Quando chega ao telefone ou ao computador do ouvidor/ombudsman da empresa, o cliente quase sempre passou por outros canais de atendimento da organização. A questão é saber quantas vezes o estafado consumidor-cidadão precisou repetir seu problema em cada etapa do atendimento. Outro fator fundamental a ser desvelado é se as informações que essa pessoa cedeu na forma de crítica, sugestão, reclamação ou pedido estão sendo aproveitadas nas estratégias e tomadas de decisões gerais da empresa. Tentando responder essas dúvidas, a ClienteSA ouviu executivos e especialistas em serviços de ouvidoria no sentido de avaliar em qual estágio se encontra esse caminho de mão-dupla: uma visão única do cliente (VUC) que ajude a ouvidoria de um lado e, de outro, uma ouvidoria capaz de auxiliar para uma visão única que agregue valor à organização.
Edson Vismona – advogado, fundador e primeiro presidente da Associação Brasileira de Ouvidorias (ABO) e atual presidente do Instituto Brasil Legal – aponta os sistemas voltados para a VUC como fundamentais para um suporte adequado. “Se o histórico atualizado do cliente não estiver na frente do ouvidor, ou de qualquer pessoa que atende, isso vira um ‘calvário’. Um dos motivos mais freqüentes de forte descontentamento do cliente no atendimento é justamente a repetição infindável do seu problema nos diversos canais de atendimento”.
Vismona propugna que o ouvidor não se isole, mas que seja não só parte integrante do plano estratégico da organização, mas um verdadeiro agente de mudanças. Apesar de reconhecer que ainda existem serviços de ouvidoria ineficientes, “que na verdade sequer são ouvidorias de fato”, ele acredita que está havendo um crescimento contínuo nessa consciência, a da importância desse serviço.
O trabalho do ouvidor/ombudsman, no entender do advogado, deve ser um ato de gestão da empresa. Para ele, conhecer cada vez mais profundamente o cliente – no caso da empresa privada – e os usuários, no caso da organizações públicas, é uma necessidade hoje. As informações que chegam através da ouvidoria, diz ele, devem servir para uma avaliação estratégica da companhia.
“Sempre defendi essa postura – afirma Vismona – de adotar a ouvidoria com aproveitamento das informações dos clientes para ajudar nos processos decisórios. Esse serviço tem mais importância do que qualquer pesquisa de satisfação, porque trata de casos concretos. Ela é uma das ferramentas fundamentais para manter a empresa alinhada com as necessidades dos clientes”.
Estratégia de aproximação – Um modelo mais avançado nessa direção pode, provavelmente, ser encontrado na Brasilprev Seguros e Previdência S.A. – empresa de previdência complementar, resultado da associação entre o Banco do Brasil, o Principal Financial Group e o Sebrae -, que demonstra já haver caminhado rumo à obtenção dessa visão única do cliente, também através do trabalho da ouvidoria. De acordo com Luciana Galvão de Oliveira Fernandes, ombudsman da empresa, o primeiro passo do seu trabalho após a chegada da manifestação do cliente é olhar todo o histórico, mantido num sistema integrado de dados.
Depois de analisar o problema, Luciana passa a informação para que seja solucionado internamente. “Imediatamente surge um destaque, em vermelho, no sistema do computador da pessoa responsável pela área envolvida. Esse sinal representa prioridade máxima. Num prazo de 48 horas, a resposta deve ser dada pelo departamento, sendo esta também analisada pela ombudsman para saber se está dentro dos direitos do cliente. “Entretanto – afirma Luciana – a maior parte das manifestações são atinentes a problemas de comunicação. Porque os contratos de previdência apresentam muitos detalhes e nem sempre há um entendimento imediato por parte dos consumidores”.
Ela garante que todo o relacionamento com cada cliente surge on-line/real time no histórico do mesmo. E todos os meses é feito um relatório que detalha e quantifica essa relação com o público externo. “Esse demonstrativo abrange basicamente quatro aspectos fundamentais: uma visão organizacional que mostra o que chamamos de ‘quadro de criticidade dos canais de relacionamento’, o mapeamento com os perfis dos clientes que se manifestaram, a performance do tratamento dado pela ouvidoria e, por fim, uma análise quantitativa e qualitativa que visa eliminar reincidências”.
O serviço de ouvidoria da Brasilprev, de acordo com a executiva, faz parte da estratégia da organização de maior aproximação com o cliente. “Através da intranet – diz ela -, todo esse trabalho é divulgado à empresa com um todo. Com todos os indicadores. E, como um complemento, através da ouvidoria interna são realizadas ações que buscam obter na prática essa maior ligação dos funcionários com os clientes”.
Estatísticas e mensurações – Criado em julho de 1999, logo após à instituição da Lei 10094, que determinou a criação das ouvidorias públicas, o serviço de ouvidoria da Cetesb – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – ainda não tem seus relatórios de informações vindas dos usuários disponíveis para todos seus 2 mil funcionários. Entretanto, o histórico do cidadão, do local ou da empresa que tenha acessado qualquer dos canais de relacionamento já existe, com forte processo de informatização.
Segundo Alessandra de Mello Leite, ouvidora da Cetesb, a estatal possui 35 agências ambientais em todo o estado. É onde ocorre o primeiro atendimento ao usuário, seja em razão de problemas ambientais, emissão de licenças, etc. Caso o problema não seja resolvido, a ouvidoria é chamada a intervir e encaminha o caso, depois de registrá-lo e analisá-lo, à diretoria responsável. Com papel estratégico nas decisões da empresa, a ouvidora chega até a acompanhar equipes técnicas ao local onde se originou a reclamação. “Seja in loco, ou de posse de relatório dos técnicos, repasso ao usuário a solução encontrada. E fico em contato com ele até que o problema seja efetivamente resolvido”, afirma Alessandra.
Por lei, a ouvidoria da estatal tem que enviar um relatório semestral ao governo do Estado. E, internamente, são realizadas estatísticas e mensurações das reclamações, críticas ou sugestões recebidas. “Nosso website já ajuda a solucionar a maior parte das questões, através do ‘fale conosco’. No entanto, o êxito da ouvidoria é tanto que o usuário acaba recorrendo a esse serviço até mesmo para simples pedido de informações. Mas, o importante – conclui Alessandra – é que possamos obter essa visão unificada de nosso usuário, atendê-lo cada mais rapida e eficientemente”.
Já na AES Eletropaulo, o maior investimento da empresa para este ano e o próximo está justamente no desenvolvimento do seu sistema comercial, que engloba o gerenciamento das informações dos seus 5,3 milhões de clientes captadas no atendimento e, principalmente, na ouvidoria. Segundo Ricardo Gobbi Lima, vice-presidente Comercial, “estaremos substituindo totalmente um ultrapassado sistema de mais de 20 anos e que hoje nos permite guardar apenas as duas últimas reclamações/sugestões dos usuários”.
A empresa, a primeira a instituir um serviço de ouvidoria dentre as fornecedoras de energia elétrica no País – mesmo antes da privatização, em 1997 – adotou um programa de relacionamento cujo slogan é “o cliente em primeiro lugar”. Com isso, transformou o conceito do trabalho de ouvidoria de “a voz do cliente dentro da empresa” para “o ouvido da empresa junto ao cliente”. De acordo com o executivo, isso possibilitou, a partir das manifestações dos consumidores, operar transformações nos próprios processos de trabalho da organização.
“Sem contar a drástica redução das chamadas para críticas e reclamações” – pontua ele. “Durante o ano de 2005, tivemos 62 sugestões aproveitadas e 43 delas acabaram resultando em mudanças nos procedimentos internos da companhia. E como a ouvidoria tem o papel também de propor soluções aos problemas aproveitando a intervenção do cliente, temos uma clara medida do sucesso: o número de chamadas na ouvidoria foram reduzidas de 3.200 em 2004 para 1.800 no ano passado. Ou seja, uma redução de quase 40%”.
Mudanças comportamentais – Na Flytour, operadora de turismo considerada a maior emissora de bilhetes aéreos da América Latina, o serviço de ouvidoria é feito há quatro anos por Regina Célia Barrionuevo Sakamoto, que responde pelo cargo de ombusdman. Há, na empresa, segundo ela, uma preocupação muito grande com o tratamento das informações dos clientes, principalmente porque envolve uma grande complexidade de dados. “São quatro os nossos públicos. A rede de franquias, outras agências, os clientes que viajam conosco e o business travel (clientes corporativos). Por isso, muitas vezes o problema surge por falha de um de nossos fornecedores. E as informações têm que dar conta de onde está o problema para resolvê-lo”.
A ombudsman da Flytour garante que toda reclamação, sugestão ou crítica é registrada e divulgada internamente. “A área de turismo requer uma atualização constante, não só das preferências e hábitos dos clientes, mas de toda a complexa malha que envolve transporte, acomodações, legislação, etc.”. Entretanto, segundo Regina, o histórico do cliente, aquele que permite uma visão única, só existe por enquanto no âmbito do cliente corporativo. Quando se trata do executivo de uma organização, suas preferências e eventuais reclamações já estão registradas para acompanhamento imediato de quem faz o atendimento. “Estamos ampliando cada vez mais o registro dessas informações, pois a nossa ouvidoria se tornou um elo importante entre o cliente e a organização. Nossos usuários sentem que têm a quem recorrer quando pretendem resolver algum problema relativo aos serviços que prestamos”, conclui a executiva, que tem papel estratégico na companhia, reportando-se diretamente à presidência.
Enquanto isso, a Ameplan Assistência Médica Planejada – empresa de planos de saúde criada em 1992 com rede própria, Hospital e Maternidade Vida´s, Hospital e Maternidade Paranaguá e o Pronto Atendimento Vital Care, atuando na área metropolitana de São Paulo/SP – obteve sua maior fase de expansão, com aumento de receita de 570% nos últimos três anos, justamente após a criação do seu serviço de ouvidoria. Porque provocou mudanças positivas no comportamento e no tratamento das informações obtidas com os clientes. De acordo com Nelson Primo dos Santos Júnior, ouvidor da empresa, “esse trabalho levou todos os colaboradores da organização a um grande exercício de reflexão. Porque o cliente é nossa razão de ser, é quem garante nosso futuro, e sua voz, ouvida agora por toda a empresa, nos permite melhorar cada vez mais”
Nelson diz que, na Ameplan, todas reclamações, críticas ou sugestões – e até mesmo um simples comentário – vão direto para a mesa da presidência, à qual a ouvidoria está subordinada e tem papel estratégico. “Agora, a massa crítica gerada pelos clientes é rapidamente analisada e a tomada de decisões é muito mais veloz”. Segundo ele, os departamentos da organização têm até 48 horas para solucionar o problema surgido através da ouvidoria. São feitos, então, relatórios mensais que seguem para diretoria administrativa. “Estamos numa área delicada, que é a saúde, e o serviço de ouvidoria nos permite compreender melhor o cliente e, quanto é o caso, operar mudanças internas para que ele seja cada vez melhor atendido”.
Apesar de o sistema de informações dos clientes, que chegam via ouvidoria e circulam pela empresa, ainda não estar totalmente informatizado, Nelson garante que são grandes os esforços para disseminar e aproveitar esses dados. A empresa chega a publicar, mensalmente, no seu jornal interno, o relatório que resume as manifestações dos consumidores. É feita uma mensuração dessas informações pela controladoria e, sempre que um cliente ligar para empresa, o histórico básico do seu relacionamento aparecerá na tela do computador.
A voz dos ouvintes – Já um exemplo do esforço de aproveitamento da informação vinda de reclamações, sugestões ou pedidos dos clientes – neste caso na forma de ouvintes – é dado pela Rádio Bandeirantes. Segundo Maria Elisa Porchat, ombudsman da emissora, é feito um balanço dos principais assuntos abordados pelos “clientes” e, através de um programa semanal, ao vivo, discute as críticas e observações junto com especialistas convidados. E um resumo desse debate é passado para todos os departamentos da organização.
Ela trabalha como ombudsman da rádio há três anos e meio. E conta que não foram poucas as vezes em que houve mudança da grade ou do conteúdo da programação em virtude da intervenção dos ouvintes. “No jornalismo, assim como em todos os segmentos, é crescente a importância que se dá à cidadania do consumidor. No caso de uma estação de rádio, temos o privilégio de contar com a reação imediata de nosso público. O ouvinte de rádio é muito atento e responde de forma instantânea. Por isso, nenhuma manifestação desse público deve ser ignorada ou desqualificada”, destaca.
Maria Elisa se considera uma “defensora da credibilidade da empresa”. O termo ombudsman que vem do sueco e significa “representante do cidadão”, para ela, tem um conceito diferente. “Não sou defensora do ouvinte, porque nem sempre ele está certo. Também não sou um simples intermediário entre a redação e o público, porque também exerço meu papel crítico”. E explica que, conforme pôde observar como participante de um recente Congresso Internacional de Ombudsmans, em São Paulo, em cada país esse tipo de ouvidoria tem sua própria característica. “Há locais onde a função do ombudsman é comparável à de um atendente, aquele que apenas recebe e repassa as informações”.
Para se ter uma idéia do estágio inicial em que ainda se encontram esses serviços nos meios de comunicação do País, no segmento Rádio, apenas a Bandeirantes e a Radiobrás mantém um “defensor da credibilidade”, enquanto nas emissoras televisivas, apenas a TV Cultura e a Telebrás. “O Brasil está muito no começo”, conclui Maria Elisa.