O desafio de criar cultura



Era um dia normal de trabalho para Marcele Lemos, então diretora técnica da Coface, quando Joel Paillot chegou de Paris e anunciou que havia recebido o convite para assumir o cargo de diretor global de riscos. Ou seja, deixaria o cargo de CEO no Brasil. “Tomei um susto porque ele estava conosco há 18 meses e já ia embora.” A surpresa só não foi maior porque em seguida Paillot contou que havia indicado o nome de Marcele para substituí-lo. No dia 5 de dezembro do ano passado, ela assumia o comando da operação brasileira, que responde por 60% do faturamento do grupo na América Latina. “É um grande desafio, acima de tudo. Mas como cresci na Coface, conheço bem nosso produto, o que ajuda muito”, comenta a nova CEO, que já está na empresa há 12 anos. Na época em que ela entrou na SBCE, empresa do mesmo grupo, o mercado de seguro de crédito ainda dava seus primeiros passos no Brasil. De lá para cá, a atividade cresceu, porém ainda está bem atrás de mercados mais maduros como Europa e Estados Unidos. Tanto que o maior desafio de Marcele é explorar todo o potencial que o País oferece. “Em um mercado onde milhões de empresas ainda não conhecem a atividade, nós temos muito espaço para crescer. Nosso grande desafio é tornar o seguro de crédito parte das estratégias das empresas brasileiras”, conta.

Liderando uma equipe de 130 funcionários, que inclui Coface Seguradora, Coface Serviços e SBCE, a CEO aposta na própria força da operação. “Com a equipe que temos, tenho certeza que estamos preparados para atingir as metas de 2012”, revela. Depois de cresce 17% em 2011, a expectativa para esse ano é de um salto de 20%. A estratégia para atingir esse número também passa pela gestão dos clientes. Tanto que a empresa criou, no ano passado, uma área de CRM para dar um atendimento especializado. “Hoje, a Coface é, inclusive, reconhecida por ter uma área de relacionamento. Podemos dizer que esse é o nosso grande diferencial.” Em entrevista exclusiva, Marcele fala mais sobre seus desafios a frente do novo cargo e traça um panorama da evolução do mercado de seguro de crédito no Brasil.

Desde quando você está na Coface?
Sou formada em administração de empresas, com ênfase em comércio exterior, e tenho MBA executivo e em comércio e finanças internacionais. E sempre gostei dessa área. Comecei minha carreira na Cisper, masdepois já fui por uma trading company, onde cuidava da parte aduaneira. E em 2000 cheguei à SBCE, Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação, que tinha como um dos sócios a Coface, com participação de aproximadamente 24%.

Na época, era uma novidade no Brasil?
Durante muitos anos quem cuidou do seguro de crédito no Brasil era o IRB, Instituto de Resseguro do Brasil. Mas com o passar do tempo, o governo sentiu a necessidade de ter no Brasil uma empresa para fazer esse trabalho o que resultou na criação da SBCE, em 1997. Na época, foi formada uma comissão para buscar uma ECA, ExportCreditAgency, que é quemanalisa todos os projetos, enquanto o fundo que lastreia toda a operação é do governo. Foi quando a Coface foi convidada para fazer parte da SBCE, pois precisava desseknowhow. Junto havia ainda outros acionistas, como seguradoras privadas e órgãos do governo.No Brasil, a SBCE teve uma grande importância já que o principal objetivo com ela era exatamente de criar um mercado de seguro de crédito. E isso foi feito com muito sucesso, tanto que hoje SBCE e Coface, ambas do mesmo grupo, são referências.Se pegarmos a parte de seguro de exportação feita por meio da SBCE, temos participação de mercado de 74%, de acordo com os dados de julho da Susep, Superitendência de Seguros Privados. E no seguro doméstico, realizado pela Coface Brasil, nossomarketshare é de 64%.

Como você explica o crescimento desse mercado?
O seguro de crédito no Brasil ainda é um mercado imaturo, ao contrário da Europa e dos Estados Unidos, até porque ele só surgiu em 1997 com a SBCE. Porém, ele vem crescendo ao longo dos anos. Outro fator que vem ajudando muito na disseminação da atividade são as empresas multinacionais que fazem esse tipo de operação em outros países e estão presente no Brasil.

Como se define o seguro de crédito?
Ele é uma proteção para os seus recebíveis. Por exemplo, uma empresavai vender algo para outra e dá um prazo para pagar. Só que ela quer uma proteção de que irá receber. Nósanalisamos a operação e a garantimos dentro do prazo máximo de crédito que foi dado. Isso vale tanto para o mercado doméstico, quanto para exportação.

Qual o grande barreira para alavancá-lo no Brasil?
Nosso grande desafio é tornar o seguro de crédito parte das estratégias das empresas brasileiras. No ano passado, nós crescemos 17% em relação ao ano anterior. Porém, podemos dizer que, no máximo, 600 empresas se beneficiam do seguro de crédito, contando os clientes de todas as seguradoras. Inclusive, muitas vezes, conversando com diretores financeiros de algumas empresas, eles comentam que nunca ouviram falar desse serviço. Em um mercado onde milhões de empresas ainda não conhecem a atividade, nós temos muito espaço para crescer. Tanto que para esse ano nossa expectativa é de crescer 20%. Já estamos trabalhando,junto à nossa área comercial,novas estratégias para apresentarmos o seguro de crédito para o máximo de empresas brasileiras. Hoje, já estamos presentes em câmeras de comércio e associações de classes buscando levar conhecimento, além de realizarmos encontros com presidentes e diretores financeiros. E, dentro das nossas estratégias para 2012, queremos reforçar essas ações da área comercial para mostrar o nosso produto. Sei que nossos concorrentes estão fazendo o mesmo. É um trabalho em conjunto para fazer com que o seguro de crédito amadureça no Brasil.

Quem são os seus clientes?
Dentro do nosso portfólio, atendemos empresas de diversos tamanhos e segmentos. É claro que existem certas restrições para alguns setores, que possuem uma sinistralidade muito alta, ou já estão dentro de um limite de crédito. Nesses casos, podemos em determinado momento ser mais restritivos. Porque, no seguro de crédito, temos setores que apresentam mais perdas e outros com menos perdas, mas isso acaba se equilibrando.

Qual a estrutura para atender esses clientes?
A Coface Brasil possui uma área de CRM, preparada e especializada para atender os clientes. A nossa busca é por oferecer um tratamento diferenciado. No ano passado, essa área foi dividida em três núcleos. Um dele é o Local Deals, que cuida das apólices locais. Outro núcleo é Global Deals, que cuida das contas internacionais. E temos também o Global Brokers,no qual estão todos os clientes que vêm de brokersestratégicos – grandes corretoras. Isso se deve porque alguns dos nossos clientes sofreram com as crises de 2008 e 2009 e sentimos a necessidade de fazer algo diferente para auxiliá-los. A estratégia do grupo foi criar essas áreas de CRM para dar um atendimento direcionado. Os profissionais que atuam nessas áreas estão mais próximos dos clientes e tentando antecipar suas necessidades. Hoje, a Coface é, inclusive, reconhecida por ter uma área de relacionamento comcliente. Podemos dizer que esse é o nosso grande diferencial.

Nós temos também aqui uma plataforma underwriting, que faz todas as análises de créditos para as entidades daCofacena América Latina. Outra área importante é a de informação, que sempre está buscando dados dos clientes das empresas que nos contratam, para fornecer o máximo de detalhes para a área de risco.Hoje, temos uma base de dados global com aproximadamente 60 milhões de clientes cadastrados. A vantagem é que esse sistema permite a qualquer Coface cancelar o limite de crédito de uma empresa no mundo inteiro.

Como é a relação com as outras unidades da Coface?
Todas as unidades da Coface na América Latina estão atreladas à uma holding situado no México, onde fica o presidente para a região. No entanto, o Brasil tem um peso maior, já que somos responsáveis por aproximadamente 60% do faturamentodo grupo na América Latina. Por isso, fomos escolhidos para sediar a plataforma de risco para toda região, que conta com profissionais de vários países, como França Espanha, Argentina e do próprio Brasil.A área de cobranças, debtcollection, também está preparada para prestar serviços às outras entidades da Coface. Um exemplo é que nós podemos fazer cobrança para um segurado na França que está com um problema com uma empresa no Brasil.

Em questão de posicionamento, a operação brasileira tende a se destacar com a crise na Europa?
No mês passado,a Coface França realizou sua conferência anual de risco-país, com palestras de grandes economistas. O Brasil foi citado como um paísque está muito bem protegido dessa situação econômica européia. E para o nosso CEO mundial, Jean-Marc Pillu, o País é realmente um grande potencial. Estamos em um momento de crescimento, onde todos os olhos estão voltados para nós. Érealmente um momento em que temos grande potencial de crescimento. Além disso, tem a Copa do Mundo e as Olimpíadas do Rio, que estão trazendo muitas oportunidades para o mercado. Até mesmo a crise traz oportunidades, pois as empresas buscam mais proteção para os seus recebíveis, tanto que,do meio do ano passado para cá, a procura por seguro de crédito vem aumentando consideravelmente. Então, existe uma cobrança e um cuidado especial com a operação brasileira, até pela representatividade do País na América Latina. Afinal, se formos mal, levamos toda a região para baixo.

E como é assumir a presidência da Coface nesse estágio?
É um grande desafio, acima de tudo. Mas como cresci na Coface, conheço bem nosso produto, o que ajuda muito. E com a equipe que temos, tenho certeza que estamos preparados para atingir as metas de 2012. É interessante comentar que a Coface busca valorizar os talentos internos, que ela mesma formou ao longo dos anos. Isso também pode ser visto com o meu antecessor, o Joel Paillot, que está no grupo há 25 anos. E tem outros casos. São exemplosque incentivam nossos funcionários. E se alguém me perguntar se eu sonhava em ser presidente da Coface, diria que não. Sempre fiz meu trabalho com muita determinação e dedicação, mas não sonhava com isso. As coisas aconteceram naturalmente. Eles viram o trabalhoque desenvolvi ao longo dos 12 anos de casa, assim como todo o conhecimento do mercado que adquiri nesse período.

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