma marca em você. Isso é um bom serviço, é atender bem.
Heloísa – Eu acrescentaria que o sucesso da Blue Tree está relacionado à forma de atender o cliente. A constatação mais fácil de diferenciação é o serviço. Nós competimos de igual para igual com as grandes redes, todas internacionais, por que o nosso diferencial de atendimento, esse conjunto que ela falou de atendimento com a alma, de exceder a expectativa do cliente, independente de ser uma cama, uma rede ou um tatame… esse é o nosso grande desafio. E o mercado nos reconhece justamente por isso. Os clientes às vezes não sabem identificar, mas eles reconhecem que a Blue Tree é diferente.
Você se baseia em que para justificar essa informação?
Heloísa – Nós mapeamos regularmente todos os comentários dos hóspedes que deixam ou por escrito ou através da Internet e desenvolvemos campanhas de incentivo para os clientes deixarem seus comentários. Fazemos pesquisas nas nossas regionais, às vezes em Porto Alegre, às vezes em Recife, e este ano vamos fazer uma pesquisa nacional. E todos estes comentários são estatisticamente avaliados e são utilizados como benchmark. É muito importante. Isso é perceptível até no resultado de compra de nossos apartamentos. Às vezes nosso produto é mais caro que o dos concorrentes, mas o cliente opta pela Blue Tree. Ele diz que vale a pena.
Chieko – Bem, essa postura é uma faca de “dois legumes” por que ele já está com uma expectativa maior do que quando fica na concorrência. Então qualquer deslize é um desastre.
A criação da rede Blue Tree é resultado da identificação de algum tipo de necessidade ou insatisfação do cliente, que acabou gerando uma oportunidade empresarial?
Nós percebemos que cada vez mais não poderíamos ter muita mão de obra. Houve uma redução histórica do número de funcionários por apartamento. Por outro lado, os clientes começaram a ficar cada vez mais exigentes. Existia aí um grande mercado para quem queria ou poderia unir o útil ao agradável. Aí nasceu a cultura Blue Tree, com o menor número de funcionários e alto nível de atendimento. Agora falar é fácil, até por que se fosse fácil todo mundo faria. E as idéias só são geniais quando se consegue atingir esse objetivo. E eu nunca gostei de ser a número 2. Em termos de qualidade eu quero ser a número 1. Procuramos ser referência. Tenho que fazer com que as pessoas que trabalham na rede falem a mesma linguagem. Que tenham o entendimento do que é o cliente, do que é atendimento, do que é um bom serviço e o que é exceder uma expectativa em uma linguagem comum, de todos. Eu não sou importante, a equipe é importante. Por isso eu preciso disseminar uma cultura dentro da rede. É impossível eu estar em 22 lugares. Quando tem a inauguração de um hotel eu procuro estar com a equipe e falar sobre a minha expectativa e minha visão sobre um bom atendimento e o serviço. Eles precisam saber aonde estão entrando, qual é a cultura da empresa, como é o ar que eles estão respirando. Até essa cultura ser disseminada leva um tempo. Então é importante que o pessoal de RH tenha uma clareza sobre a cultura e que os gerentes gerais, as lideranças, chefias, tenham muito claro e mostrem com atitudes. Por isso, o dia a dia é muito importante.
E como é esse processo no dia a dia?
Nós temos um departamento de processos, procedimentos, qualidade e auditoria. Ele analisa o guest commints, que eu passo para todo mundo, inclusive para o RH, para eles identificarem as dificuldades que nossas equipes estão tendo. A disseminação da cultura às vezes está truncada em algum lugar. Será que o processo está complicado? Será que o RH não está dando o treinamento necessário? Ou é a diretoria que não está dando modelos, não está tendo atitudes corretas? Disseminação de uma cultura é respiração. Eu me preocupo com a mensagem que eu vou passar. Não quero que seja uma mensagem padrão. Nunca. É uma mensagem que eu faço para eles, para todos que estão envolvidos. E quero que essa mensagem passe um pouco dessa filosofia. Eu vou querer que os gerentes façam isso com eles todos os dias, as equipes de treinamento. Não é só um procedimento. É um processo completo de atitude, da forma como você convive com sua equipe, com seus clientes. Todo mundo é cliente. Acho que sem isso, não se atinge o objetivo.
Como este exemplo fica mais claro?
Existem muitas pessoas que trabalharam com a gente e que estão na concorrência hoje. Eu sei que eles levaram todos os procedimentos e não conseguem implementar um conceito, uma filosofia. Eles não conseguiram por que é preciso acreditar que sua equipe, sua diretoria, a liderança precisa acreditar, acompanhar e distribuir responsabilidade. E eu cobro. Existe um procedimento para dar sustentação ao que nós queremos. Eu não quero que o responsável apenas responda o guest comments. Eu quero que ele explique como vai solucionar. Afinal, o cliente está fazendo a gentileza de nos informar que teve problema. Nós temos a obrigação de agradecer e buscar solução para depois mostrar para ele como resolvemos.
A senhora consegue identificar o que é um conceito, filosofia sua e o que foi agregado?
Heloísa – Hoje, podemos dizer que essa filosofia pode ser percebida bem antes do cliente chegar para se hospedar no hotel. Está no atendimento, já na reserva. Existe todo um procedimento, com forte treinamento. Temos procurado exceder a expectativa de nossos clientes, não apenas os mais fiéis, que se hospedam na rede com mais freqüência, para ele se surpreender. Está nessa postura detalhista. E sem dúvida, esse perfil cerimonioso da senhora Aoki, é uma deferência ao hóspede, como um agradecimento por ele ter voltado.
Chieko – Deferência que faz a diferença.
Heloísa – Não é um sorriso pasteurizado, é um agradecimento sincero pela escolha. É um discurso até que moderno como agradecimento ao cliente, deixando claro que nós existimos por que ele nos escolheu. E isso é transformado em ações cotidianas da governanta, da recepcionista, do porteiro, telefonista. E, depois que ele foi embora, com o pós-venda. O cliente para nós não é o one time. Nós sabemos que ele volta e diz para outras pessoas.
Quais são os canais de comunicação que vocês usam para se relacionar com seus clientes?
Nós dividimos nossos clientes entre os hóspedes e os que vêm a convenções de outros não menos importantes, os responsáveis pelas reservas, sejam operadoras ou secretárias. Estes, tão importantes por recomendarem o hotel sem ao menos conhecerem. Para o grupo de reservantes, temos uma base de dados integrada, uma das poucas redes hoteleiras que possui. Com isso, temos uma visão única do cliente, permitindo gerar relatórios consolidados, estabelecimento de programas de incentivo com extrema rapidez. Este é um diferencial enorme, resultado de mais de um ano de estudo e consolidação. São vários os canais. Na web, temos nosso guest comments eletrônico, temos o escrito e, nossa novidade, é o guest comment de bolso. Ele permite ao funcionário anotar, rastrear qualquer comentário sobre os hóspedes. Nosso foco, em 2004, é aumentar a importância do cliente e transformar os dados em projetos. Há pouco mais de um ano, descobrimos que a população de bebês no hotel estava crescendo. Era uma coisa tão óbvia, mas criamos um cardápio para eles. E de repente começaram a vir mais bebês e se tornou um sucesso. Ao ponto de as mães se anteciparem e, na reserva, pedirem o cardápio. Temos épocas que o número de crianças nos resorts chega a 300, 350. Já existe inclusive um canal de comunicação com as crianças.
A senhora tem visto exemplos diferentes ou inovadores no exterior?
Em serviço, não adianta copiar. É a fórmula como se faz. Não adiantar entregar um jornal. Existem exemplos muito bons no mercado internacional, claro. Mas a diferença está no como fazer.