Durante a final do Campeonato Paulista, um jogador do Santos deu exemplo de como um profissional deve assumir responsabilidades, ao gesticular enfaticamente ao seu treinador que não sairia de campo de jeito algum. A imagem percorreu os telejornais e programas esportivos e, hoje, o assunto transita em artigos e mensagens corporativas Brasil afora.
Vou pegar carona no assunto para lembrar uma entrevista que li outro dia, com a roqueira brasileira Pitty. Ela sustentava que “ser responsável por si mesmo é fundamental, é um dos caminhos para a totalidade”, argumentando que é mais fácil, porém injusto, culpar o outro, o mundo e a sociedade, por nossas atitudes e erros.
É verdade, teria sido muito mais fácil para o jogador Paulo Henrique Ganso ter aceitado a substituição. Se ao acaso, o time tivesse tomado mais um gol, ele não teria responsabilidade alguma pela derrota. No entanto, assumiu o risco, foi competente e virou herói e símbolo.
Vivemos, felizmente, uma era de independência, livre informação e do livre acesso. Felizes somos nós, de qualquer geração, que estamos testemunhando essa transformação. Interatividade, redes sociais, fóruns – tudo vem na esteira do livre-arbítrio, estimulado e praticado na web 2.0.
Vivemos, felizmente, uma era de independência, livre informação e do livre acesso. Felizes somos nós, de qualquer geração, que estamos testemunhando essa transformação. Interatividade, redes sociais, fóruns – tudo vem na esteira do livre-arbítrio, estimulado e praticado na web 2.0.
Mas toda esta torrente de liberdade traz nas suas entranhas um monstro terrível que nos engole e nos torna vulneráveis, sem ação – a transferência abusiva da responsabilidade. Um fenômeno global e assustador que afeta sensivelmente as relações de consumo e a prestação de serviço público e privado. Ao contrário do que o jogador fez, os responsáveis por atender ao cliente não assumem a responsabilidade pelos produtos ou serviços que fornecem, e simplesmente a transferem para o cliente ou o cidadão.
A segurança é um exemplo desse fenômeno nos serviços públicos. Todo dia se vê dicas para se proteger do ladrão. Diz-se que “você foi assaltado porque não tomou cuidado”, e não porque bandidos, cada vez mais preparados, estão soltos nas ruas.
Nas relações de consumo, acompanhamos passivamente (e até gostamos) a transferência da responsabilidade dos fornecedores em nos prestar assistência, para o “canto da sereia” dos benefícios da interatividade na internet. Autosserviço, fóruns de clientes, wiki sites ou outros do gênero, onde um desesperado procura por outra vítima semelhante, para saber se há algum jeito de resolver seu problema – que é do fornecedor.
A interatividade tem que ser uma prerrogativa, um direito, um recurso. Não uma condenação! Se você vai ao fórum, assume responsabilidade e riscos que não são seus. O fornecedor, sim, é responsável e precisa estar disponível. Não pode simplesmente dizer que possui um fórum, disponibiliza um autosserviço, ou que um manual pode ser encontrado na internet. Isso se enquadra na mesma categoria da afirmação que a única forma de evitar um assalto é sendo cuidadoso.
Nós podemos e temos que ser responsáveis por nossos atos. Mas entre os atos de nossos fornecedores está o de oferecer produtos e serviços com a obrigação de responder quanto à qualidade, segurança e funcionamento.
Não usem a web, muito menos a web 2.0, para justificar que “agora você, cliente, pode fazer isso sozinho”. Assumam e não transfiram. Sejam os heróis e símbolos de nossa sociedade e das relações de consumo, como o Ganso foi na sua atividade.
Como na famosa frase de Saint-Exupéry, “você é responsável pelo que cativas”. Você, fornecedor, é responsável pelo cliente que conquista ou, pelo menos, pelo produto que anuncia e vende a ele.
Enio Klein é professor nas disciplinas de Vendas e Marketing da Business School São Paulo – BSP, diretor da K&G Sistemas e general manager da operação SalesWays no Brasil. Entre em contato através do e-mail [email protected] ou acesse o blog http://www.blogclientesa.clientesa.com.br/napeledocliente/ .