O cliente exige revoluções

O dinamarquês Jens Olesen desembarcou pela primeira vez na área de comunicação em 1965, em Londres, como contato júnior, atendendo Philips e Coca- Cola. A meteórica carreira internacional o levou aos Estados Unidos, onde assessorou empresas globais. Mas também viveu a histórica revolução de 1968, em Paris, e, pouco depois, ajudou a fundar novas empresas do grupo nos países escandinavos. O primeiro contato com o Brasil foi em 1969 e durou apenas 18 meses, após os quais ele voltou à Europa. Em meados da década de 70, meio a contra-gosto, regressou ao País. Aí, para criar raízes, chega a presidente da agência McCann Erickson do Brasil. Os desafios do mercado, entre elas, a adaptação aos clientes, levou-o a diversificar o negócio. Hoje, aqui, Jens gerencia empresas nas mais distintas áreas, o que lhe permite desenvolver ações integradas de comunicação. Mais que isso, o executivo assumiu a presidência do Grupo no País e na América Latina/Caribe e é um dos seis integrantes do board mundial de um conglomerado que integra 400 empresas, das quais 84 na América Latina, fatura por ano algo em torno de US$ 30 bilhões e emprega 55 mil pessoas. E este ano, a empresa comemora 70 anos de Brasil.

Histórias, conceitos, filosofias e experiência não faltam a esse dinamarquês que já é um dos funcionários mais antigos da companhia – 41 anos de casa. Ele lista muitas revoluções que o mercado publicitário passou, da chegada da televisão ao planejamento estratégico, que deu origem às primeiras pesquisas de mercado, na década de 70, passando pelaInternet, as indispensáveis campanhas de mídia integrada. A próxima reviravolta, que já começou, segundo ele, é o marketing de rua. E, no meio de intensivas campanhas, o consumidor final é bombardeado por informações, o que levou a McCann a um estudo sobre a vida de mídia do consumidor. A opinião de Jens é de que esse consumidor, soterrado por uma verdadeira enxurrada de informações, tende a ser cada vez mais seletivo, o que coloca um outro desafio às empresas de comunicação. “Acho que o consumidor está sempre procurando alguma novidade, melhor preço, mais benefícios. E esse é o desafio que o cliente enfrenta. Por isso, meu negocio não é uma evolução, é uma revolução que está vindo à mais alta velocidade”, diz Jens. Uma entrevista exclusiva imperdível.

É fácil se relacionar com o cliente?
É mais complicado que casamento. O relacionamento com cliente é profissional, emocional e tem de gerar resultado, o que é fundamental. As empresas não estão mais procurando soluções de propaganda; procuram soluções integradas de comunicação.

Como você entrou nesse mercado e como foi o seu crescimento profissional?
Entrei em 65, em Londres, trabalhando como contato júnior, atendendo Philips, Coca-Cola e um cliente inglês. Naquele tempo, havia muito mais contato com clientes para coordenar as várias mídias tradicionais de rádio, televisão, jornais, revistas e out-doors. A Europa e os Estados Unidos sempre estiveram à frente no desenvolvimento de novas ações. E me lembro de um grande projeto desenvolvido para a Coca-Cola: um show semanal, que durante seis meses apresentou músicas dos Top 100. Foi uma grande experiência. Depois, fui para os Estados Unidos e comecei minha carreira internacional. Lá, passei por treinamento e fui atender contas como Nestlé, Coca-Cola, Esso, General Motors, Gillette, Westinghouse. Eu dedicava metade do tempo ao cliente e metade à agência. Na revolução de 68, eu estava em Paris, quando explodiu o movimento que queria mudar o mundo e envolveu vários países da Europa. Foi fantástico. Voltei aos Estados Unidos e, de novo à Europa, onde trabalhei para empresas da Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda e todos os países escandinavos. A primeira vez que vim ao Brasil foi em 69. Fiquei apenas 18 meses. Voltei para a Europa em 70, quando fui convidado a voltar ao Brasil, mas resisti. No final, vim para um ou dois anos de trabalho, mas acabei ficando, ao crescer e assumir a presidência.

Quais foram as grandes mudanças da publicidade em direção à nova fase de relacionamento com clientes?
Há várias. A mudança da TV preto-ebranco para a TV em cores, por exemplo, a mudança das revistas, nas décadas de 60, 70, e os computadores, que mudaram o estilo de trabalho. A fase que levou as empresas a conhecerem melhor o perfil do consumidor foi a da implementação de planejamento estratégico. Elas passaram passaram a fazer pesquisa. A McCann fez o primeiro grande estudo no Brasil sobre juventude, na década de 70, antes de avaliar as donas de casa e a classe média. Essa foi uma novidade que introduzimos, abrindo caminho para a cultura do planejamento, que patrocinou uma enorme revolução nas agências. Depois, tivemos outra: a substituição das mídias tradicionais pelas alternativas, extensivas – novos canais de comunicação com o consumidor. Hoje, a Internet está crescendo, mas o que vai explodir no mundo e no Brasil, nos próximos anos, é a mídia de marketing de rua. É a definição de qualquer coisa que tenha movimento dentro de uma cidade. São mais ou menos 800 canais para falar com o consumidor. Imagine que qualquer cidadão para trabalhar em São Paulo, por exemplo, chega a ficar no tráfego até três horas. E aí as pessoas têm contato com ônibus, táxis, paredes, prédios… E, em todos, uma mensagem dirigida a elas. A última etapa da evolução é a comunicação integrada. Nos Estados Unidos e Europa, ela já representa 50%. Na América Latina, a propaganda absorve 80% da verba dos clientes. Mas, nos próximos cinco a dez anos, o índice deverá recuar para 60%.

O cliente hoje não tem tempo para reunir 20 fornecedores e passar um briefing: prefere falar apenas com um que possa coordenar toda a atividade de comunicação e são muito poucos grupos que têm essa visão, capacidade para atender a esse cliente.

Quando começou essa mudança, a caminho das comunicações integradas?
Há uns cinco, seis anos. Hoje, a área de propaganda está estabelecida, crescendo à média de 5 a 8% ao ano, contra os 30% registrados na área de promoções e evento e 30 a 40% na de marketing direto.

O que o seu cliente está procurando?
O cliente está procurando cinco coisas fundamentais no relacionamento. Primeiro alguém com perfil profissional, com estrutura, pessoas bem treinadas, preparadas, que ofereçam bom produto de criação, mídia eficiente e planejamento que permita criar um contato dele com o consumidor. Ele quer informações, pesquisa, dados. Segundo, procura uma agência que atenda todo problema. Terceiro, quer alguém eficiente, pois sabe o custo e quer alguém eficiente, que traga produtividade. Quarto, busca alguém que traga resultados. Em vendas. Pode-se criar uma fantástica campanha, mas se não trouxer resultados em termos de vendas, não vale nada. O cliente procura uma maneira de avaliar o resultado do investimento que faz. Em quinto, eficiência do mídia para chegar no consumidor com o qual ele precisa falar, com mais eficiência, rapidez, a custo baixo e garantia de retorno do investimento, mensurável pelos dois lados.

E quais são os diferenciais?
A agência precisa investir muito em pesquisa, novos modelos, simulações de televisão. O negócio precisa ser avaliado de forma científica, pois há muitas variáveis a considerar. Além disso, o cliente procura sinergia entre as pessoas. Sinergia que se consolida como no casamento. Já trabalhei com mais de dez mil clientes. Cinco mil apenas na América Latina. Sempre digo que o custo de comunicação, aprovado, não é custo, é investimento. É um investimento para procurar os melhores resultados de vendas no curto, médio e longo prazos.

Como cliente avalia o resultado desse investimento?
Uma forma de fazer isso é conferir os resultados em termos de vendas. Mas, claro, a propaganda sozinha não resolve tudo. Há que considerar, também, variáveis como o preço do produto, disponibilidade e distribuição. Outra maneira de medir o retorno é identificar o warness de propaganda e compará-lo, numa pesquisa, com o warness de produto. Muita gente está criando normas de propaganda e, a cada nova campanha, faz uma avaliação.

O que você acha que o consumidor está procurando hoje?
O consumidor hoje é muito inteligente. Ele está procurando um produto competitivo em termos de custo e, entre um que custa um real e outro modelo que custa um real e cinqüenta centavos, sem oferecer benefícios claros, escolhe o primeiro. Para alguns produtos que oferecem algum status, a marca pode ajudar. Nesse caso, o consumidor paga um premium, um add value, pela marca. O grande trabalho é criar, construir, implementar uma marca, que fica vendida para o vendedor. São estratégias implementadas durante anos, culturas, muitas regiões como fizemos com Nescafé, GM, Gillette, Mastercard e várias outras marcas criadas pela McCann.

Nas estratégias globais, como se respeita o cliente local?
Normalmente se tem uma estratégia global, mas a campanha é local. Falando apenas da América Latina, o consumidor brasileiro é diferente do argentino e do mexicano, por exemplo. É preciso usar a linguagem do consumidor, fazendo uma coisa diferente. Existe diferença muito grande entre os consumidores dos Estados Unidos, Europa, Ásia e África. O consumidor latino-americano, por exemplo, é muito conservador, muito ligado à família. É um consumidor que há cinco anos não conhecia direitos humanos, sociais e profissionais. Mas, com educação, televisão e mídia, tem melhorado muito. A democracia latina e a européia são dois fenômenos completamente diferentes.

Por que você não ficou no Brasil na primeira vez?
Como democrata, foi muito difícil conviver com a ditadura. Eu acabei pedindo para voltar. E me lembro que a propaganda era censurada, não se podia falar nada, não podia abrir discussão. Mas o Brasil foi um espelho para a América Latina.

Nestes anos todos, quais foram as grandes mudanças na linguagem de comunicação utilizada no relacionamento com o consumidor?
Quando você faz planejamento estratégico, o resultado do trabalho é bem diferente. Se você recorre à pesquisa, dados, informações, a comunicação é muito mais efetiva, direta, com a linguagem que o consumidor entende. Eu tenho um filho e uma filha e, para me comunicar com eles, preciso falar de uma forma com um e de outra forma com outro. O processo é o mesmo se for falar com um consumidor de Recife, Porto Alegre, São Paulo ou Rio de Janeiro. Hoje, um consultor de comunicação que não entende essas diversidades é um mau comunicador. Eu escrevi onze livros. Em um deles, disse que pessoas normais não trabalham na propaganda. Foi um best seller, com mais de 300 mil cópias vendidas.

Quem trabalha na área precisa ter cabeça de planejamento estratégico, coração de criatividade e feeling de negócios. É isso que o cliente está procurando – um consultor de comunicação. E não existe, hoje, uma universidade que forme essa pessoa. Eu estou investindo mais de US$ 2 milhões para estruturar uma universidade que, com o apoio dos melhores consultores dos Estados Unidos e Europa, atenda à nossa necessidade de preparar as novas gerações. Eu preciso estar sempre à frente. Esse é um desafio muito grande. Eu mesmo freqüento quatro semanas por ano uma universidade. No caso dos jovens, com a chegada dos e-mails, da Internet, o desafio é ainda maior.

A entrada da mídia on-line está provocando nova revolução?
Sim, está promovendo uma nova revolução, mas, ao mesmo tempo, provoca um distanciamento grande do consumidor. Ele entra no site de uma empresa e escolhe um carro, por exemplo, com detalhes, sem ver o carro, sem fazer o test-drive, sem falar com a concessionária. Eu sempre digo à minha gente que é bom fazer uma conferência de vídeo com o pessoal de Miami, Tóquio, mas é importante o contato com a pessoa, olhando no olho. Obviamente, a Internet é muito importante, mas é a mídia da juventude. Como chego a receber 500 e-mails por dia, tenho três secretárias para ler. Ou eu só vou ler e-mails e não faço mais nada. Metade do e-mail você joga no lixo, outros 20% são interessantes e 5% são muito importantes.

Mas a revolução que a Internet introduziu no mercado você compararia com o quê?
É uma mídia fantástica, que traz a informação de forma instantânea. Antigamente, era preciso esperar o jornal do dia seguinte ou o noticiário da televisão ou rádio. Coisa de cinco, dez anos atrás, você tinha uma semana, um dia para tomar uma decisão. A Internet está exigindo que o executivo aja em dez minutos. Se você não responde, o cliente fica cobrando e acha que você não leu ou não entendeu. Temos um serviço de inteligência que nos supre de informações três vezes por dia, pois não tenho tempo de ficar na Internet ou e-mail. Podemos comparar com a introdução da televisão, do computador. No Brasil, 70% da juventude, até uma certa idade, usa a Internet para qualquer coisa. Enquanto eu uso o telefone para me comunicar, ele (o jovem) usa a Internet. É preciso olhar a Internet de uma maneira preocupante, mas como uma oportunidade de negócio.

Pela sua vivência, quando você olha para o mercado e observa as formas de comunicação, qual é a sua reação?
Estamos em uma época de competição violenta em qualquer categoria de produto. E qualquer indústria, qualquer prestador de serviço precisa viver dentro dessa realidade, enfrentando os desafios que surgem a cada minuto. Ou o produto/ serviço cresce ou morre. E uma agência precisa reagir para criar soluções e abrir oportunidades para os clientes. Esse é o meu desafio, minha oportunidade. Ela representa minha oportunidade e indicação de sucesso, ou não, dentro da atividade. Quem pode contribuir para evitar erros é o planejamento estratégico. As pessoas que conseguem pensar rápido e avaliar a base de dados terão muito futuro no nosso negócio. Se tivermos criadores que pensem esse universo será ainda melhor, inclusive se conseguirem absorver os dados e usá-los na construção de uma estratégia criativa.

Qual é o maior desafio quando se trata de identificar oportunidades de o seu cliente falar com o cliente dele?
O melhor trabalho é resultado da integração com o cliente. Todo mundo precisa estar motivado, pois quanto mais motivado, melhor o trabalho e o resultado. E nós precisamos de pessoas inteligentes, criativas para um trabalho bastante complexo. Mas motivar essas pessoas não é muito fácil. Para isso, precisamos trabalhar com elas de forma diferente, dependendo do perfil de cada uma e da situação.

E o que o você pensa sobre o consumidor?
Nós precisamos respeitá-lo, pois nós mesmos somos consumidores. Enquanto presidente acredito que ele quer o respeito do cliente, ele quer saber qual é o melhor produto para ele, com benefícios e preço muito competitivo, além de apresentação atrativa. Ele tem direito à informação correta. O Brasil, com o Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária e outras organizações, está procurando impedir que as empresas passem informações erradas. Hoje, a plataforma estratégica é a mesma para todas as mídias, mas, na implementação, dependendo do consumidor a ser atingido, pode respeitar a segmentação de cada uma delas, como revistas, out-doors (que chamo de marketing de rua), televisão. Cada mídia precisa ser tratada de forma diferenciada, seguindo o mesmo planejamento e estratégia. A área de mídia tem base de dados, analisada por meio de sistemas, tem modelos de simulações por mídias, que lhe mostram a mídia certa para atingir de forma mais eficiente o target. Para uma agência entrar nesse negócio precisa investir muito dinheiro, a fim de conhecer o consumidor. Esse, aliás, é o grande dilema de muitas agências. Temos mais de duas mil agências no Brasil. Mas acho que apenas as dez, quinze primeiras contam com essa inteligência.

Quanto você investe de seu faturamento para adquirir essa visão de mercado?
O quanto for necessário para fazer uma avaliação profissional do consumidor. Temos dois investimentos na agência: em pessoas e inteligência. Pode chegar a dez, quinze por cento do faturamento.

E quais são os novos desafios?
Primeiro, preparar, treinar e educar nossa gente. Segundo, procurar talentos bem preparados. E esse é o grande desafio: procurar talentos, tanto interna quanto externamente. Terceiro, criar um modelo de negócio que leve à eficiência e fazer com que essa eficiência seja vista pelo cliente.

Como consumidor, como o você se sente?
Como consumidor, recebemos muita informação. E as pessoas questionam por que existe tanta informação. Como vivemos em uma democracia, com mercado livre, toda informação tem seu direito. Por isso, o consumidor precisa ficar alerta, porque é bombardeado pelas informações todos os dias. O consumidor precisa ser muito seletivo. Nós temos uma pesquisa que avalia a vida de mídia de cada consumidor. É bem interessante. Eu, por exemplo, procuro um jornal logo que levanto, outro consumidor quer acordar com música. Nós e as demais agências estamos procurando mapear a vida diária de mídia dos consumidores.

Podemos chegar à conclusão que, como consumidor, você está satisfeito?
Não. Acho que o consumidor está sempre procurando alguma novidade, melhor preço, mais benefícios. Esse é o perfil do consumidor. Esse é o desafio para o cliente de uma agência. Ele precisa entender o ciclo. Por isso, meu negócio não é uma evolução, é uma revolução que está vindo à mais alta velocidade.

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