No momento econômico, a aposta é se diferenciar com inteligência



A crise americana, a pior dos últimos 50 anos e, provavelmente, do último século, segundo Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, fez oscilar o mercado mundial, inclusive o Brasil. Diversos setores da economia brasileira sentiram os efeitos. No ápice da tensão, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) assistiu a uma das maiores quedas do índice da bolsa, o Ibovespa, 0,2%. Já o dólar, segundo o BBC Brasil, que estava sendo negociada, em maio, na faixa de R$ 1,65 alcançou índices até então incalculáveis, oscilando entre R$ 1,90 e R$ 2,50.

Diante do cenário de incerteza, houve escassez de liquidez no mercado de crédito internacional, segundo Ricardo Loureiro, presidente da unidade de negócios de serviços de informação de crédito pessoa física do Serasa, a Experian, influenciando o mercado brasileiro, principalmente para pequenos e médios bancos que tiveram dificuldades em manter o fluxo de dinheiro circulando, o que provocou a desaceleração na contratação de novos empréstimos. Para o Banco Central, a média diária de novas concessões de crédito para empresas caiu 7,1% e para pessoa física 7,7%, em outubro, em comparação ao mês de setembro. A expectativa é que em 2009, o saldo das operações de crédito do sistema financeiro brasileiro apresente crescimento de 19% em comparação ao ano de 2008. O menor crescimento das operações de crédito está relacionado à menor expectativa de expansão da economia brasileira para 2009, que indica projeção de 3%, na melhor das hipóteses.

A crise obrigou o mercado de crédito no Brasil – que vivenciou seu auge entre os anos de 2006 e 2007, quando se tornaram possíveis concessões de crédito de até 80 meses – a adotar a cautela. Instituições financeiras tornaram-se mais criteriosas na concessão de crédito, visando manter os níveis de inadimplência em patamares estáveis, embora o governo tenha interferido no mercado de crédito. “A crise financeira global vem causando dificuldades de obtenção de funding por parte dos grandes bancos, restringindo a renovação de empréstimos ou de linhas de financiamentos das empresas com os bancos”, justifica Milton Inoue, gerente sênior de crédito do Banco Mercedes-Benz. Para Carla Marques, diretora de cobrança e customer service da GE Money, algumas medidas do Banco Central estão ajudando, mas a situação ainda está longe dos patamares anteriores à crise.

Também há quem acredite na solidez do sistema bancário do Brasil. De acordo com José Roberto Romeu Roque, presidente da Audac e da Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito, a Aserc “espera-se um aumento do estoque de títulos a serem cobrados, e a efetividade dependerá de políticas de negociação dos detentores de crédito ajustados para o novo cenário macroeconômico”, diz. Adilson Melhado, presidente da Associação Latino-Americana de empresas de Cobrança, o LatinCob, também prevê que, com os sólidos fundamentos da nossa economia, seremos menos afetados do que muitas das economias mundiais, sobretudo dos países vizinhos e alguns europeus, além dos Estados Unidos, epicentro da crise.

“Diferentemente do verificado no mercado americano, que originou a atual crise, o Brasil não possui um mercado subprime, quer seja no setor imobiliário, ou em qualquer outro. O nível de endividamento das pessoas físicas, apesar dos aumentos importantes verificados nos últimos anos, ainda é muito pequeno se comparado a outros países, inclusive os Estados Unidos. Certamente enfrentaremos cenários mais difíceis, porém distante da gravidade que afetará outras economias”, avalia Melhado. Loureiro concorda: “O setor bancário brasileiro passa por um processo de concentração robusto visando ampliar a sua competitividade, diferentemente dos Estados Unidos e de alguns países da União Européia que por causa das dificuldades financeiras foram obrigados a juntar forças para continuar atuando. Além disso, os indicadores de emprego, renda, investimento e atividade demonstram um crescimento econômico ancorado no mercado interno, ainda longe de seu ponto de saturação, o que torna o Brasil menos vulnerável às incertezas do cenário internacional”, afirma.

Edson Pfeiffer, gerente-comercial da Dedic, acredita que a crise impulsionará o mercado para concessão de crédito baseado no cadastro positivo. “Por exemplo, grandes varejistas podem ser beneficiados por um trabalho em parceria com empresas de contact center que estejam preparadas para contribuir com know-how de telecobrança e entendimento do comportamento do cliente inadimplente”, exemplifica. Loureiro acredita que “ampla utilização do cadastro positivo será um dos principais pilares de sustentação para o crescimento do crédito. Com ele, as instituições terão acesso às informações que possibilitarão auferir pontos relevantes que hoje não são possíveis de se visualizar com total clareza, principalmente na população de baixa renda, como o comprometimento de renda e a reputação do proponente.”

Para Marcelo Amaro, diretor-comercial da Vidax, já é perceptível uma redução no volume da carteira de novos créditos. “Mesmo com todos os esforços do governo fazendo apologias ao consumo, acreditamos que os volumes de crédito e carteiras de cobrança terão uma redução nos próximos meses, voltando a aquecer no segundo trimestre de 2009, porém, não nos mesmos volumes e patamares que ocorreram de 2006 a 2007”, avalia.

Na área de cobrança, a tendência é de que bancos e financeiras vendam suas carteiras mais cedo para as securitizadoras, o que reduzirá o volume de papel terceirizado diretamente pelas instituições. As securitizadoras terceirizarão com novas modalidades de preços (100% variável) e as empresas de cobranças aprenderão a atuar nesse papel e se adequar às margens mais reduzidas. A expectativa de crescimento do setor, segundo Roque, é de, no mínimo, 6% decorrente da conjunção crescimento econômico e do crédito, sem considerar algum efeito de crescimento da inadimplência, algo com difícil possibilidade de avaliação prospectiva.

Mas espera-se um aumento da inadimplência nas linhas de menor garantia, como cartão de crédito e crédito pessoal. Uma das variáveis que mais impactam na cobrança é o desemprego. “Para se ter uma idéia, o aumento de 1% nesta taxa tem reflexos enormes na carteira de inadimplentes”, afirma Flávia de Santis, gerente de desenvolvimento de negócios da Atento.

Os consumidores, por sua vez, estão nitidamente mais receosos. É o que indica a pesquisa da TNS InterScience, realizada no início do mês de novembro: metade dos entrevistados (49%) acredita que o governo irá conseguir controlar os efeitos negativos do consumo; e 24% está confiante que o governo conseguirá proteger e manter a economia distanciada do quadro internacional. Segundo a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, a Fecomercio, 89% dos paulistanos acreditam que crise internacional afetará o Brasil. “A estabilização do mercado, bem como a confiança dos consumidores, são os principais desafios que teremos nos próximos anos. Vislumbro que, em um cenário de curto prazo, o atendimento aos acordos de níveis de serviços com altas performances e qualidade às novas demandas dos clientes serão fatores fundamentais para o sucesso das empresas”, finaliza Melhado.

AGREGANDO INTELIGÊNCIA
Em períodos de crise, as empresas ficam reticentes em fazer negócios. De acordo com Thomas Accioly, gerente sênior de operações do Banco Mercedes-Benz, algumas empresas brasileiras estão buscando rever e até postergar os investimentos previstos para ampliação da capacidade produtiva, bem como revisar as projeções de crescimento futuro. Neste cenário, as organizações que estiverem avançadas na inteligência aplicada ao processo de crédito e cobrança, com maior flexibilidade na negociação e velocidade para chegar primeiro ao cliente devedor, se adequarão mais rápido às repercussões da crise financeira.

A tecnologia tem sido a grande aposta como diferencial. A URA reversa e os discadores preditivos agregados à inteligência de cobrança propiciada pelo BI estão se tornando importantes aliados, a exemplo da ML Gomes Serviços Financeiros, que tem como apostas para 2009 a utilização do BI nos sistemas de gestão de cobrança e a comunicação com os colaboradores pela rede interna de TV. A novidade da Vidax será a criação de um BI que englobará a gestão de planejamento/ MIS/Collection Score. O novo projeto possibilitará a transformação de informações em conhecimento, o que orientará a gestão da cobrança em conjunto com os clientes (quem cobrar, como cobrar e quando cobrar). De acordo com Amaro, a solução também irá facilitar a avaliação do custo por real recuperado, viabilizando melhores maneiras de investimentos na recuperação de crédito. Gina Marques, diretora de operações de cobrança da Contax, conta que o mais recente investimento da empresa são as ferramentas para dar suporte às operações de crédito e fraude.

Além da tecnologia, há o esforço contínuo na capacitação de profissionais, para que seja possível entender o devedor do outro lado da linha e negociar uma solução que atenda às necessidades de ambas as partes. “Dessa forma, conseguimos surpreender o cliente e conseguir um maior volume de crédito recuperado para nossos contratantes”, complementa Miguel Windt, diretor-comercial da Tmkt. Pfeiffer acredita que o grande gerador de resultados da cobrança está na capacitação e conhecimento da equipe. “É neste pilar que a Dedic mais investe”, finaliza. Na ML Gomes, a equipe de operações é formada de acordo com o perfil do contrato e dos valores das garantias envolvidas. “Quanto maior a complexidade de negociação e de recebimento, equipes com maior experiência e treinamento são destacadas”, ressalta João Leme, diretor-executivo.

Na Tivit, o sistema Performance (que possibilita a monitoria on-line da produtividade dos agentes) utilizado nas operações de crédito e cobrança, auxilia as equipes a atingir as metas. “Acreditamos que a crise financeira possa impactar nas carteiras de veículos e na antecipação das réguas de cobrança. Por isso, os serviços de crédito e cobrança podem ser uma opção para minimizar os impactos da crise nos negócios das nossas empresas/clientes”, aponta Marco Theodoro, diretor de novos negócios de BPO da Tivit.

A Atento é outra empresa que investe em projetos de educação corporativa focado em cobrança. O intuito do treinamento, segundo Flávia, é mostrar aos profissionais todo o funcionamento do mercado de cobrança, técnicas de negociação, utilização de estratégias, entre outras. E para atender as demandas de mercado por serviços de cobrança que exigem políticas de negociação como parcelamento e descontos, a empresa apostou no Sarc (Sistema Atento de Recuperação de Crédito). “Adotamos também uma nova arquitetura que eliminou completamente o conceito das filas físicas do contact center e, integrado às bases de dados da operação e do sistema CRM, proporcionou o encaminhamento de chamadas para o melhor agente disponível para aquele tipo de atendimento”, conta a executiva.

A ampliação de sites e operações de crédito e cobrança tem sido mais uma tendência. Com uma média de 213 mil cobranças ao ano, a Vidax, que também efetua análise de crédito, acaba de ampliar suas operações de cobrança montando um centro especializado em Porto Alegre, que conta com ferramentas customizadas para gestão da cobrança. Assim como a Vidax, a Tmkt, que efetua 2 milhões de cobranças ao ano, está em vias de implantar um novo site para atender futuras demandas de projetos, além de ampliar os atuais. A Contax, segundo Gina, tem planos de construir novos sites, mais especificamente no Nordeste. Já a ML Gomes está em fase final de estruturação de um novo site de cobrança para ser inaugurado no primeiro semestre de 2009, que irá gerar cerca de 1.500 novos postos de trabalho.

Com base no processo de expansão desenhado e aplicado no final de 2006, a Audac teve um crescimento importante entre 2007 e 2008, segundo Roque. “Melhoramos nossas operações, passando de 10 para 17 unidades de negócios com callcenter e de 950 para 1.600 posições de negociação (Pns). A empresa, que realizou mais de 100 milhões de cobranças no ano de 2008, contará com inovações em seus sistemas, como a implementação do software de cobrança integrado à solução de discagem automática, sistema de ligação preditiva com URAs digitais com funcionalidade de CTI, aumentando a capacidade de ligações por PA. Quem também tem novidades para 2009 é a Localcred, que está finalizando a avaliação de novas tecnologias e processos de BI, data warehouse e data mining. “Estamos nos preparando para os efeitos da crise e uma possível elevação nos volumes de contratos em cobrança, investindo tanto em infra-estrutura como em pessoal qualificado quer seja para atender o aumento dos créditos concedidos, ou por conta do aumento da inadimplência”, diz Melhado.

Dividir as operações em próprias e terceirizadas tem sido a estratégia mais visada entre tomadores de serviços para administrar os processos de crédito e cobrança. “Acreditamos que escritórios terceirizados são mais efetivos que uma área interna, pois, trabalhando para vários clientes, eles possuem uma visão mais abrangente do mercado e dos hábitos de pagamento”, defende Accioly, do Banco Mercedes-Benz, que faz terceirização apenas das de cobrança. A GVT terceiriza apenas para os clientes que já tiveram o contrato e a prestação de serviços cancelados. Internamente, a empresa conta com sistemas especializados e um time de especialistas e callcenter próprio que faz a cobrança dos clientes com contrato ativo. Já, a Ativos terceiriza a cobrança de todos os tipos de operações.

As transações de crédito da GE Money são realizadas por time interno. Operações de cobrança sem garantia são terceirizadas depois de 120 dias de atraso e as com garantia são terceirizadas para escritórios que fazem cobrança amigável entre 60-120 dias e depois ingressam com a cobrança judicial depois de 120 dias.

A exemplo de mercados mais maduros em crédito, para aumentar a concessão em meio à crise, sem interferir na lucratividade, as estratégias de refinamento de risk-based pricing, isto é, a oferta diferenciada em função do risco, devem ganhar cada vez mais importância junto aos gestores para aliar crescimento e rentabilidade das operações. A estratégia da GVT é continuar expandindo a cobertura na qual já atua e, em áreas nas quais o perfil do possível consumidor seja de forte demanda por serviços avançados de telecomunicações, como banda larga e soluções baseadas em IP, é o que afirma Victor Pacheco, gerente de crédito da empresa.

A GE Money vem se preparando desde o início do ano para a possibilidade de declínio devido aos rumores da crise. “Desta forma acabamos dando foco em clientes com histórico positivo dentro da empresa inclusive com taxas bastante competitivas”, conta Carla. Henrique Alves, gerente de cobrança da BV Financeira, afirma que a empresa efetuou ajustes na política de concessão de crédito sem haver necessidade de grandes reestruturações. Já o Banco Mercedes-Benz adotou uma série de medidas para não se deixar abater, como taxas de juros atrativas, custos operacionais adequados para cada segmento de atuação e alta qualidade de crédito. Segundo Inoue, o banco procura manter uma estrutura operacional enxuta e de ótima qualidade, de modo a sustentar os custos em níveis relativamente baixos. “Desta forma, podemos oferecer uma taxa de juros competitiva para nossos clientes sem interferir na lucratividade do banco”, afirma.

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