Do crescimento à consolidação



Em pleno crescimento, o mercado de crédito no Brasil ganha cada vez mais destaque no meio corporativo. Em maio, o volume total de oferta de empréstimos e financiamentos chegou à marca histórica de R$ 1,044 trilhão. De acordo com o Banco Central, em 12 meses, o crescimento foi de 32,4%, com o volume de crédito passando a representar 36,5% do PIB, sinal claro de que as operações de cobrança são cada vez mais estratégicas dentro das organizações. E, apesar desse crescimento ser recente, o mercado mostra-se preparado para novas oportunidades.

Uma dessas frentes que se abre é o mercado de créditos vencidos (Non Performing Loans – NPLs). De acordo com Salvatore Milanese, sócio da divisão Corporate Finance da KPMG, a venda de carteira de clientes inadimplentes é comum desde os anos 80, mas no Brasil só agora ganha força. “Há seis anos, o crédito no País representava cerca de 10% do PIB, hoje são mais de 36%. E, com isso, sobe a inadimplência”, comentou o executivo, durante o primeiro painel do 2° Congresso ClienteSA de Crédito & Cobrança, realizado em junho, em São Paulo.

As perspectivas para quem trabalha no setor são grandes, segundo Milanese. Atualmente, o crédito com vencimento entre 61 e 360 dias – valores utilizados nas vendas de carteiras -, gira em torno de R$ 80 bilhões, de acordo com o Banco Central. “Desse valor, a expectativa é de que R$ 20 bilhões sejam movimentados em transações de NPLs apenas este ano”, afirma. Para o executivo, o impacto nas empresas que atuam na área é grande. “Muitas vezes, quem compra essas carteiras não possui a infra-estrutura necessária para realizar a cobrança dos inadimplentes”, ponderou.

Outro que considera a venda de carteiras um mercado emergente é José Roberto Romeu Roque, presidente da Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito, a Aserc. De acordo com o executivo, essa movimentação irá influenciar todo ciclo de crédito, incluindo a retenção do cliente. “Na hora de vender a carteira de inadimplentes, as empresas também estão preocupadas se o cliente será bem atendido. Elas querem que o devedor volte a consumir”, explicou.

Diogo Morales, presidente do Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing, Marketing Direto e Conexos, o Sintelmark, concorda com a afirmação, mas lembra que, para concretizar um bom relacionamento, é importante saber com quem terceirizar em cada momento. Para Morales, por possuírem uma experiência maior com atendimento, os callcenters seriam a opção ideal para operações de cobrança com até 120 dias. “Já as operações de clientes com uma dívida mais antiga precisam de um cuidado especial, cenário para as empresas de cobrança, que já têm expertise”, disse. Mas existem muitas dificuldades a serem superadas para a venda de NPLs se consolidar no País, argumenta João Leme, presidente do Instituto Gestão de Excelência Operacional em Cobrança, o Geoc. “Ainda há desconhecimento sobre o mercado de cobrança no Brasil por parte dos investidores que estão à procura de carteiras de inadimplentes para comprar”, afirma Leme.

O bom momento do mercado não se restringe ao Brasil. Se estende à América Latina. A venda de NPLs também tem evoluído na região, segundo Adilson Sil Melhado, presidente da Associação Latino-americana de Empresas de Cobrança, a LatinCob. Para o executivo, há muitas oportunidades para esse mercado na região, entre elas a venda de carteiras, fusões e aquisições de empresas de cobrança e off-shore. “É preciso olhar com mais carinho os países da região, porque o potencial é grande”, disse.

A associação vem trabalhando ativamente para apoiar as empresas latino-americanas, de acordo com Melhado. Entre os objetivos da LatinCob está a troca de experiências e o fomento do crescimento do setor na região. “Para isso, a entidade se relaciona diretamente com associações de cada país, e não com associados. E uma das missões é fazer com que todos os países da América Latina criem as associações de cobrança”, afirmou.

NOVAS PERSPECTIVAS
“As crises não são comuns, mas os impactos são letais”, afirma Daniel Nobre, diretor comercial da Coface. O histórico das crises econômicas mundiais vividas desde 1920 mostra o aumento da freqüência e severidade desses colapsos nos últimos 20 anos. Para o executivo, o seguro de crédito é a solução para as empresas se precaverem e também agregar valor diante de credores, como os bancos, e aumentar as vendas. As grandes crises sucedem momentos de estabilidade, quando os agentes do mercado têm posturas financeiras mais agressivas, afetando as empresas menores que deixam de pagar dívidas, prejudicando, conseqüentemente, as empresas credoras. O papel da seguradora é tomar para si esses riscos e, no caso de default dos recebíveis, reembolsa a empresa credora.

Outra solução para as empresas credoras é a venda da carteira de inadimplentes. Mas este ainda é um mercado pequeno no Brasil que precisa se posicionar para atrair grandes compradoras. Ulisses Rodrigues, country manager da Credigy, acredita que as principais barreiras para a entrada destas empresas no Brasil são os trâmites judiciários, pela morosidade, e os serviços de proteção ao crédito. Estes últimos impedem pelos altos gastos na obtenção do histórico de crédito dos compradores, enquanto em países como os Estados Unidos basta uma busca pelo CPF do comprador que é possível ter os dados positivos e negativos.

O painel contou com a mediação de Roberto Grejo Jr., diretor administrativo da ABE e da RAF Brasil, e com os debatedores Paulo Peres, diretor de operações da Systemcred, Pedro Paulo Cunha, gerente de novos negócios da ACS. Peres alertou para o crescimento da inadimplência, “podemos entrar em crise com o boom de crédito”, afirmou e aposta nos históricos positivos como ferramenta na solução para uma possível crise. Já Cunha apontou para a responsabilidade dos vendedores nesta expansão, “não podemos esquecer que somos nós que damos os créditos”, concluiu.

O DIFERENCIA INFORMAÇÃO
Não adianta apenas cobrar, é preciso saber como e quem será cobrado. Para Roseli Garcia, superintendente de produção e serviços da Associação Comercial de São Paulo, a ACSP, conhecer o perfil do inadimplente faz toda a diferença. “É preciso entender o devedor quando a empresa vai iniciar uma ação especial de cobrança”, afirmou a executiva no terceiro painel do congresso, que teve como moderador Leonardo Vieiralves Azevedo, presidente da WG Systems.

Como exemplo, Roseli citou uma pesquisa realizada pela ACSP com pessoas inadimplentes. O estudo traça o perfil do devedor, trazendo informações que podem ser utilizadas nas estratégias de cobrança. “Com esses dados nas mãos, as empresas podem desenvolver ações especificas para cada tipo de inadimplente”, disse. A pesquisa, realizada em fevereiro, mostrava que a maioria dos inadimplentes é homens (56%), com idade de 31 a 40 anos (34%), renda familiar entre R$ 1.400 e R$ 2.100 (31%) e de R$ 700,00 individual (50%).

O principal motivo da inadimplência é o desemprego (43%), e na maioria dos casos o inadimplente trabalhava no setor de comércio (39%). “Por isso, é importante verificar se o cliente não está contratado temporariamente. Sem se planejar, ele pode exagerar um pouco na hora da compra e contrair uma dívida que não poderá honrar no futuro”, explica Roseli.

Para Eduardo Ramalho, diretor comercial da Experian, o processo de cobrança começa bem mais cedo do que muitos imaginam. De acordo com o executivo, é importante, desde o momento da compra, colher o máximo de informações a respeito do cliente. Para Ramalho, esses dados podem garantir o sucesso no processo de cobrança e retenção do cliente.

Como exemplo, citou informações de endereço. “Normalmente, quando se faz uma cobrança por mala-direta, o risco é muito grande da correspondência voltar. A perda pode chegar a 25% do total enviado. Por isso é importante ter um banco de dados bem estruturado”, avisou. Ramalho mostrou a solução Infobusca, da Experian, criada para o enriquecimento de dados em ações de localização dos consumidores e empresas durante processo de cobrança. Outra solução que pode ser utilizada nesse processo é o Infoseek, que permite a padronização, tratamento e cruzamento de arquivos das diferentes bases de dados, além da validação e correção automática de nomes, endereços e outras informações.

Roberto Ribeiro, diretor comercial da AlmavivA, concorda com Ramalho. Na opinião do executivo, já há no mercado ferramentas que permitem trabalhar as informações e conhecer quem é o cliente. “É preciso ficar atento aos novos produtos que surgem no mercado. Existem muitas soluções que podem facilitar o business de crédito e cobrança”, disse.

Porém, para Cleber Caetano Ribeiro, gerente de contas da ddCom, o grande desafio é consolidar as informações nas operações de crédito, entre o contratante e as empresas de outsourcing. “Hoje, muitas vezes esses dados não são bem utilizados, isso quando não estão duplicadas. Sem esse cuidado, além da perda de tempo, a retenção de clientes fica prejudicada”, disse. Para Fábio Amâncio, presidente da Senarc, o uso de dados bem trabalhados torna mais rápido e seguro o processo de cobrança. “Além disso, ter informações consistentes nas mãos pode auxiliar a prever comportamentos, facilitando a análise de crédito”, afirma.

A importância de conhecer o cliente e antever seus passos ficou claro no case do banco espanhol Caja Asturias. Fernando Arencibia, CEO da Habber Tec, empresa de soluções de inteligência de negócio, mostrou como dados bem trabalhados podem virar informações estratégicas. A instituição financeira aperfeiçoou o processo de análise de crédito e cobrança, por meio da adoção da solução de data mining KXEN. A partir da implementação, o Caja Asturias construiu alguns modelos de perfil de cliente, que permitiu reduzir as perdas com inadimplência e dimensionar o risco de crédito, ganhando eficácia em todo o processo. “Toda empresa possui muitas informações, mas poucos sabem o que fazer com eles. Com essa solução, o banco conseguiu crescer, simplesmente por entender o cliente”, ponderou.

DESAFIOS
O economista John Maynard Keynes e o conceito de “animal spirits” foram citados por Paulo César Machado, diretor presidente da Ativos, para mostrar que o setor não pode ter medo do crescimento do crédito, porque amplia toda a economia. Mas é preciso “gerar expertise no assunto em conjunto”, afirmou. Para isso, é fundamental a aproximação entre as partes envolvidas no setor e a parceria entre securitizadoras e empresas de cobrança.

O executivo afirmou que a terceirização das carteiras de cobrança deve ser feita de forma específica e flexível, adequando os perfis dos clientes aos das empresas de cobrança. E também alertou para a estigmatização do cliente devedor, afirmando que na maioria dos casos a inadimplência é conjuntural. “O que seria melhor para uma instituição financeira: um cliente que não pega empréstimos ou que realiza empréstimos, mas paga em longo prazo?”, finalizou.

João Marcelo Fernandes Lucas, responsável por crédito e cobrança da Vivo, finalizou o congresso apresentando o case interno da operadora, que diminuiu em 70% as reclamações na área de cobrança em dois anos. Em 2006, a Vivo era formada por 14 operadoras espalhadas pelo Brasil, com plataformas diferentes; atingiu picos de inadimplência (com perda de R$ 146 milhões), foi a principal operadora afetada pelas clonagens de aparelhos celulares e ocupava a primeira posição no ranking de reclamações da Anatel. Em dois anos a crise foi revertida, por meio da implantação da tecnologia GSM nos aparelhos (a Vivo era a única que não oferecia este sistema), instalação de uma plataforma única para todas as operadoras e transformações estruturais e culturais dentro da empresa.

Na área de cobrança, o esforço se deu na melhoraria no atendimento. Foi estabelecida uma tipologia de clientes, com 16 exemplos de consumidor e o tratamento que deveriam receber. Segundo Lucas, “não posso cobrar uma pessoa com dez anos de Vivo da mesma forma que alguém que comprou o aparelho e não pagou nem a primeira conta, estes eu mando para a cobrança com 16 dias”, afirma.

Também participaram do último painel, mediado por Augusto Mello, collection manager do HSBC, os debatedores, Marco Antonio Theodoro, diretor de novos negócios da Tivit; Vitor Pachedo, gerente de crédito e cobrança da GVT e Luiz Santucci, presidente da AMMB, que trataram principalmente sobre as mudanças feitas pela Vivo e como lidar com o cliente inadimplente na primeira conta.

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