Os passos da oportunidade



Um misto de oportunidade com persistência. O visionário que transpirou muito, e quebrou resistências, chama-se De Witt Wallace, que em 1922 inventou um serviço nos Estados Unidos batizado Reader´s Digest,  que originou a revista Seleções. A revista se notorizou e se estabeleceu com o objetivo de levar conteúdo diferenciado a um público enfadado pelo grande volume de informações sem critérios ou relevância. Vinte anos depois, já consolidada nos EUA, foi inaugurada a subsidiária brasileira, logo depois de França e México. Hoje, a operação é destaque no Grupo. Na empresa desde 1997, Luís Henrique Fichman, presidente da Reader´s Digest no Brasil, avalia que entrou em um momento interessante da empresa, justamente na segunda rodada da expansão geográfica. A marca conquistava o Leste Europeu e países da América Latina, como Argentina e Chile, além do continente asiático. Além disso, ampliava tanto seu leque de produtos quanto de canais, partindo também para o mundo da Internet, processo de abertura e diversificação do qual Fichman não só participou, mas ganhou experiência e construiu conhecimento.

Com circulação média anual entre 400 e 405 mil exemplares, patamar que coloca a revista como uma das principais do mercado nacional em vendas, a empresa Reader´s Digest agarrou as novas oportunidades de um mercado brasileiro em constante crescimento. Investiu na comercialização de livros e CDs exclusivos de músicas. Mas a inovação não parou por aí. Serviços inteiramente voltados aos meios digitais como conteúdos gerados de acordo com a preferência do cliente. Completando 13 anos de carreira de Reader´s Digest, Fichman conta com exclusividade à ClienteSA que, pelo fato de ter começado na área de banco de dados e passado pela área de marketing até a presidência da companhia, pôde construir uma visão completa acerca do negócio e do cliente. O segredo – ou desafio – é aproveitar as oportunidades como fonte de longevidade do negócio, exportando ou importando expertise mercadológica.

Qual foi o caminho para o senhor chegar à presidência?
Posso dizer que toda a minha formação foi fundamental para o cargo que ocupo hoje. Em Porto Alegre cursei engenharia e no Rio de Janeiro iniciei a experiência profissional no Banco Nacional, em 1994. Comecei como trainee e trabalhei com seguros até 1997, quando entrei na Seleções para a área de banco de dados. Em 2000 fui promovido para diretor de marketing, acumulando a função de gestor de atendimento ao cliente. Fiquei nessa posição até 2008, quando fui convidado a assumir a operação brasileira. Dentro da área de banco de dados é possível entender o perfil dos clientes e as tendências, mas pelo ponto de vista numérico. No entanto, a partir da convivência dia-a-dia com o cliente a percepção do emocional é que é forte. Então consegui complementar as duas visões, a macro e a micro, que considero fundamentais para gerir qualquer negócio.

Como o senhor define a empresa?
Posso dizer que nossa expertise é a venda direta. Nosso modelo de negócio é chegar às pessoas, por meio da Internet ou mala direta, com a oferta de um produto. A empresa Reader´s Digest Association, cuja matriz está em Nova York, foi fundada em 1922 pelo casal Wallace, que já naquela época percebeu o excesso de informação para as pessoas e resolveu criar uma revista com o que havia de melhor, como se fosse o primeiro clipping da história. Como as editoras não se interessaram pela proposta, De Witt Wallace tomou a iniciativa de oferecer a assinatura da revista para os contatos da lista telefônica, estratégia que fez com que a primeira edição saísse com seis mil assinantes.

E como foi o caminho das vendas pela internet?
Vejo que ao usar a Internet como ferramenta de venda o controle é muito maior por parte da empresa. No processo da mala direta existem várias barreiras. Não sabemos se a correspondência chegou ao endereço certo, se a pessoa abriu o envelope, jogou fora ou mesmo se as peças daquele material foram vistas na sequência ideal. Essa barreira já não existe na Internet, pois conseguimos saber se o e-mail foi enviado ao endereço correto, se foi lido e, além disso, controlamos o fluxo de informações para cada página. Por isso afirmo que foi uma migração natural. Levamos todos os produtos físicos para a Internet e também começamos a vender alguns deles em formato digital. O cliente pode assinar um conteúdo de 16 páginas de acordo com sua preferência e recebê-lo digitalmente por meio de flippers. No começo tínhamos dúvidas sobre a quantidade, se 16 páginas era muito pouco. Então perguntamos aos assinantes desse conteúdo digital se eles gostariam de receber mais páginas. Eles responderam que não, pois não têm tempo para ler um conteúdo ainda maior. Nossa grande surpresa foi perceber que muitas pessoas querem consumir os produtos dessa forma e pagar por esse serviço. No entanto, penso que mais importante que o canal é o conteúdo, ou seja, ter informação de qualidade de uma fonte de alta credibilidade. Apesar da oferta de informações na Internet ser gigantesca, não se pode confiar em tudo. A necessidade de receber conteúdo de qualidade deve ser priorizada. Também na Internet, lançamos recentemente alguns websites, como o celeb.com.br, com um ranking de personalidades, e o allrecipes.com.br, atualmente a maior comunidade de culinária do mundo na qual os usuários compartilham receitas.

Como as oportunidades são trabalhadas internamente?
Hoje os consumidores estão realmente mostrando seus gostos e fazendo suas escolhas. Cabe à empresa enxergar e acatar isso. O cliente tem que ter o conteúdo e a quantidade que deseja no formato em que deseja. No caso do produto informação, é a função dos editores e geradores de conteúdo, acatar, adaptar e flexibilizar essas mudanças. E não vejo isso como um segredo. O conteúdo, seja música, leitura ou vídeo, continua relevante, desde que leve aos clientes o que eles querem. Porque existem muitas empresas que pensam que somente colocar o produto no formato digital é suficiente, e restringem as escolhas dos clientes em quantidade e em formatação. Quando o cliente rejeita o serviço a empresa acha que o meio digital não funciona com ela. O SMS é mais uma extensão desse pensamento voltado ao cliente. Será uma forma do cliente não precisar mais estar conectado a um cabo ou ao desktop, preso a um lugar, para acessar o mesmo conteúdo. Então já estamos nos preparando para essas novas plataformas, pois a cada ano surge um e-reader diferente. E o que tem que ser entendido é que, independente das mudanças, o nosso negócio não muda. Muda talvez a forma de entregarmos nosso produto. É questão de ter flexibilidade de adaptação e inteligência, já que sabemos que o acesso à Internet via dispositivos móveis irá superar, em breve, o tradicional, visão fundamental para qualquer empresa que queira continuar relevante para seu cliente.

Como é a cultura de relacionamento com cliente?
Pensamos que o mais importante é entender as necessidades dos clientes. Não lançamos nada, sequer uma linha de conteúdo, sem fazer pesquisa. Porque geralmente o que queremos não é o que o cliente quer. Hoje existem canais espetaculares para ouvir o cliente, que só não funcionam se a empresa se fizer surda. Quando o cliente diz o que quer e a forma que quer, e a empresa faz exatamente isso, não tem como dar errado. É semelhante a uma equação matemática, por isso a chance do resultado fracassar é mínima. A necessidade de pesquisas prévias é muito objetiva quando, por exemplo, se trabalha com o marketing direto, no qual o cliente não tem como trocar o produto que recebeu. Se ele não gostar, provavelmente não comprará outra vez. A relação de confiança implícita é muito forte. Por isso penso que o cliente é tudo. Ele nos diz o produto que quer, o quanto aceita pagar por aquilo e o que não está funcionando direito. O cliente é o nosso guia.

Quem são os clientes da Seleções?
Pela gama de produtos que vendemos o perfil de nossos clientes acaba sendo muito variado em todos os sentidos. No entanto, quanto às tendências, posso qualificar que, no geral, é feminino, concentrado no interior do Brasil em vez das grandes capitais, está na faixa etária entre 30 e 50 anos e possui família e filhos. E nossos clientes consomem não só a revista Seleções, mas também todos os outros produtos que oferecemos, como livros, música, vídeos, produtos de catálogo, entre outros.

O senhor tem tem autonomia para desenvolver seus projetos e exportar os bem-sucedidos?
A empresa dá autonomia para que a sede de cada país crie projetos locais ou mesmo internacionais. Isso é interessante porque apesar de vivermos em um mundo globalizado, as pessoas incorporam as próprias nacionalidades e particularidades, culturalmente falando. Então temos que desenvolver produtos que sejam aderentes para o que cada um espera. A partir do momento em que se pesquisa e constata a aceitação de determinado produto, a justificativa para o investimento naquilo torna-se fácil. Essa integração de conteúdo acontece também para alguns editoriais da revista, já que temos que desenvolver conteúdos que sejam interessantes para várias subsidiárias. O conteúdo pode ter origem local desde que apresente apelo global, ou seja, para a revista brasileira, por exemplo, trazemos matérias de outros países e ao mesmo tempo relevantes para o brasileiro. E essa é uma das grandes forças da empresa. Ter essa capilaridade em tantos lugares oferece a oportunidade de absorção de ideias diferentes vindas de pessoas diferentes, o que contribui para fortalecer o conteúdo. Na música, no entanto, percebemos que a ligação local é muito mais forte do que nos livros, tanto que 50% a 60% de nossos produtos musicais são totalmente locais.

Qual o compromisso da Seleções com a exclusividade?
Utilizo os produtos de música como exemplo para discutir a respeito de exclusividade. É claro que o consumidor pode optar por comprar todos os CDs de um determinado cantor nas lojas. Mas a forma como nós selecionamos o material daquele cantor, com a sua história e outros detalhes, transforma o produto em algo único, que não se encontra no mercado. Uma das coisas que ajuda o marketing direto é criar produtos exclusivos.

Como vocês conseguiram se destacar no momento de crise?
Nossas operações sofreram com a redução do consumo, principalmente na Europa, Estados Unidos e Canadá. O nosso produto é, de certa forma, supérfluo, e se estiver forçando o orçamento familiar será mesmo cortado. Mas no Brasil não sentimos a crise. Em parte por razões macroeconômicas, pelo fato da nossa economia estar mais saudável que outras. A própria emergência da classe C tem nos ajudado muito, pois ela começa a consumir pela primeira vez um produto desse tipo. No ranking dos países, em termos de tamanho de empresa, estamos chegando ao terceiro lugar, atrás apenas da Alemanha e do Canadá, já que não nos comparamos aos Estados Unidos, que é matriz e está, obviamente, no primeiro lugar. Com isso, o ano de 2009, ápice da crise, foi o de melhor rentabilidade dos negócios da Reader´s Digest Brasil desde 1942. Isso é muito significativo e demonstra que o mercado brasileiro vem crescendo, que as pessoas querem consumir mais cultura e conteúdo o que, consequentemente, exige flexibilidade, característica forte do brasileiro. Desde muito cedo investimos na Internet, inclusive antes do restante do grupo, porque acreditamos que se tornaria um canal muito forte. Por isso tenho grande prazer em trabalhar em um ambiente no qual as pessoas gostam do que fazem e querem colaborar para fazer a empresa progredir. Os resultados alcançados contribuem para esse clima positivo. Posso dizer que os nossos problemas giram em torno apenas de como continuar crescendo, inventando coisas diferentes.

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