Com muita história para contar… e experiência para compartilhar, Romeu Chap Chap é um dos poucos personagens que viveu intensamente os últimos 50 anos do mercado de construção civil. Não à toa recebeu, inclusive, o apelido de “Senhor Habitação” de um amigo. Como construtor e presidente por seis vezes do Secovi-SP, Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo, ele construiu uma trajetória repleta de lutas e conquistas dedicadas à construção civil e à questão da habitação no Brasil. Entre os seus principais empenhos estão o fortalecimento da indústria imobiliária, a geração de empregos e o combate ao déficit habitacional, notadamente no segmento das famílias de baixa renda. Foi o desejo para que cada brasileiro pudesse ter, um dia, o direito a uma moradia digna que o levou a encontrar-se com presidentes da República, ministros, governadores e prefeitos. “Tive a oportunidade de aprender muito com muitas pessoas e nas mais diferentes situações”, conta Romeu, que deu inicio a sua carreira de empreendedor e construtor ainda na época que era estudante, após voltar de uma viagem aos Estados Unidos. “A viagem me marcou tanto que, quando voltei a São Paulo, eu e outro colega decidimos montar um pequeno escritório.” Daí em diante, só viu sua carreira crescer, acompanhando de camarote as transformações do Brasil. Em entrevista exclusiva à Revista ClienteSA, Chap Chap nos conduz por sua experiência ao longo dos anos, passa a limpo as principais mudanças pela quais a atividade atravessou e reflete sobre o atual momento de crise do Brasil. “O País paga pelo fato de ter crescido de maneira muito rápida. O crescimento gerou a crise. Agora, é preciso arrumar a casa.”
Como tudo começou?
Quando estava no segundo ano de Engenharia, no Mackenzie, consegui organizar um grupo de viagem para Argentina, Uruguai e Chile. De volta ao Brasil, a minha vontade era de também conhecer os Estados Unidos. Era uma necessidade para mim. O problema é que existia a vontade, mas não tinha como realizar a viagem. Foi quando, no quarto ano, ouvi falar de convidar empresas americanas com ações ligadas à engenharia para abrir as portas, onde você poderia fazer uma viagem por determinados estados e cidades americanas, custeando o transporte e a estadia. Aprendi a datilografar, fiz os convites e enviei, buscando o endereço das empresas da área em revistas especializadas, encontradas em bibliotecas. Foram mais de 600 cartas. Inclusive, pedi ajuda ao presidente do Mackenzie, que aceitou assinar as cartas. A ideia era realizar uma viagem de estudantes acompanhando professor. Depois de alguns meses, comecei a receber as respostas das empresas, que renderam, aproximadamente, 60 dias de viagem. Ia desde uma fábrica de computador até a General Motors. Aquelas que já possuíam filiais no Brasil, me orientavam para que as procurasse a fim de conseguir uma ajuda financeira, já que não tinham como alojar. Também mandei uma carta para o Presidente da República, na época, o Juscelino Kubitschek, em busca de ajuda. Fui indicado, então, para ser recebido pelo Ministro de Relações Universitárias, que ligou para a Varig, conseguindo um desconto. Em 1957, embarcamos para os Estados Unidos. Chegando lá, alugamos um carro e visitamos dezenas de fábricas. Foi uma experiência extraordinária. A viagem me marcou tanto que, quando voltei a São Paulo, eu e outro colega decidimos montar um pequeno escritório.
Como foi a experiência de abrir o próprio negócio, ainda estudante?
Na época, eu tinha um fusquinha 53. Tive que vendê-lo para conseguir juntar dinheiro e comprar, junto com meu amigo, um terreno. Nele, construímos duas casas, como forma de aprendizado. Prontas, vendemos as duas. Veja que eu estava no quarto ano da faculdade, mas já buscava a prática da construção civil. Após as vendas, consegui adquirir meu primeiro fusca nacional, zero-quilômetro. A partir daí, começamos a comprar terrenos, construir casas e vendê-las, até que nos formarmos.
Qual foi a importância desse início para sua carreira?
Foi uma experiência que me deu, realmente, conhecimento. Aprendi a lidar com bancos, pegar empréstimos, pois em obra sempre é necessário. Esse foi meu início na profissão e na condição de imobiliário. Também na época, o Governador pediu para selecionar os 10 melhores engenheiros formados, baseando-me nas notas, para vistoriarem obras que seriam realizadas no interior do estado. E, mesmo não estando na lista, ele fez questão que eu estivesse presente. Assim, também fiz vistoria no meu começo de carreira, o que trouxe uma boa experiência política. Quando saí do serviço público, já tinha meu escritório de construção. E mais, nasceu o meu primeiro prédio.
Muita coisa mudou na atividade?
Uma das coisas que mudou é o fato de que a construção, hoje, tem um ciclo longo, girando em torno de três a quatro anos, entre comprar terreno, desenvolver o projeto e construir. Só que nesse meio tempo, acontecem muitas coisas: mudança de câmbio, ajuste de juros, troca de ministros. O problema atualmente é que precisa pegar o financiamento com o banco, torcendo para que as pessoas comprem os apartamentos e escritórios. O problema é quando desistem. Afinal, o banco não desiste do financiamento. Esse é um setor que sofre muito. E olha que sobrevivi a muitas crises. Esse ano, a tendência é piorar. Os números estão aí para quem quiser ver. O mercado é muito sensível e o ciclo muito longo. Quando vem um crescimento da indústria imobiliária, a inflação vem junto. Em congresso na Suécia, um profissional francês deu um aprendizado sobre o mercado. Pelo exemplo dados, você começa o empreendimento no meio de um ciclo positivo, com todo mundo comprando e o preço subindo. Só que essa fase vai terminar em dois ou três anos, que é quando o governo passa a adotar medidas para combater a inflação. Isso significa juros altos, desemprego, entre outros. Isso acontece no mundo inteiro e, agora, está acontecendo no Brasil. Estão tirando a capacidade aquisitiva do brasileiro. No fim, você termina o empreendimento e não consegue quitar as dívidas, mesmo tendo vendido tudo. Porque, na hora da entrega, os compradores não querem assumir o contrato, começando uma série de devoluções. É um muito complicado atuar nesse setor.
Como podemos transferir isso para o Brasil?
No governo Lula, participei do grupo de pessoas selecionadas que ajudou a criar um Marco Regulatório para movimentar um mercado paralisado há 20 anos. Ele fez com que 27 empresas brasileiras buscassem recursos para comprar terrenos e construir imovéis. Não existia capital próprio. Isso surgiu graças aos incentivos que foram dados – produção, financiamento, redução de custo tributário. Além disso, foi dado acesso à população de baixa renda, com subsídios como aumento de prazos, redução da taxa de juros, cartórios, seguro. A finalidade foi incentivar a construção civil, gerar emprego e fazer a rota da economia andar para frente. Só que começou um consumo exagerado, e faltou incentivar a produção. Isso tem seu efeito colateral.
A crise é grande.
Tenho lido e ouvido muita coisa. A minha percepção, em primeiro lugar, é que essa crise tem a ver com coisas que não se comentam. O sucesso do governo Lula foi tão grande em relação ao crescimento econômico, sucedido linearmente pela Dilma. O resultado é que o Brasil virou palco de interesse mundial, algo que nunca havia acontecido antes. Porém, hoje, o custo no Brasil só sobe, principalmente no sentido de governança corporativa, fazendo com que se gaste mais, inclusive na economia privada. De repente, começa a entrar dólar no País e seu valor chega a R$ 1,60. Isso aliado com o fato do preço dos insumos para produzir estarem altos, o mercado industrial acaba optando por importar. O setor de autopeças, por exemplo, começou a fazer isso, já que produzir e vender não estava dando retorno.
Ou seja, uma das grandes causas da crise é o próprio sucesso do Brasil. Ainda hoje, mesmo com o dólar mais alto, o custo para produção interna continua maior. Isso tudo fez com que a indústria fosse perdendo capacidade produtiva. Sabendo que não conseguiria fazer uma reforma tributária, assim como nenhum outro presidente conseguiu, a Dilma tentou mudar isso implementando ações para incentivar a produção a custos menores, por meio de medidas relacionadas a energia elétrica, salário, folhas de pagamento. Foi uma forma indireta de reduzir o custo no Brasil com medidas de incentivo. Porém, não surtiu efeito. E, ainda que o dólar esteja R$2,60, continua sendo mais barato comprar lá fora do que produzir aqui, fazendo com que muitas fábricas demitam funcionários. Por isso digo que o Brasil e o brasileiro estão melhores do que há 10, 15 anos, mas é preciso reduzir o consumo e incentivar a produção. Como você compatibiliza 40 milhões de novos consumidores com empresas que estão tentando produzir mais, mas não possuem condição? O País paga pelo fato de ter crescido de maneira muito rápida. O crescimento gerou a crise. Agora, é preciso arrumar a casa, reduzindo um pouco a burocracia.