“Queremos estar onde ninguém mais quer. Essa é a nossa vocação.” A frase de Geraldo França, presidente da Sodexo Brasil, explica a estratégia da multinacional francesa que está no País há 26 anos, ganhando espaço e hoje líder do mercado de vale refeições. Hoje, está presente em 40% dos municípios brasileiros, com 300 vendedores e mais de 250 mil estabelecimentos afiliados. A filial brasileira ganhou destaque em 2006 quando implantou uma metodologia americana de satisfação de cliente e atingiu índice de 94% de retenção. Hoje, recebe representantes da Sodexo de várias partes do mundo (a empresa está em 80 países), para conhecer o modelo e o expertise. No Brasil, a multinacional fatura em torno de R$ 8 bilhões. Após a compra do Grupo VR, em 2007, se tornou líder do mercado de vale-benefícios.
Nesta Entrevista Exclusiva, França afirma que o crescimento da empresa é principalmente orgânico, mas não descarta aquisições. Na presidência desde 2007, até então responsável pela área comercial, começou carreira profissional na área bancária, há mais de 20 anos, passando pelo Nacional, Unibanco e Citibank. O fortalecimento da marca será o próximo passo da Sodexo. França acredita ainda que em ampla expanção: “atualmente, 11 milhões de trabalhadores estão dentro do programa de alimentação. A população economicamente ativa chega a 90 milhões e tem muita gente para o ciclo de inclusão alimentar”, conclui.
Quem é o seu cliente?
Temos três tipos diferentes, o cliente RH que compra o benefício para o empregado, o próprio usuário (trabalhador que usa o benefício no mercado) e restaurantes, supermercados, lojas e redes de restaurantes afiliados. São três lados: o cliente, o usuário e o afiliado, e desenvolvemos processos e métodos específicos para cada um.
Como o senhor define a cultura de gestão de clientes da Sodexo?
O passo inicial é a segmentação: dividimos de acordo com o tamanho e tipo de indústria. No caso do cliente de recursos humanos, temos cinco segmentações: o privado corporativo (as grandes empresas), high middle, low middle, pequenas empresas e o governo (órgãos públicos, bancos, instituições públicas, prefeituras, etc.). Temos processos diferentes para cada tipo, com metodologia, inteligência, jeitos diferentes de atacar, tratar e cuidar desses clientes.
Onde fica a linha entre o modelo internacional de gestão de clientes da empresa e o pessoal?
Tenho comigo a vocação de cuidar bem da clientela. Costumo sempre comparar a relação da empresa com o cliente com a relação humana de namoro e casamento. Eu carrego isso comigo aonde vou, tenho métodos formais e informais para fazer essa relação acontecer. Na companhia temos um método mundial chamado Crescer (clientes retidos e satisfeitos constroem excelentes resultados), é uma tradução de boas práticas de relacionamento com o cliente. Trata-se de um processo bem fechado, com passos, medição com cada interação, tudo no software, no qual o consultor vai fazendo o registro e as interações. É uma metodologia mundial. O Brasil implantou, em 2006, e os resultados têm sido muito bons. Em 2006 nosso índice de retenção era abaixo (90%), hoje nós estamos muito próximos de 94%. O atrito não chega a 6%, o que é um número muito forte, principalmente se levado em conta o faturamento da organização e a quantidade de clientes diferentes.
Esses percentuais, apesar de serem pequenos, têm grande impacto no faturamento?
Se você pensa em um faturamento de R$ 8 bilhões por ano, qualquer percentual de 0,01% é grande em valores absolutos. Ir de 90% para 95%, crescer cinco pontos portanto é realmente bem expressivo.
Como vocês chegaram nessa metodologia e identificaram que ela seria ideal para o negócio?
Nós, no Brasil, já tínhamos essa relação com o cliente e passamos a implementar algumas iniciativas, métodos e, ao mesmo tempo, veio uma metodologia de fora. Combinamos as duas coisas e criamos uma solução brasileira com inspiração multinacional e local. Entre as soluções locais, dividimos a força de vendas em dois grandes grupos: os consultores de venda (que trazem as contas e os clientes) e os consultores de relacionamento, cuja missão é se relacionar com os clientes já existentes, que interage, sabe quem são os decisores, quais são as necessidades e as soluções que podemos dar. Ele vive e respira para conhecer os usuários. Cada consultor, dependendo do segmento, corporativo ou de clientes menores, tem em torno de 70 contas. É factível que ao longo do mês ele tenha tempo de se relacionar com 60 ou 70 clientes. Tudo isso é testado durante o tempo e sua definição segue um método para que o atendimento tenha qualidade, um diferencial muito grande. Quando se tem essa relação, de conseguir dar a solução que ele precisa, você não é um mero tirador de pedidos. Mas sim, respira o ar da empresa, vê os empregados se deslocarem e, por isso, consegue ir ao decisor, um vice-presidente ou diretor de recursos humanos ou financeiro, e mostrar a solução que pode resolver o problema. Isso só é possível com esse foco e uma equipe de vendas capacitada para cuidar dos clientes com metodologia. Não basta ter vocação e inspiração, é preciso método. Com esse esforço, pulamos de 89% para quase 95% de retenção, o que é um valor financeiro gigantesco, sem contar o lado do carinho e aproximação com o cliente, que eu acho o mais importante.
Como é feito o tratamento das informações, o treinamento?
A primeira parte foi conscientizar a equipe de que era importante ter foco na retenção, no cuidar do cliente. Foi a primeira barreira, depois tem a parte técnica: mostrar quais são os processos, o método e as iniciativas a serem feitas ao longo da relação. Finalmente começamos a verificar o quanto o agente está interagindo com o software. O CRM registra as interações, o tempo e o espaço. Os registros vão para a base de dados e nós da companhia, das áreas de marketing e vendas, trabalhamos esses dados em conjunto com o consultor e retornamos para ele oportunidades interessantes, também encaminhamos as informações para vários consultores, para termos as boas práticas feitas em Porto Alegre, refletidas em Fortaleza, por exemplo. É uma fábrica de oportunidades e negócios que integram uma grade de oportunidade.
Você considera essa experiência um sucesso para ser exportada ou ser espelho para alguma outra operação?
Sim, constantemente recebemos visitas de filiais de outros países para entender como fazemos o processo. O Brasil, por uma série de fatores, está sempre à frente das novidades, na vanguarda. Os brasileiros são muito inovadores. Nós recebemos pessoas do mundo inteiro para entender como conseguimos passar de 89% a 95%. Nós somos hoje o benchmarking mundial da Sodexo.
Quais são os países, que você identifica que já importaram essa experiência?
A Hungria, por exemplo, tem o Brasil como uma fonte de inspiração. Os Estados Unidos, que começou agora com os Sodexo Pass, vêm acompanhando o que temos feito, não só em relação a vendas, mas também com outros processos da companhia. Também temos um intercâmbio muito grande. Em julho teremos a convenção mundial da empresa em Lisboa e haverá fóruns de debates e experiências.
Quais são os canais de interação com os clientes?
Hoje os canais de interação com os clientes são o próprio consultor de relacionamento, a internet com o portal (onde há uma série de novidades, pode interagir, fazer pedido, tirar dúvidas), o telefone (uma central de atendimento com opções de serviços na URA e humana). Nós integramos esses registros por meio do CRM, o consultor de relacionamento sabe o que acontece com o cliente no canal virtual. Organizar esse processo é importante por que possibilita atendimento único e diferenciado.
Você chega a ter uma visão única de cliente?
Estamos bem próximos de ter uma visão 100% do cliente. Começamos a implantar isso em 2006, dois anos não é tempo suficiente para ter essa visão integrada. Hoje estamos com 85% de integração, mas conseguimos evoluir bastante de 2006 para cá.
Com 85%, você tem um gap a percorrer?
Tenho e diria que a experiência do cliente em todos os canais tende a crescer muito, quando tiver uma integração completa. Isso vai se traduzir em mais negócios, soluções e satisfação para o cliente.
Qual o objetivo?
A meta mundial é ter 95,5%, sabemos que estamos muito próximo. Mas um negócio com a envergadura do nosso, quando se chega a um patamar de 94 ou 95, para conseguir mais meio ponto é difícil, por isso a meta é 95,5%. Esperamos atingi-la ano que vem.
E o que será feito para atingir a meta?
O ser humano é a peça mais difícil, por que tem de estar motivado, adaptado à tecnologia e ao método, mas em um universo de 300 pessoas, não é possível uma aderência de 100%. O desafio de qualquer estratégia é a repetição, a disciplina, o foco é não só terminar algumas coisas novas que estamos fazendo, mas também repetir e treinar o que estamos fazendo hoje para termos níveis de excelência. Ano que vem a meta vai estar um pouco mais alta, de repente 96%, então teremos de correr mais ainda para alcançar.
Também temos o Vida Profissional, um evento que já se tornou oficial no calendário dos recursos humanos no Brasil. Esse programa reúne em um único portal todas as boas práticas das empresas conveniadas com recursos humanos. Estamos no sexto ano, é um sucesso, os clientes e o mercado prestigiam. Os clientes e prospects se sentem valorizados em ter oportunidade de ir a um fórum e dividir as boas práticas da empresa, o que ajuda muito na retenção de clientes. Temos depoimentos de clientes que não nos deixam por que sabem que incentivamos e fazemos parte desse mundo de recursos humanos, no qual queremos desenvolver cada vez mais as empresas e os trabalhadores.
Como funciona o prêmio Vida Profissional?
Recolhemos as inscrições em um site que propaga e divulga as práticas ao longo do ano. E existe a premiação física, na qual trazemos os finalistas para o evento, quem elege o campeão é um comitê, formado pela fundação Getúlio Vargas, que escolhe os melhores cases do segmento. É um oscar da atividade de recursos humanos.
Como é a prática de crescimento da empresa?
A companhia tem a vocação do crescimento orgânico. Existem aquisições, oportunidades no mundo inteiro. Mas temos um componente no DNA da companhia, que é o crescimento orgânico. Crescemos por intermédio dos próprios clientes e também na penetração da carteira deles. Temos disciplinas e métodos para cada tipo de componentes. O crescimento de clientes novos é de 24%, finalizado agora em agosto, o último mês do ano fiscal, nesse faturamento imagine o que vendemos para ter esse crescimento. O segredo é que tem uma série de processos, segmentação, canais de vendas, treinamento, desenvolvimento e promoção. O conceito do processo de venda é ser uma fábrica de vendedores, não produzimos comida ou carro, mas, sim, vendedores. Quando um novo consultor entra, é treinado, motivado e participa de uma série de processos. Precisa ser uma máquina, engrenagem que funciona vendendo, penetrando geograficamente. Estamos onde ninguém quer estar, enquanto para nós seria muito fácil estar na capital de São Paulo ou Rio, em termos econômicos. Mas estamos no Rio Branco, Belém, Pantanal, Rio Grande, Piauí, em tudo que é lugar. Estamos em quase 40% dos municípios brasileiros, em torno de 2.100 com 300 vendedores. Queremos estar onde ninguém mais quer, é a nossa vocação. Falando abertamente, em termos econômicos, não é interessante estar em certos lugares, mas é importante para a companhia, por que a nossa vocação é levar soluções de recursos humanos, programa de alimentação do trabalhador onde as pessoas precisam. Em São Paulo, em uma empresa grande o trabalhador não passa fome, a fome está nessas regiões. Há 200 quilômetros de São Paulo, no Sertãozinho, está o trabalhador que corta cana e precisa do programa. Está aí o nosso crescimento, fomos a lugares que ninguém quer ir e vendemos onde é realmente é necessário.
Esse crescimento vem em decorrência da marca ou da gestão de relacionamento com o cliente?
A marca da Sodexo não é muito forte, estamos fazendo um processo de branding. O quanto o nosso consultor encanta o cliente, seja para trazer novos ou vender um produto para os já existentes, esse carinho é o que faz a diferença. Tenho consultor indo a Rio Grande (Rio Grande Sul) onde tem uma empresa construindo toda a infra-estrutura do porto, até a região de Porto Alegre, e tem alguém da Sodexo lá vendendo uma solução criativa. Essa conjunção de treinamento, processo e vocação é o que faz a diferença. Esperamos que ao longo do tempo, a comunidade associe isso à nossa marca, o que já é feito no mundo inteiro. Hoje a Sodexo faz por dia, 50 milhões de interações com os nossos usuários, são quase 312 mil empregados da Sodexo no mundo inteiro, para mim, isso tem um valor que é fantástico e é um trabalho muito simples, são garçons, pessoas de limpeza, pessoas como nós, que dão solução de refeição e alimentação, tudo muito simples, muito humilde, esse é o valor da empresa. Quando o cliente compra da gente, está gerando benefício social, um círculo virtuoso da alimentação, da economia, isso está por de trás da nossa marca, e queremos associar cada conectar a marca aos valores da companhia.
Como isso será feito?
Pelos meios de comunicação, mas o grande propulsor da marca é o funcionário. Queremos usar aqui no Brasil a força dos nossos 500 colaboradores, para fazer com que essa marca e valor seja cada vez mais fortalecida e vendida.
Existem índices de satisfação do cliente Sodexo?
Sim. Em 2007 passamos a medir a satisfação do cliente, mas sem fazer pergunta clássica, se está ou não satisfeito, perguntamos o quanto ele recomenda a empresa para um amigo, de 0 a 10. Está comprovado por estatísticas e tem literatura sobre isso: o índice de aprovação explica o lucro, diferentemente da satisfação pura e simples. Esse é um método americano, se traduz em um índice, o Net Promoter Score. Hoje estamos chegando em 85% de pessoas que nos recomendam com notas de oito a dez, que são os fortíssimos indicadores da empresa. No ranking desprezamos as notas inferiores a oito. E temos pesquisas que nos colocam de cinco a dez pontos acima da concorrência, isso é muito bem mapeado.
O cliente está plenamente satisfeito com o produto ou ainda há vácuos?
Há uma gama de produtos, mas vejo que em alguns ainda há vácuos de necessidade que ainda não foram atingidos pela indústria. Há pouco tempo lançamos o Cultura Pass e o Molbity Pass, é um programa de pagamento via celular. Os empregados da empresa que pegam táxi podem pagar via celular. Se você comparar hoje, temos um boleto que é preenchido, às vezes rasga, suja, não dá para ver a quilometragem direito. Se o carro está parado no trânsito, basta que ele receba uma ligação via celular informando o valor a ser pago, 1 é sim, 2 não, ele aperta e acabou. Para o usuário é conveniente, ele fica livre daquela angústia de preencher o boleto, o taxista consegue liberar o usuário rapidamente e pegar outra corrida e o cliente recebe uma série de relatórios gerenciais, mostrando o percurso, quem gastou, ou não.
Se o cliente está satisfeito, você fica satisfeito?
Estou satisfeito, empolgado com o segmento, indústria, a possibilidade de servir o trabalhador brasileiro e ansioso por que ainda tem muita coisa a ser feita para atender o Brasil inteiro. Hoje 11 milhões de trabalhadores estão dentro do programa de alimentação. A população economicamente ativa chega a 90 milhões, tem muita gente para o ciclo de inclusão alimentar e essa é nossa vocação. Talvez a Sodexo seja uma das pouquíssimas, ou a única empresa genuína nesse sentido. O fato de estarmos no Brasil inteiro explica a nossa vocação e legitimidade para fazer isso funcionar. É difícil, complicado, doloroso, dá muito trabalho, mas é o propósito pelo qual estamos aqui e pelo mundo inteiro, quase 400 mil empregados fazendo esse tipo de trabalho.