A preocupação de um call center sempre foi o cliente. O melhor atendimento estava acima de tudo. Com isso, as condições de trabalho dos operadores nem sempre eram tão valorizadas por algumas empresas. Porém, há sete anos, isso mudou com o acréscimo do Anexo II na Norma Regulamentadora 17, que trata das relações entre funcionário e ambiente de trabalho. Em 2007, o Ministério do Trabalho e Emprego, MTE, estipulou normas para regulamentar o trabalho nos call centers, tanto das empresas especializadas quanto das que possuem operação própria. Específico para o setor, o anexo propõe, por exemplo, jornada de seis horas em vez de oito, pausas em dois períodos de dez minutos contínuos fora do local de trabalho, cadeira adequada ao tamanho do funcionário, entre outros pontos. Tudo isso visando melhores condições para um serviço até certo ponto desgastante, o qual pode acarretar uma série de problemas ao colaborador e, consequentemente, à empresa. Mas o que efetivamente de positivo as novas regras acarretaram para a atividade? Como toda padronização, o Anexo II foi importante para diminuir a dicotomia quanto à aplicabilidade de norma no setor, na opinião de Jeferson Seidler, auditor-fiscal do trabalho e coordenador-geral de fiscalização e projetos do MTE. “Temos observado melhorias ambientais, com a adequação do mobiliário e equipamentos. Além disso, a introdução de pausas obrigatórias, já aplicadas em boa parte dos estabelecimentos, com certeza reduz significativamente o risco de adoecimento dos trabalhadores”, afirma.
Também é possível destacar a mudança fundamental em dois aspectos importantíssimos para o setor: produtividade e gestão, como esclarece Majo Martinez Campos, diretora executiva de recursos humanos da Atento. “Notamos o aumento da produtividade devido ao maior grau de satisfação dos funcionários com um ambiente adequado às necessidades ergométricas, o que reduz as doenças funcionais e as suas consequências no quadro de funcionários. E também na gestão, principalmente, por alterar a carga horária para seis horas diárias e 36 horas semanais”, destaca.
A regra colaborou ainda para nivelar o sistema de trabalho nas empresas, na visão de Rogério de Castro Nunes, diretor de relacionamento com o cliente da Gol Lilnhas Aéreas. “A legislação contribui para que esse cuidado não seja uma opção de uma ou outra empresa, mas uma prática efetiva de todo o setor de teleatendimento. Assim, todos ganham com isso”, completa. Nesse sentido, Jarbas Nogueira, presidente da ABT, Associação Brasileira de Telesserviços, reforça que, na medida em que todos precisam trabalhar da mesma forma, existe uma maior padronização e poder de comparação entre as estruturas das diversas empresas. “Ainda existem diferenças significativas em muitos casos, mas a tendência é de uniformizar”, avalia.
Mais do que isso, as regras ajudaram a valorizar todo o mercado de call center. Afinal, os olhos foram voltados para um setor que antes pouco se falava em normas de trabalho. “O Anexo II mostrou que esse é um segmento importante e que merece atenção especial, cabendo-lhe, portanto, possuir uma regulamentação exclusiva”, afirma Cláudia Pires, diretora do Sim 24h do Grupo Segurador BB Mapfre. Cláudia vai além e destaca a importância para a saúde dos colaboradores. “Com a saúde em dia, o colaborador trabalha com mais satisfação e reduz as suas ausências motivadas por problemas médicos. O resultado disso é um absenteísmo menor e uma melhora na produtividade.”
PROBLEMAS
Sete anos é um tempo razoável para uma empresa se adequar às novas regras. Para as que já respeitavam o funcionário, as dificuldades foram baixas. Mas àquelas que se preocupavam mais com as questões externas do que as internas demoraram um pouco para assimilar e acabaram pagando por isso. Nesse período, foram cerca de 2.852 autuações, segundo o MTE. O valor das multas varia de acordo com o grau da infração e o tamanho da empresa. “É preciso considerar ainda que, apesar de cada auto de infração gerar uma multa administrativa, a empresa pode entrar com defesa contra o auto de infração. Isso faz com que os processos tenham tempos diferentes de conclusão, dificultando o acompanhamento”, explica Seidler.
Um dos dez itens (ver box) que mais rendem autuações é o fato do monitor de vídeo e o teclado não estarem no local correto, segundo dados da SFIT, Sistema Federal de Inspeção do Trabalho. Outro entrave desde o surgimento das regras é a conscientização das empresas de que são normas cogentes. Sendo assim, não há “jeitinho brasileiro” que faça a empresa deixar de cumprir o Anexo II. “Outro aspecto importante é que, inicialmente, a norma foi vista apenas como mais um dispositivo legal para aumentar o custo das empresas. Esse é um fato inegável e os impactos sofridos foram percebidos com intensidades diferentes”, afirma Emílio Guimarães Oliveira, CEO da Virtual Connection.
Outros pontos destacados como problemático pelas empresas no Anexo II envolve a mobília. Tudo, das cadeiras até o teclado, tem um padrão previsto pela norma. Os assentos, por exemplo, devem ter apoio em cinco pés e as superfícies onde ocorre contato corporal devem ser estofadas e revestidas de material que permita a transpiração normal do corpo. Tais regras tão minuciosas foram um dos principais entraves no cumprimento das normas, pelo menos no começo. “A normativa entraria em vigor a partir de 90 dias após sua publicação e as empresas tinham que ter, pelo menos no primeiro, 10% da adaptação mobiliária concluída”, comenta Majo.
A Gol não passou por tantas dificuldades, mas Nunes conta que encontrou desafios para adequar as novas regras ao sistema de trabalho do call center da empresa, pois parte dos funcionários trabalham no sistema home office, chamado na empresa de home based. “Nosso maior desafio é conscientizar os colaboradores da importância de que o Anexo II da NR-17 seja seguida, inclusive quando trabalha-se em casa”, pondera Nunes. Para evitar eventuais transtornos, o funcionário deve assinar um contrato se comprometendo a respeitar as novas regras. Além disso, a empresa visita regularmente os seus colaboradores para ver se realmente estão cumprindo o combinado.
DE OLHO NO FUTURO
Foram sete anos de clara evolução no setor. O Anexo II do NR-17 foi importante para ajudar o mercado de call center crescer. Afinal, quando tudo está bem internamente, a empresa evolui externamente. Porém, os empresários apontam certas regras que poderiam ser mudadas. “Alguns aspectos cobrados na norma ainda comportam entendimentos diversos, ou são muito genéricos, o que torna difícil sua aplicabilidade”, diz Emílio. Outro fator destacado é a questão da escala dos fins de semana, como atenta Cláudia Pires, do BB Mapfre. “Os níveis de flexibilidade de escalas precisam ter limites conhecidos, pois isso afeta diretamente a vida do colaborador fora da empresa”, disse.
A tecnologia muda de um ano para outro de maneira considerável. Em sete, então, a mudança é bem maior. Para o presidente da ABT, é necessária uma revisão da norma. “Os novos monitores de tela plana, por exemplo, não eram uma realidade a época da edição da lei”, exemplificou Nogueira. Da mesma forma, ele aponta a necessidade de uniformizar o entendimento da fiscalização a respeito da lei nos diferentes estados da federação.
Porém, para o horizonte ser cada vez mais vistoso, é necessário maior comprometimento das empresas, pelo menos na opinião de Airton Marinho da Silva, auditor-fiscal do trabalho do MTE e participante do grupo que elaborou o Anexo II da NR -17. “Identificamos empresas que aparentam cumprir a norma, mas não resistem a uma análise mais detida. As questões relativas à organização do trabalho, cobrança de metas, entre outras, ainda são um sério risco de adoecimento no setor”, alerta Marinho. Muita se evoluiu, mas ainda há muito a fazer para o setor continuar crescendo. As normas ajudaram nisso nesses sete anos e tendem a auxiliar mais no passar do tempo. E as empresas, claro, só tendem a ganhar. “Um bom ambiente de trabalho traz sucesso para o empreendimento seja qual for o ramo de atividade”, resume Paulo César Corrêa, diretor de recursos humanos da CSU CardSystem.