Em 2010, o faturamento líquido da Fiat foi de R$ 20,7 bilhões. Além disso, terminou o ano na liderança do mercado de automóveis e comerciais leves com participação de 22,8%. No total,foram emplacados 760.495veículos. Esses números mostram na prática os resultados da filosofia do presidente Cledorvino Belini. Primeiro brasileiro a comandar a Fiat Automóveis e a integrar o Group Executive Council, a mais alta instância global do grupo Fiat-Chrysler, o executivo acredita que o Brasil encontrou seu espaço no mercado automobilístico mundial e vê a contínua ascensão das classes D e E para a C como principal fator de expansão do consumo e da economia brasileira nos próximos anos. No entanto, apesar do cenário positivo, ele destaca a necessidade estratégica de um choque de competitividade, com investimentos em infraestrutura e na qualidade da educação para assegurar crescimento sustentável de longo prazo. “Este é o caminho para o País se tornar um protagonista de primeira grandeza no mercado global”, afirma Belini, que também ocupa a presidência da Anfavea, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.
Belini defende a tese de que o país precisa de uma política específica de estímulo à aplicação de recursos empresariais em inovação, além de reduzir os tributos sobre investimentos e outras medidas. “Não adianta chorar por um câmbio melhor, tem que competir dentro deste cenário e isso só será possível com mais inovação”, propõe. É essa visão que também fez com que Belini recebesse o título de Personalidade Mundial de Vendas, criado pela FENADVB, Federação Nacional das Associações de Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil, para reconhecer dirigentes empresariais que se destacaram na obtenção de resultados no mercado interno e externo. Em entrevista exclusiva, Cledorvino Belini destaca o atual momento da economia brasileira e da indústria automotiva, assim como aponta o caminho e os desafios para manter essa trajetória de crescimento de forma sustentável.
Quando iniciou a carreira no Grupo Fiat?<br>Estou há 38 anos, tendo entrado como supervisor de O&M na Tratores Fiat, atual Case New Holland, onde fiquei até 1986, chegando a diretor de compras, planejamento da produção e logística. No ano seguinte, fui transferido para a Fiat Automóveis pelo então presidente da empresa, Silvano Valentino, onde assumi a diretora de compras. Depois ainda cheguei a ser diretor comercial, diretor geral,entre outros, até chegar à presidência da subsidiária brasileira em 2004.
Como o Sr. vê o cenário atual da indústria automotiva no Brasil?<br>Temos a vantagem competitiva de possuir um mercado interno importante e com amplo potencial de expansão. Milhões de brasileiros que até cinco anos atrás pertenciam às classes D e E, migraram para a classe C e têm acesso a bens de consumo como nunca haviam tido antes. Somos o quinto mercado automotivo do mundo, prontos para escalar novas posições no ranking.Construímos um parque produtor estruturado, com montadoras, fornecedores, engenharia automotiva e um corpo de colaboradores altamente qualificado, que já nos coloca como o sexto maior fabricante do mundo. O que nos falta é um choque de competitividade, ou seja, um conjunto de ações e políticas articuladas pelos setores público e privado para gerar e atrair investimentos, que promova a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias e processos. Somente este choque poderá nos dar um lugar de destaque na indústria automotiva global, transformando o Brasil em exportador de projetos complexos, de serviços de tecnologia automotiva de alto valor agregado. Enfim, um provedor mundial de inteligência automotiva, seja em automóveis, caminhões ou máquinas agrícolas.
O que falta ao Brasil para decolar de vez?<br>Além das conquistas já consolidadas, como estabilidade da moeda, que já dura duas décadas, e a inclusão social de amplas parcelas da população, o Brasil inclui agora com destaque na agenda nacional o investimento em infraestrutura, a partir de uma visão de médio e longo prazos. Amplos projetos de obras no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Minha Casa, Minha Vida, além dos investimentos necessários a adequar as cidades para a realização da Copa do Mundo de Futebol em 2014, empurrarão para cima as taxas de crescimento, contribuindo para uma expansão econômica sustentável. Temos as possibilidades de superar algumas de nossas fragilidades históricas e apropriar-nos dos benefícios do investimento maciço, propagando-os por toda a sociedade.
Neste cenário, quais os grandes desafios brasileiros?<br>O Brasil mudou de patamar nos últimos anos, consolidando os fundamentos de uma economia estável, promissora e atraente, combinados com uma política social ativa de redução da pobreza e de melhor distribuição da renda. Ocorre, porém, que tal estratégia encontra seu limite nas deficiências ainda remanescentes na própria economia, que emite sinais de risco inflacionário em decorrência de seu aquecimento. O desafio que a realidade nos impõe é definir a via sustentável para a expansão da infraestrutura, do investimento, da geração de riqueza e do combate à pobreza. Trata-se de superar os traços de subdesenvolvimento que ainda aprisionam o Brasil. O exemplo histórico de outras nações mostra que expandir a produção industrial e a produção agropecuária não são condições suficientes para a consolidação de um novo patamar de desenvolvimento. O fator decisivo está na inovação e na disseminação de novas tecnologias, capazes de assegurar o progresso técnico em todo o tecido econômico. Esta foi a chave para a expansão dos países desenvolvidos a partir da Revolução Industrial e também para os casos recentes de sucesso de países asiáticos, entre os quais a Coreia do Sul e a China.
A inovação é o principal fator para que isso aconteça?<br>De fato, está na ordem do dia constituir bases para pensar a inovação. É preciso criar novos paradigmas para estabelecer uma aliança estratégica entre governo, setor produtivo e geração do conhecimento, seja proveniente de universidades, institutos ou centros de pesquisa públicos e privados. Pensar a inovação, porém, é mais do que desenvolver tecnologia. Seus efeitos são abrangentes e devem ser absorvidos em três níveis estratégicos: empresas, governo e sociedade. Para o setor produtivo, a inovação, como motor do progresso técnico, é o fundamento da competitividade e, portanto, da capacidade de perpetuar-se, de gerar riqueza e de conquistar mercados mesmo em um cenário global altamente concorrencial. No governo, a prioridade é inovar na gestão do gasto público, na administração do custeio e do investimento, fazendo mais com menos. Não podemos perder de vista a necessidade de conciliar responsabilidade fiscal com os enormes desafios de investimento em infraestrutura, necessários à preparação do Brasil para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Além de capacidade administrativa, tal desafio requer talento para articular a escala de prioridades nos níveis federal, estadual e municipal, para que os investimentos públicos em curso deixem um legado de planejamento urbano, infraestrutura e equipamentos públicos de qualidade. Finalmente, a sociedade deve apropriar-se da inovação, por meio do aprofundamento das políticas públicas de redução da pobreza e, sobretudo, de investimentos maciços na qualidade da educação pública, para que todos os cidadãos, independente de sua origem social e econômica, tenham acesso pleno às oportunidades de realização pessoal e profissional.
Pode se dizer que a chave está na educação?<br>Sem dúvida. E constatamos que, apesar dos esforços e correções de rota, a qualidade da educação brasileira não é compatível com o país que queremos construir. Há avanços notáveis no tocante à acessibilidade ao ensino superior, por meio da ampliação da oferta de vagas e da adoção de mecanismos que incorporam à população universitária os jovens provenientes de camadas sociais antes excluídas. A educação, por esse ângulo, cumpre sua função democrática de abrir oportunidades para todos e está em sintonia com a forte onda social promovida por diversas políticas públicas combinadas.Entretanto, a qualidade da educação ainda não responde às necessidades de geração de mão de obra qualificada para os diversos setores da economia, sobretudo aqueles voltados para a inovação. O desenvolvimento político-institucional de um país depende da capacidade coletiva de elaboração de um projeto nacional.
Até que ponto a sustentabilidade está inserida na gestão do grupo?<br>A construção de um modelo sustentável de negócios não é um discurso de momento ou um relatório formal, mas um elemento mobilizador e engajador dos dirigentes e lideranças da Fiat em escala global. É uma diretriz que se propaga ao longo de toda a extensão dos negócios. Para evidenciar a adesão clara e convicta à cultura da responsabilidade, não só econômica, mas também social e ambiental, a Fiat adotou um novo Código de Conduta global, alinhado às melhores práticas sustentáveis internacionais, que dá ênfase à harmonização dos três pilares da sustentabilidade no cotidiano da prática empresarial. E para articular as ações e iniciativas em todos os aspectos da responsabilidade social empresarial, foi constituído em 2010 o Comitê de Sustentabilidade. Nossa prioridade é produzir no presente, gerando valor para todos os stakeholders, sem comprometer os recursos que legaremos às gerações futuras.
E qual o papel da indústria automotiva na questão da mobilidade urbana?<br>Somos conscientes de que nosso papel vai além de produzir veículos. Trata-se de uma equação que deve ser recalculada pela sociedade, para assegurar a mobilidade e o usufruto do progresso econômico e social, isto é, o convívio automóvel-sustentabilidade deverá, sim, ser construído com produtos corretos e avançados por parte da indústria, com legislações e políticas públicas pelo poder do de Estado, e com civilidade e cidadania por parte do consumidor.