Cresce mas não se multiplica



No último dia 11 de setembro o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor completou vinte anos de existência.  Ao ser promulgada, a Lei nº 8.078 era o que havia de mais moderno na legislação em relação aos direitos do consumidor. A Lei, no entanto, não teve o efeito esperado, talvez por não ter sido entendida como instrumento de formação de cultura e somente como um conjunto de regras difíceis de serem implantadas. É claro que cumpre papel importante, mas ainda longe de representar uma mudança cultural incorporada às relações de consumo no país.

Porém, uma evolução nos mercados e empresas ainda é, infelizmente, mais fácil do que a quebra de paradigmas históricos de comportamento em nossa sociedade. E nós, cidadãos, somos tão responsáveis por essa dificuldade quanto empresas que prestam serviços ruins. Não exigimos nossos direitos, não reclamamos quanto eles não são respeitados, nos conformamos com um mal atendimento e, pior, não solicitamos melhoras quando temos a oportunidade. E, incrivelmente, achamos ruim quando quem o faz está à nossa frente em um fila e, por isso, nos ´atrapalha´ de alguma maneira.

“O senhor poderia parar com isso e deixar a fila andar?”, gritou uma senhora que aparentava ter 60 anos em uma fila de supermercado, reclamando comigo por eu solicitar ajuda para empacotar minha compra. Exatamente em um desses supermercados que promovem o serviço ao cliente e a sustentabilidade. Todos sabemos que o serviço ao cliente, a sustentabilidade e outros agrados têm um preço Premium porque exigem maior preparo e demandam custos operacionais mais altos.

Imagino que quem vá a supermercados como este esteja disposto a pagar para receber tais serviços. Parece que o estabelecimento estava com déficit de pessoas e, por isso, não estava entregando o serviço. Então sugeri que a senhora fosse ao caixa de idosos para ser atendida imediatamente, ao que ela respondeu: “Eu tenho saúde! Não preciso destas coisas! São filas para quem precisa, não para mim”. Óbvio que não perguntei à senhora se ela havia deixado seu automóvel na vaga de idosos, mas com certeza ela estava abrindo mão de seu direito constitucional em nome de um preconceito. Se ela quer assim, tudo bem, desde que não me obrigue a abrir mão do meu direito de consumidor, de receber o serviço pelo qual paguei. Estava aberto o bate-boca, é claro.

A questão é que por quaisquer motivos, quando abrimos mão de nossos direitos, criamos precedentes e abrimos espaço para quem tem a obrigação de nos atender, deixar de fazê-lo. “Aqui reduzimos o serviço porque quase ninguém precisa dele”, disse-me o caixa. Mas não é uma questão de precisar ou não, é uma questão que envolve direito e relação de consumo. Eles oferecem o serviço e eu vou lá porque o quero e pago por ele. No momento em que eu abro mão disso, não deixo apenas de exercer meus próprios direitos, mas prejudico outras pessoas. E se, no caso da senhora, critico quem o exige, legitimo a fraude. Com isso o conceito de quem está certo e errado se perde e de nada adiantam um código ou uma lei, pois na prática os fatos se sobrepõem e ninguém mais sabe o que é exigível ou não. Muito conveniente, não?! E não será surpresa se em algum momento o supermercado extinguir o serviço de vez mas manter seus preços.

A maturidade só será adquirida no dia em que nós, sociedade civil, aprendermos a cuidá-lo e respeitá-lo. Enquanto o tratarmos como um conjunto de leis redundantes e confusas, ele continuará a ser um símbolo do que gostaríamos. E não do que temos ou teremos algum dia.

Pensem nisto e deem sua opinião em nosso blog.


Enio Klein é professor nas disciplinas de Vendas e Marketing da Business School São Paulo – BSP, Diretor da K&G Sistemas e General Manager da operação de vendas da  SalesWays no Brasil

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