O pioneirismo pode ter sido o grande salto empresarial há 10 anos. Mas para os incrédulos no potencial da Internet, um segmento meio sem futuro. Talvez para quem gosta de planejar o negócio baseado em benchmarking. A explosão do mercado, porém, mostrou o quanto os gaúchos Fernando Madeira e Paulo Castro estavam no caminho certo, partindo de sua base e expandindo com parceiros por várias regiões do Brasil até transformar a Nutecnet (lançado em agosto de 1995, em Porto Alegre) no primeiro grande provedor do País, o ZAZ, na época visto (ainda) com foco regional. Mas a grande explosão do negócio foi com o interesse e entrada da espanhola Telefônica no negócio, há sete anos, para consolidar um planejamento mundial. Hoje, com cerca de 2 milhões de assinantes (20 milhões de visitantes únicos por mês), eles têm boas estórias e muitas histórias para contar. Aliás, que se misturam com a consolidação (explosiva) do mercado de Internet no País como fonte de business, entretenimento, cultura reunindo classes sociais, religião e credo, por suas mais variadas regiões. Nesta entrevista exclusiva, Paulo Castro, que assumiu a direção geral da empresa no Brasil, enquanto Fernando passou a comandar a operação latino-americana, conta a trajetória da companhia e o que case que, hoje, virou benchmarking obrigatório, até chegar à liderança do mercado.
Há consenso de que as empresas atendem melhor o cliente hoje do que há 20 anos. Você creditaria isso mais em função do Código de Defesa do Consumidor, da maior exigência do próprio consumidor ou de uma nova visão empresarial?
Acho que é em função desses e outros fatores interligados. Primeiro é o fato de haver hoje mais abertura, mais disponibilidade de informação. Em segundo, um cenário de maior competitividade. Ou seja, o Brasil se abriu mais para os mercados em geral e isso trouxe novas empresas com uma cultura de maior atenção ao cliente. Naturalmente, mesmo os competidores brasileiros locais irão se adaptar e estimular os clientes a conhecer uma nova forma de atendimento. Pela própria história do Brasil, não creditaria a um simples código tudo isso. Porque no Brasil há leis que “pegam” e leis que “não pegam”. O código em si não faria toda essa transformação, pois é somente um dos elementos. Uma legislação que apóie o consumidor é um fator que joga mais na relação daqueles que não estariam – do ponto de vista da competição e da atenção ao cliente – dispostos a entrar, e se vêem obrigados pela lei. Mas acho que o movimento se iniciou antes disso. Começou em função das pessoas estarem mais informadas e pela existência de novas empresas atuando no mercado brasileiro. Aquelas já traziam isso como prática. Então, o código vem consolidar essa cultura.
Como você vê a atuação do Terra Brasil inserido nesse novo cenário?
O Terra é uma modalidade de empresa que nasceu – se contarmos com a época do ZAZ – há 10 anos. Como Terra, existe há 7 anos. A empresa já surgiu dentro de uma realidade em que o canal de relacionamento com o cliente é muito mais virtual do que baseado em presença física. Não temos lojas. A nossa preocupação em atender bem o consumidor, com qualidade e agilidade no atendimento – por meio de callcenter ou Internet -, é vital, pois esta é a tangibilidade que o cliente possui do Terra.
A Internet começou a adquirir importância para os negócios há uns 10 anos e isso representou um novo mundo. Diante disso, já que no comércio eletrônico não foi possível um benchmark, para se obter informações do cliente e se planejar, como foi a evolução desse relacionamento?
Esse foi um ponto complicado. Procuramos olhar algumas empresas de serviços que tivessem atuações mais próximas às nossas. Como uma empresa de cartão de crédito ou uma companhia aérea, por exemplo. Apesar de não possuírem a mesma dificuldade que a nossa, a ausência de um ponto físico, elas necessitam muito do atendimento à distância como parte do seu dia-a-dia. A empresa de cartão, pela mobilidade, muitas vezes precisa contatar o cliente onde este estiver para conferir se ele realmente fez aquela transação, para alertar sobre problemas de segurança, etc. Poucas vezes a pessoa que usa o cartão do crédito precisa ir até uma loja física da empresa, pois existe também um pouco desse relacionamento virtual. Já na área de companhias aéreas, por ser um serviço de que nos utilizamos em diversos locais, as empresas também se valem muito do relacionamento à distância. Por outro lado, a nossa indústria acabou sendo uma área de serviços com números bastante significativos. Hoje o Terra tem, no Brasil, cerca de 2 milhões de assinantes. Poucas empresas na área de serviços em geral atingiram esse número. Exceto as companhias telefônicas e as de algumas outras aéreas como fornecimento de eletricidade, etc. O que requer também uma estruturação da capacidade e agilidade de atendimento muito grande. Então, tivemos que construir nosso próprio modelo, que desde o primeiro momento acabou sendo um modelo de atendimento multicanal. Ou seja, tentando fazer com que o cliente tivesse o mesmo tipo de resposta se entrasse em contato via e-mail, se ligasse para o nosso callcenter ou se entrasse no chat on-line. Esse também foi um grande desafio. Hoje diversas empresas fazem isso, mas fomos uma das primeiras empresas em condições de atender o cliente dessa forma. Muitos de nossos atendentes possuem essa habilidade para responder através de diversos canais.
Quais os fatores que mais contribuíram para o salto que transformou o Terra Brasil na empresa que é hoje. Foi através de muita pesquisa, muito investimento?
É uma combinação dos dois fatores. Ouvimos muito o cliente. O fato de sermos uma empresa de Internet ajuda. Pois utilizamos o canal on-line para fazer pesquisas. Também usamos o callcenter, pois traz agilidade. Recordo-me de uma situação, quando lançamos o produto VoIP. Precisávamos mapear rapidamente a disponibilidade de equipamentos de fones de ouvido e microfone nos computadores dos clientes. E conseguimos isso muito rápido. Abrimos isso no callcenter e na Internet e, em dois ou três dias. já tínhamos uma amostragem fantástica. Simplesmente colocando essa pergunta no script de relacionamento com o cliente. Trabalhamos com muitas pesquisas orientadas, sobre diversos aspectos. Por exemplo, novos produtos, como o cliente consegue encontrar informações dentro do Terra, qual é a melhor maneira de apresentar os serviços, etc.
Esse foi o caminho para a liderança no mercado?
Para conquistar essa liderança no mercado de Internet no Brasil, pudemos contar com outros fatores importantes. Um deles foi o advento da banda larga. Fomos a primeira a apostar fortemente na virada para em favor dessa tecnologia. Em 2000 desenvolvemos alianças e começaram a haver serviços específicos para clientes que utilizassem banda larga. Naquela época, nos tachavam de malucos – “esse mercado é muito pequeno”, diziam. Mas sabíamos que iria crescer de forma anormal, e foi o que aconteceu. Nos últimos 5 ou 6 anos, esse mercado tem-se expandido sempre em taxas acima de 30% a 40%. Tivemos a dianteira desse processo. Investimos para fazer isso, porque compreendemos que era um movimento que iria acontecer. Era algo que interessava aos clientes, pois mudava, para muito melhor, a forma de se navegar na Internet. E, com isso, conquistamos a liderança no mercado de Internet no Brasil.
O Terra Brasil vem de uma experiência de haver nascido local, virou líder regional e depois se transformou em uma empresa líder no mercado nacional. Mas hoje faz parte de uma organização global…
Sim, hoje fazemos parte de uma empresa global. Na verdade, sou da equipe original da empresa que montou um provedor de acesso chamado Nutecnet, lançado em agosto de 1995, em Porto Alegre e São Paulo. Era uma empresa pequena que resolveu montar um modelo de franquias. E rapidamente conquistou uma dezena de franqueados. Em março de 1996, já era líder de Internet no Brasil, pois oferecia serviços em 14 cidades do País, além das duas originais. Algumas pessoas me perguntavam: “Como vocês elegem as cidades para onde a empresa vai, pois o portfólio é estranho”. E eu respondia que fazemos a escolha baseados nos empreendedores que nos procuram. Somente em algumas cidades tivemos que buscar empreendedores interessados. Então, primeiro tínhamos a liderança regional e depois conquistamos liderança na região Sul e Centro-Oeste. Esse modelo de franquia durou até o final de 1999, quando a empresa foi adquirida pelo Grupo Telefônica e mudou-se o nome de ZAZ para Terra.
Quem foram os fundadores?
Os fundadores já não estão mais na companhia. Foram Marcelo Lacerda e Sergio Pretto, e eu entrei logo depois. Quando eles fundaram a empresa, ela estava voltada ao desenvolvimento de software e, depois, redes de computadores. Logo em seguida aconteceu esse boom da Internet e, como tínhamos todas as competências para fazer isso, enxergamos essa oportunidade, que era realmente um mercado novo. Naquela época, em 1993, tínhamos uma filial na Califórnia, em Mountain View, o berço do que estava acontecendo em termos de Internet. Vimos esse movimento acontecer. Vimos a Internet saindo de um mercado acadêmico e indo para as pequenas e grandes empresas e para as residências. Estavam sendo criados o primeiro browser, as primeiras habilitações de e-mail. Participamos de vários capítulos. Éramos uma empresa de consultoria. Demos consultoria para a Mandic, por exemplo. Importamos dos Estados Unidos o software que a Embratel, ainda estatal, usou no projeto piloto de Internet. Era o primeiro software desse tipo no Brasil. Depois fizemos uma parceria com a Netscape, representando no Brasil as soluções da empresa. E também fizemos o primeiro projeto de Internet da Abril, que foi o Brasil On-line. Após estes capítulos iniciais, enxergamos a oportunidade de ser um provedor de serviços da Internet (ISP).
Vocês imaginavam onde poderiam chegar?
Tínhamos, desde o início, a intenção de sermos líder desse mercado. Obviamente não imaginávamos tudo o que decorreu dali em diante. Foi uma história interessante, com vários capítulos. O primeiro foi esse de lançar uma franquia e ter 120 cidades atendidas no Brasil. Mas o mapa inicial que a gente tinha sobre o que iria ocorrer com a Internet, sem ser pretensioso, era muito parecido com o que realmente aconteceu. Tínhamos no mapa a presença das grandes empresas de comunicação que, sentíamos, seria uma obrigação estarem na Internet. Porque a rede mundial iria se constituir numa nova vida. Entendíamos que grandes empresas de Telecom seriam provedores, ou iriam de alguma forma participar. Porque era o veículo de mídia que iria ocupar tempo das pessoas.
Você falou de dois segmentos que precisam estar na Internet: o Telecom e as mídias. Só que isso tende a se juntar…
Sim. Hoje o que está acontecendo é uma convergência e, para mim, o exemplo vivo da convergência é o que faz a Internet hoje. Uma empresa como o Terra tem TV, rádio, música, uma espécie de jornal, VoIP, e outros fatores que outras mídias nunca puderam oferecer em termos de interatividade. Por outro lado, as empresas de comunicação foram se transformando. A Internet tornou-se o braço de interatividade de todas as empresas. A revista e o jornal já não possuem mais cartas do leitor, possuem e-mail do leitor. Nas rádios, você ouve “mande um e-mail para participar da nossa promoção”, na TV, nos intervalos dos jogos “entre e vote quem é o melhor jogador”. A Internet já foi responsável por uma modificação nos padrões de comportamento das mídias, e o que vai acontecer daqui pra frente é essa convergência cada vez maior.
E a experiência de ser global?
O Terra hoje é a maior empresa de Internet do Brasil, o maior provedor de banda larga. E também líder na América Latina onde atuamos em 18 países. Desde a Argentina até o mercado americano focado nos US Hispânicos. Entretanto, acho que uma das coisas que fizemos bem até hoje foi não ter perdido o vínculo local. Somos uma empresa global, mas que tem uma forte amarração local. Seja do ponto de vista do conteúdo, seja do ponto de vista da presença local – o atendimento aos clientes de forma local. Acho que é um erro de algumas empresas serem globais por completo. Tentar passar uma determinada filosofia, produtos ou mensagens sem se adaptar às realidades locais, não dá certo. Estamos falando no Brasil com 20 milhões de visitantes únicos, e não tem como ser global, no sentido de tentar ter uma única mensagem para o mundo inteiro.
É preciso conhecer bem os clientes de cada local…
Exato. Preciso entender o que esses 20 milhões de usuários querem. Que é diferente do que aqueles 8 milhões desejam na Argentina, que é diferente daqueles outros tantos milhões que usam no México, no Peru ou no Chile. Algumas coisas são comuns, e a gente consegue produzir muita coisa de forma global ou regional, no sentido da América Latina. Por outro lado, tem muita coisa que tem de ser fortemente localizada. Hoje essa presença global, pelo menos pan-regional, envolvendo o Brasil, a Argentina, até os Estados Unidos. Para nós é muito importante, pois somos a empresa responsável por boa parte dos serviços e produtos utilizados nos outros países. Hoje os dois pontos mais importantes para o Terra são o Brasil e os Estados Unidos. São os dois pontos a partir dos quais a gente oferece nossos serviços para os outros países. Mas sempre com essa preocupação de personalizar a mensagem e os serviços, mas aproveitando essa escala que sempre uma das regionais nos dá.
Quais são os principais canais de relacionamento?
Nosso relacionamento com clientes se dá através do callcenter, ativo e receptivo, e Internet – chat e e-mail. Hoje respondemos cerca de 8 milhões de contatos por ano. Mas o principal canal é o callcenter, que atende praticamente dois terços dos usuários. Em seguida vem o e-mail e, por último, o chat.
Você se utiliza de marketing direto?
Utilizamos cerca de 8 a 10 milhões de contatos manuais via mala-direta, para o envio de extratos de cobrança.
O callcenter é interno ou terceirizado?
É todo terceirizado. No total são 1.500 posições de atendimento, 5 mil profissionais, além de uma equipe do Terra que apóia e ajuda a treinar. A maior parte está na Atento, e o restante com a Teletec e Uranet. São operações de in-bound, e temos vários segmentos. Uma das áreas de atuação é o Terra Empresas, área dedicada a pequenas e médias empresas, com cerca de 200 mil clientes, em que oferecemos serviços de hospedagem, registro de domínio, acesso e segurança para pequenas empresas. Essa área tem um callcenter próprio, especializado, pois, apesar da marca ser a mesma, é uma linguagem um pouco diferente. A área de cobrança também possui atuação diferenciada. E suporte e atendimento no sentido mais amplo. O suporte acaba até sendo uma especificidade do atendimento, pois existe muita tecnologia no nosso produto. Além disso, utilizamos o ativo para angariar clientes ou promover vendas.
Como evidentemente as abordagens são muito distintas, desde produtos para crianças até empresas, existe uma percepção de foco de cliente?
Para estes dois casos sim. Residencial, físico e jurídico são separados. Fazemos um trabalho de segmentação e identificamos o cliente que nos chama e, a partir daí, temos propostas diferenciadas, seja de mensagens ou serviços a oferecer, ou a forma de venda. O portfólio de serviços e conteúdo é muito grande. Existem desde parcerias que temos com a Disney, por exemplo, de conteúdo para crianças, até parcerias de conteúdo adulto, como o produto Almas Gêmeas, para as pessoas poderem se conhecer. Há produtos para cada perfil, para cada segmento. Então, temos o desafio de identificar, segmentar e fazer a oferta direcionada.
Qual a percepção que você acha que o cliente tem do Terra?
Nos últimos dois anos, temos conseguido passar algumas percepções que são importantes para nós. A primeira delas é a liderança. Os clientes gostam de estar associados a empresas líderes. Isso faz parte. Essa é uma mensagem importante e a gente tem passado. Uma outra mensagem importante, e da qual temos recebido feedback bastante positivo, é a campanha “Qual é a sua”. A proposta é obter respostas de diferentes necessidades dos clientes. Porque a Internet não é uma só, ela é constituída de diversas tribos que tem propósitos distintos. Há pessoas na Internet para consumir conteúdo de esportes, há as que querem ouvir música, as que desejam jogar on-line, assim como outras que usam o e-mail para produtividade, etc. Isso é um desafio enorme, porque precisamos ouvir o que os clientes querem e agir de forma muito rápida. Praticamente 40% do nosso time de 520 profissionais no Brasil se dedicam ao desenvolvimento de produtos e conteúdos.
Quais as tendências para esse mercado num futuro próximo?
Alguns pontos definem a situação atual da Internet e também o rumo que ela vai tomar. Um deles é a banda larga. Porque, por mais que haja restrições econômicas, vamos ter mais gente com banda larga. Ou seja, se antes eu tinha um acesso de 300k, depois isso vira 600k, 1MG, 2MG e assim por diante. Flexibilizando a participação de mais e mais pessoas. Um outro fator fundamental, e temos trabalhado muito nele, são os multidispositivos. Se antes a Internet era direcionada a apenas um computador, com linha discada, hoje é direcionada também a um aparelho de celular, e pode ser acessada por meio de um console de videogame, por exemplo. É possível baixar conteúdos em MP3 ou em iPod…Em resumo, a Internet não é mais unidispositivo, ela é multidispositivo, multiplataforma. Outro ponto importante é o conteúdo multimídia que tende a crescer cada vez mais e, por último, é a intervenção do usuário nessa criação de conteúdo. A Internet começou como meio de comunicação entre usuários e as formas de transmitir essas informações está cada vez mais sofisticada. Os usuários não intervêm mais somente com textos, mas também com música, com vídeos. Existem cada vez mais usuários com capacidade de captação de áudio e vídeo com qualidade e canais para colocarem disponível. E passa a ser um conteúdo de comunidades, ou até mesmo que acaba fazendo parte dos veículos de comunicação, dos grandes portais. Lançamos em fevereiro do ano passado um produto chamado Você Repórter, que hoje tem dezenas de contribuições diárias. Eventos como esse do acidente do metrô, inundações ou violência… Os usuários são, em última análise, os braços da mídia. Estão trazendo para nós imagem, textos, vídeos, sobre o que está acontecendo aí fora, com tanta qualidade e oportunidade que passa a ser parte do conteúdo do portal.