Empresa de telemarketing. Essa expressão apavora. As empresas tentaram de todas as maneiras desaparecer com ela. Tentou-se mudar para empresas de call Center, contact center, telesservicos e, agora, já se fala em BPO de voz.
Mas o que tenho me perguntado é: temos vergonha do quê? Do nome, ou da atividade? Mudar o nome vai alterar alguma coisa, ou todos continuarão com vergonha de trabalhar em BPOs de voz (ou seja, em empresas de telemarketing), apenas por falta de opção, ou por movimentar valores financeiros muito altos?
Por que tantos profissionais nesse setor não querem se identificar como quem trabalha em uma empresa de telemarketing? Quando converso com os profissionais do setor, na maioria das vezes percebo o cuidado que muitos têm em afirmar: “minha empresa não faz telemarketing, somos uma empresa de contact center, somos uma empresa de BPO ou uma empresa de Tecnologia da Informação”.
Mas isso não se restringe às empresas. Muitos daqueles que vivem, se sustentam, crescem e ganham dinheiro em volta das empresas de telemarketing (associações, revistas, agências, empresas de TI etc.) também demonstram vergonha, apesar de, com freqüência, extraírem 99% de sua receita do setor.
Vergonha do que? Sabemos que essas empresas são responsáveis por centenas de milhares de empregos. Sabemos que dezenas – talvez, centenas – de milhões de dólares são investidos todos os anos por essas empresas para manter o que há de melhor em tecnologia.
Mas, apesar disso tudo, muitos demonstram vergonha de trabalhar em uma empresa de telemarketing.
Vergonha do que? Se as lideranças têm vergonha da atividade em que estão, qual é a chance de jovens talentos serem atraídos para essas empresas? Qual é a chance de termos um conjunto de grandes profissionais que pensem o futuro da atividade, se todos querem sair o mais rápido possível do setor, uma vez que têm vergonha de contar aos amigos aonde trabalham?
Como podemos falar em futuro da atividade, em melhores práticas ou em desenvolvimento do setor, se não tivermos como oferecer aos grandes talentos algo de que se orgulhem e lhes dê motivos para permanecer no segmento por muito tempo?
Há uma reflexão feita por Michael Porter: as pessoas não cuidam (sequer lavam) carros alugados, pois ninguém coloca o coração naquilo que não será seu por muito tempo.
Quando comparo os profissionais dessas empresas com os de outros setores vejo pessoas altamente capacitadas; vejo profissionais que, quando mudam de setor, se destacam muito, uma vez que foram preparados a lidar com orçamentos reduzidos, prazos muito curtos, volatilidade e muita pressão. Mas que, ainda assim, criaram processos que funcionam, desenvolvem tecnologia de ponta. E tudo isso com pouquíssima margem para erro.
Estejam em operações de vendas, atendimento ou cobrança, os profissionais em telemarketing são avaliados diariamente; situações não-planejadas acontecem a todo o momento e esse pessoal aprende a lidar com essa realidade. Até porque os acertos do passado nunca significam nenhum tipo de crédito para erros futuros. E qualquer erro muitas vezes é motivo para se lembrar – com peso – o setor em que estamos.
Talvez essa seja a realidade de vários outros segmentos econômicos, mas, realmente, vejo no dia-a-dia dos profissionais das empresas de telemarketing (chame o leitor de contact center ou BPO de voz, se preferir) que essas características são muito fortes.
O fato é que, por todos os motivos já citados, esse setor forma grandes profissionais. Profissionais forjados no fogo.
Então, vergonha do quê?
Talvez a vergonha seja causada pelo desrespeito com que os profissionais do setor são tratados pela mídia e, muitas vezes, pelas próprias empresas. Uma vez ouvi de uma empresa que terceiriza seus serviços que “não existe inteligência dentro das empresas prestadoras de serviços de telemarketing”.
Como uma empresa pode terceirizar a atividade de relacionamento com o cliente quando afirma algo tão absurdo?
Mas a minha resposta é que, para sorte dessa empresa, a afirmação é absurda. Sim, porque não vi apenas muita inteligência e muito preparo técnico em várias empresas de telemarketing; vi profissionais capazes de entregar alta performance e excelentes serviços, mesmo tendo prazos muito apertados e orçamentos muito pequenos.
Mas me pergunto como as empresas que precisam ter cada vez mais foco no relacionamento com o cliente vão continuar a manter esse tipo de relacionamento com as empresas que contratam, afirmando, muitas vezes, que precisam fazer a gestão, pois “não há inteligência nas empresas”? E que só precisam da mão-de-obra barata e da tecnologia abundante e rápida. Como é que as empresas pretendem melhorar a fidelização de seus clientes não se preocupando com o fato de os profissionais que trabalham nas empresas contratadas não terem orgulho de fazerem o que fazem?
A terceirização de atividades que não são o core business de uma empresa é um caminho sem volta no mundo. E, por isso, precisamos repensar o que vem acontecendo. Acontece que a terceirização deve ser buscada por conta da melhoria da qualidade e, também, da redução do custo do serviço. Mas isso deve acontecer por meio da especialização. Muitas empresas buscam, com a terceirização, transferir práticas que não querem dentro de casa: terceirizar baixos salários, terceirizar práticas, digamos, heterodoxas, terceirizar metas impossíveis de serem batidas…
De quem é a responsabilidade? Das empresas que impõem preços cada vez menores pela força que têm (se você não fizer por esse preço, outra empresa fará) e tratam as lideranças das prestadoras de serviços, muitas vezes, com desrespeito? Ou, ainda, das empresas prestadoras de serviços que aceitam os preços cada vez menores e a condição de meros fornecedores de mão-de-obra barata, pois precisam (ou se sentem forçadas) a manter o crescimento “histórico” de 20% ao ano?
Naturalmente, a responsabilidade é de cada um de nós, que, de alguma maneira, estamos envolvidos na atividade. E o ponto que interessa é: o que faremos?
Particularmente, tenho muito orgulho de haver trabalhado 11 anos em uma empresa de telemarketing (quer dizer, uma empresa de contact center…) e de estar nesse setor há quase 17 anos. Entretanto, hoje sinto preocupação quando olho para o futuro. Mas sobre isso, falarei em um próximo artigo.Alessandro Goulart é presidente da Softway. E-mail: [email protected]