Por que a teoria na prática é outra?


Embora o “novo marketing” estabeleça e os gurus do relacionamento clamem todo o tempo que cada cliente precisa ser reconhecido pela empresa como único, não é bem isto que observamos no nosso dia-a-dia. A visão 360° do cliente, “pedra filosofal” do CRM, que permite a cada contato identificá-lo e entender o histórico de seu relacionamento com a empresa, se transforma, na prática, em um caleidoscópio tridimensional onde cada departamento enxerga um pedaço. A conseqüência na “hora da verdade”, seja no balcão, no check-out ou na central de atendimento, a visão normalmente é míope, limitada à função requerida naquele determinado momento. O antolho departamental  reduz o ângulo para aquilo que cada departamento consegue enxergar.

Empresas investem muito dinheiro na estruturação de cartões de fidelidade ou cartões de relacionamento. Estes têm por objetivo principal permitir que o cliente seja identificado através do número do cartão e a partir dele, em qualquer ponto de contato, a partir das informações deste cliente, ser possível tratá-lo de forma diferenciada ou compatível com as políticas de relacionamento da empresa. Mas não é o que acontece. Pelo menos no supermercado que freqüento há anos.

Há algumas semanas tive uma decepção quando li em mensagem no caixa na loja: “Prezado Cliente, a partir do dia…, aqueles que forem pagar suas contas com cheque deverão se cadastrar no balcão…”.  A tal inversão de valores, já comentada, ataca novamente. É possível que, como o número de cheques sem fundo deve ter aumentado, tenham decidido submeter todos ao procedimento de cadastramento. Assim reduzirão os problemas de fraude.

O que não esperava é que até o portador do badalado cartão de relacionamento da rede tivesse que se submeter a este procedimento.  É frustrante constatar que a rede supermercados que  ganha prêmios de atendimento ao cliente, é  reconhecida até com justiça, como preocupada em servir bem pôde cometer tamanha gafe, grosseira mesmo, no trato com um cliente que é considerado “mais”.

Um supermercado que sabe tudo sobre os hábitos de consumo, mas não pode confiar no cheque emitido pelo cliente. “É que os objetivos são diferentes e precisamos de outros dados” afirmou a gerente da loja.  O caixa pede o número do cartão e  te chama pelo nome, uma  empresa que sabe o que foi comprado, quando foi comprado e até por quanto foi comprado. Deve saber até como foi pago.  Agora se quiser pagar com cheque uma vez não pode. É necessário um novo cadastro. O cliente dito importante para a organização, que é chamado pelo nome no caixa, não tem credibilidade para passar um cheque.  E a velha explicação: “Não posso fazer nada, é exigência da empresa”.

Quem é a Empresa? A operadora de caixa, o departamento de cobrança,  o agente do call center,  o gerente da loja ou o  presidente? Quem é o Cliente? Aquele que compra regularmente e bem, que tem o cartão de relacionamento e sempre pagou ou é o potencial fraudador que precisa se cadastrar para emitir um simples cheque em caso de necessidade?

Eu, particularmente, não vejo sentido alguma empresa emitir um cartão de relacionamento para um cliente o qual não se pode garantir idoneidade. Por intenção, omissão ou confusão, algumas empresas parecem achar que são duas coisas diferentes. Isto é, marketing é marketing e cheque é cheque ainda que o cliente seja o mesmo.  E você leitor ou leitora, o que acha?

Enio Klein é diretor da K&G  e professor em cursos de MBA/Marketing da FIA/FEA – USP. (e-mail: [email protected])

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