Aviões, nozes e relacionamento

Autor: Leonardo Barci
As pessoas normalmente contam histórias ou situações dentro de sua própria realidade. É algo meio inevitável. Se você assiste a todos os capítulos de uma determinada novela ou seriado diariamente, e isto consome muito do seu tempo, seja qual for a roda de conversa, é provável que você traga à tona o atual estágio do enredo. No meu caso, o tema que preenche boa parte da minha semana são viagens. Seja qual o for o seu tema de conhecimento, quanto mais você está dentro dele, mais compreende sobre aquilo e maior a chance de começar a notar pequenas variações na rotina.
Foi mais ou menos uma pequena variação nesta rotina que me chamou a atenção em uma das viagens para casa. Reparei que algo estava errado. Difícil de colocar em palavras ou explicar em um texto, mas foi aquela sensação ao colocar o pé no avião e perceber que alguma coisa não estava exatamente como deveria. A proposta da companhia que viajei é de um diferencial de cordialidade e simpatia. O sinal seguinte não foi mais apenas uma percepção. Entre a decolagem e o serviço de bordo dormi um pouco. Acordei com a moça servindo alguns snacks. Vi que entre as cinco ou seis costumeiras opções, havia apenas uma. Peguei um dos snacks e a moça se foi e uma sede teimou a permanecer na minha poltrona. Pelo sinal de comissária, chamei alguém para pedir um copo de agua. A resposta dela foi tão inusitada quanto imprevisível: “Mas já não serviram o senhor?”.
A viagem estava chegando ao fim, mas algo continuava a me incomodar. Fui a última pessoa a descer do avião e ao chegar ao final da escada já havia quase 10 pessoas olhando para o ônibus que nos levaria até o terminal, perguntando-se como caberiam todos em um local que já estava lotado. Entre o “Aperta aí dentro” e o “É melhor os senhores entrarem porque este é o único ônibus para o terminal”, o transporte saiu entre a sua capacidade máxima e mais um pouco. Refleti sobre o que estava errado naquela viajem e me dei conta de que havia sido a passagem mais barata que já comprei. Lembrei-me também que seguidamente este preço vem sendo oferecido por esta companhia e também por alguns concorrentes neste mesmo horário. 
Percebi, naquele momento, a minha responsabilidade nesta história e até “inocência” em achar que o preço não iria impactar a qualidade do serviço. Fui um pouco além e pude perceber que uma decisão quando tomada de forma unilateral pode prejudicar a todos. Ficou óbvio que para que a conta fechasse, os custos precisaram ser cortados em todos os locais. Em algum lugar, alguém como uma planilha deve ter feito a conta: “Bom, são 89 passageiros neste voo. No ônibus cabem 90, então, basta pedir para equipe de solo apenas um transporte e estamos resolvidos. Menos gastos! – a verdade é que no Brasil os passageiros têm o costume de levar muita bagagem na mão. Então a capacidade para 90 pessoas + bagagens de mão é algo bastante diferente; “Se colocarmos uma única opção de lanche, teremos o efeito dominó onde menos gente pede e menos lanches no total são servidos”; “Como este é um voo de horário de baixa circulação no aeroporto, vamos utilizar menos pessoas e o embarque pode ser mais lento mas isto não interfere na agenda do dia”; “Damos uma apertada para um tempo de solo ser menor e conseguimos fazer mais voos com a mesma aeronave; “Pronto, a conta fecha!”
Fazendo uma conta rápida, o aumento no número de passageiros gera um faturamento maior e um caixa rápido extra para a companhia. O “freio” nisto é que a quantidade de aeronaves que permanece a mesma bem como o número de profissionais. Olhando para os funcionários desta companhia como seres humanos, percebo que a carga extra de trabalho fez naturalmente a simpatia e cordialidade serem deixadas de lado. Uma coisa é atender a alguns voos lotados, outra bem diferente é transformar isto na rotina diária. Vi com certa clareza algo que, como profissional de marketing e relacionamento, trouxe-me alguma tristeza. Este é um daqueles momentos onde gerar mais lucro se torna mais importante do que se ater à missão e propósito da empresa. Minha visão sobre tudo isto é que o cliente ficou de fora da análise. Ninguém contou para os passageiros qual seria o impacto de uma passagem tão barata.
Ao desembarcar, tive a oportunidade de uma experiência bastante diversa. Se você viaja com frequência, já deve ter notado que nos principais aeroportos existem uns carrinhos que vendem umas nozes que tem um cheiro delicioso. Minha esposa gosta muito e, sempre que tenho oportunidade levo um pacote para ela. Mas, naquele dia resolvi levar também um para mim. Como é de costume a moça me perguntou se eu queria levar um pacote maior. Já desisti de contar que minha esposa adora estas nozes, mas também fica atenta ao seu peso, então ela sempre me pede para levar um pacote pequeno.
Eu estava levando dois pacotes de R$ 13 por 100g de nozes, o que ao final custaria R$ 26 por 200g. Nesta oportunidade, porém, a oferta foi diferente. A moça disse: O senhor não quer levar um único pacote de R$ 25 com 250g? Por algum motivo aquilo me chamou a atenção. Uma coisa é oferecer um pacote maior de R$ 16 para 130g. O princípio por traz disto é que o estabelecimento aumenta seu faturamento e ainda assim preserva sua margem. Neste caso, porém, ela estava me oferecendo algo que iria diminuir o faturamento e a margem da loja.
Neste momento um novo estalo: “Esta empresa está verdadeiramente olhando para os clientes”. A atitude é singela, mas mostra plena atenção. A moça viu o que eu estou comprando. Ela sabe quanto eu irei levar e está me oferecendo algo melhor para mim como cliente, ainda que isto sacrifique pontualmente o faturamento desta compra. Com estes dois exemplos quis trazer à tona a visão de que um bom relacionamento com clientes não é algo de outro mundo e que atitudes simples quando incluímos o cliente podem gerar bons frutos para todos.
Leonardo Barci é sócio e presidente da agência YouDb e autor do livro “Mind the gap – porque o relacionamento com os clientes vem antes do marketing”

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