Quem não se lembra do desastre econômico com a criação do deposito compulsório? Muitos podem se recordar da quebradeira, como Guilherme Paulus, que estava estruturando a CVC. Mas, no meio da intempérie, seu espírito empreendedor enxergou luz no final do túnel e construiu uma das maiores operadoras turísticas do País – e da América Latina. Com o fim do maior filão empresarial, da época, Paulus viu na estratégia dos funcionários da Mercedes-Benz de cotizar três ônibus para uma viagem ao Vale do Itajaí a saída para contornar a crise e realinhar os negócios. “Foi aí que descobrimos um filão de mercado, que era a integração dos departamentos sociais das empresas”, lembra. “E foi assim que nós praticamente criamos o turismo de massa nacional, programando desde passeios de apenas um dia, para locais como Águas de Lindóia e Guarujá, até uma semana e férias completas dos funcionários.”
O empresário, que estudava direito e foi bolsista da IBM, acabou se entusiasmando com turismo depois de ganhar dinheiro em um trabalho para o Governo e ir viajar. Ele mostra seu espírito empreendedor ao brincar com a palavra “crise”. “O interessante é que na palavra “crise”, se você tira o “s”, é formada a palavra “crie”. E essa é a solução, você tem que criar, aproveitar as oportunidades que surgem”, comenta.
Criado o conceito de tratamento de cliente, o desafio foi gerar cultura, repassar internamente e consolidá-la. Com apoio tecnológico e formação de pessoal, Guilherme relembra que não foi difícil. O caminho sedimentado foi o das insubstituíveis reuniões, como ele descreve nesta Entrevista Exclusiva. Hoje, são 800 funcionários diretos e aproximadamente 3.200, indiretos. “O objetivo, sempre, é atender o cliente da melhor maneira possível. Eu sempre passo para a minha equipe que é essencial aprender com os erros, e para corrigi-los é imprescindível escutar o cliente”, ensina. “Meu cliente é meu amigo, é o que gosta da nossa marca, não qualquer um que passa na rua.”
Como o senhor resume o seu relacionamento com o cliente?
Nós enxergamos os nossos clientes como um patrimônio da empresa. Procuramos dar uma assistência completa para eles, desde o interesse deles em viajar, até o retorno da viagem. O cliente procura a CVC depois que ele já pensou para onde quer viajar. Ainda não conseguimos que ele nos procure primeiro e depois decida para onde ele quer viajar. Então a partir do momento em que ele nos procura, temos que atendê-lo da melhor maneira possível, por intermédio de todos os canais de atendimento. Nós auxiliamos o cliente decidir qual é o melhor pacote para as necessidades dele como roteiro, hospedagem etc. No aeroporto o cliente conta também com o auxílio de uma equipe da CVC, da mesma forma que ocorre no desembarque, onde uma equipe estará aguardando para recepcioná-lo e encaminhá-lo ao local que deve seguir. A estratégia é dar assistência em toda a estadia. Temos um pacote que inclui um guia turístico à disposição do cliente praticamente o dia todo, a exemplo do que praticamos no pacote rodoviário. Nas cidades de maior fluxo turístico, como Fortaleza e Gramado, temos um carro-serviço, disponível para os clientes, também quase o dia todo. Tentamos oferecer o melhor serviço possível aos nossos clientes, com diferenciais, em todos os pacotes disponíveis. O cliente é a base de tudo o que somos hoje. Sem ele não teríamos crescido tanto, acho que nem existiríamos.
Qual é o segredo do sucesso da CVC?
O grande segredo da CVC sempre foi aliar preço competitivo com qualidade. Desde o começo, quando nós montamos a empresa, há 34 anos, em Santo André, nosso principal objetivo era vender passagens aéreas e alguns pacotes turísticos de operadoras internacionais. Não havia muita demanda para viagens internas. Depois disso veio a primeira crise que eu conheci como empresário da área de turismo, em 1976, provocada pelo “depósito compulsório”, criado pelo governo, que consistia na cobrança de aproximadamente U$ 1000, por parte do Banco Central, para quem viajasse para o exterior. Muitas empresas de turismo não resistiram e fecharam as portas. Os protestos foram muitos. Por ironia do destino apareceu lá na região do ABC, uma proposta da Mercedes-Benz de cotização de três ônibus para a cidade de Vale do Itajaí. Foi aí que descobrimos um filão de mercado, que era a integração social das empresas com seus funcionários, através de seus respectivos grêmios. Eles programavam viagens para os funcionários e seus familiares. Com essa experiência passamos a desenvolver projetos semelhantes de integração social com outras grandes empresas da região do ABC, como Volkswagen, Cofap, Pirelli, entre outras. E foi assim que nós praticamente criamos o turismo de massa nacional, programando desde passeios de apenas um dia, para locais como Águas de Lindóia e Guarujá, até uma semana e férias completas dos funcionários. Estas grandes empresas chegaram a reunir cerca de 120.000 empregados. Na época, os trabalhadores da indústria automobilística, principalmente os “horistas”, ganhavam muito bem. Nós fizemos um trabalho de levar os pacotes de viagens direto à mesa do trabalhador, por um preço muito acessível. Nossa grande preocupação sempre foi com a qualidade das viagens, independente de serem curtas. Oferecíamos um serviço de bordo, que só existia em aviões, que incluíam lanche e dávamos assistência aos passageiros nos ônibus. Essas parcerias com as empresas nos ajudaram muito a crescer, pois oferecíamos até 50% de desconto nos pacotes, além de serem abatidos na folha de pagamento. Nós entramos muito fortes no turismo rodoviário a partir da década de 80, já disputando o mercado com as grandes operadoras de São Paulo, que também eram agências de turismo. Na época, não havia essa divisão de operadora e agência de turismo. Hoje, uma operadora turística como a CVC cria e distribui uma fábrica de produtos para as agências de viagens. Nós temos 154 pontos de distribuição, para mais de 7.500 agências credenciadas em todo o Brasil. Essa é a nossa grande força, a base de distribuição. E sempre estamos atentos ao bolso do cliente. Hoje, em qualquer operadora você encontra a passagem aérea ida e volta para Fortaleza por volta de R$ 3.000. Com descontos e/ou tarifas promocionais esse valor pode ser reduzido e chegar a R$ 1.600. Conosco, um pacote fretado, com 7 dias no hotel, passagem aérea, traslados e um tour pela cidade sai por R$ 800 num hotel 3 estrelas, e R$ 1.200 num 4 estrelas. Oferecemos também a opção de resort, que sai numa faixa de R$ 1.500 a 1.800, ou seja, praticamente o preço de uma passagem aérea promocional.
Qual é o segredo?
Nós utilizamos os aviões das companhias em horários ociosos, principalmente em fins de semana, quando não há um grande fluxo de executivos viajando. Nós compramos a hora/vôo, gerando um grande volume. Nós conseguimos um custo excepcional com custos porque quando as aeronaves estão paradas, os insumos já estão computados pelas companhias. Nos hotéis, nós ocupamos cerca de 70% da capacidade total durante todo o ano, o que dá uma garantia de pagamento das taxas de luz, etc. Fazemos a mesma coisa em todos os outros itens, compramos por quantidade, mas sempre focado em qualidade, para que as pessoas se sintam atraídas para viajar pela CVC.
Como o senhor entrou nessa área?
Quando eu comecei a trabalhar com turismo eu estudava direito. Antes disso eu fui bolsista da IBM, onde o governo estava contratando recém-formados da IBM para trabalhar em uma pesquisa, no Estado de São Paulo. Ganhei um bom dinheiro e fui viajar, e acabei me apaixonando por turismo. Quando voltei, vi um anúncio para uma oportunidade de emprego na área, e acabei indo trabalhar na Faro, onde fiquei por um ano e meio. Saindo de lá, fui trabalhar na Nacional Turismo, onde fiquei mais um ano. Depois disso fui para uma outra agência, onde conheci em uma viagem o deputado Carlos Vicente Cerchiari (CVC), que atuava em Santo André. Ele ficou tão empolgado com a viagem que me convidou para ser sócio dele. Eu aceitei e mantemos a sociedade por quatro anos, onde o grande negócio era vender passagens aéreas e reservas de hotéis.
Como o senhor tomou a decisão de dar uma guinada no negócio?
Durante a crise de 76 nós tivemos que nos virar para sobreviver. O interessante é que na palavra “crise”, se você tira o “s”, é formada a palavra “crie”. E essa é a solução, você tem que criar, aproveitar as oportunidades que surgem. Como as vendas de passagens aéreas representavam cerca de 80% do negócio, o jeito era achar novos nichos de mercado, como nós fizemos com os pacotes rodoviários.
Como o senhor identificava as oportunidades de negócio no contato com os clientes?
Depois das viagens que fazíamos com os grêmios das empresas, sempre marcávamos um jantar de confraternização para troca de fotografias, o que acabou se tornando uma das melhores fórmulas para conhecer o cliente, pois por mais que o acompanhássemos nas viagens, não dava para ter um contato com todos. Afinal, eram sempre entre quatro e cinco ônibus. Estes jantares proporcionavam então um aumento no relacionamento, onde fazíamos contato com pessoas de outras empresas. Consequentemente, também marcávamos outras viagens. E dessa forma começamos a expandir, descobrindo novos nichos de mercado. Em Santos, por exemplo, descobrimos que havia muitos aposentados. Acabamos abrindo um escritório na cidade para atender estes clientes. Com o crescimento das cidades do interior de São Paulo, acabamos expandindo nossa atuação em função da migração de grandes empresas. Assim, abrimos filiais em cidades de regiões como Vale do Paraíba e Campinas. Apenas quando nós estávamos bem consolidados que decidimos entrar no mercado da cidade de São Paulo, que considerávamos um outro horizonte. Nós começamos implantar estratégias diferenciadas de marketing, como abrir as lojas até meia noite, e a traçar estratégias para atingir clientes não só da Classe A mas também da Classe B, que representam uma grande fatia no mercado.
Como o senhor conseguiu transformar em algo mais concreto o que você sentia que os clientes queriam?
Como o tempo você começa a perceber mais facilmente o que o seu cliente deseja. Também é fundamental realizar pesquisas sobre os hábitos, perfil e preferências dos clientes. Desde o começo do negócio nós sempre procuramos saber o que o cliente pensa para otimizar o atendimento e oferecer um serviço de qualidade. O pacote rodo-aéreo, por exemplo, nós implantamos por indicação de pesquisas junto aos clientes e, até hoje, procuramos corrigir alguns detalhes que os próprios clientes nos sugerem através de pesquisas ou de contato via o SAC. O objetivo, sempre, é atender o cliente da melhor maneira possível. Eu sempre passo para a minha equipe que é essencial aprender com os erros, e para corrigi-los é imprescindível escutar o cliente.
Como o senhor estruturou a empresa para passar aos colaboradores essa cultura de relacionamento?
O principal canal de difusão da cultura cliente são as reuniões. Desde o começo eu aprendi que elas são fundamentais. No início a empresa era composta apenas por mim, minha esposa e dois ou três funcionários. Por isso, tínhamos dificuldade em executar os processos, inclusive os mais simples como por exemplo de emissão de duplicatas. Com o passar do tempo adquirimos experiência e a tecnologia foi se desenvolvendo, o que ajudou muito na execução do trabalho. Conforme a empresa foi se expandindo fomos contratando mais colaboradores e sempre passando o nosso know-how para eles. Hoje nós contamos com cerca de 800 funcionários diretos e aproximadamente 3.200 se contabilizarmos também os indiretos.
E como o senhor avalia a dificuldade de transmitir essa cultura para os funcionários?
Em todas as nossas lojas, antes de ela abrir, os gerentes se reúnem para discutir o dia anterior. Há também reuniões diárias nas lojas para avaliar dificuldades, além de falar sobre novos produtos, auxiliar alguém que por acaso esteja em treinamento, etc. Toda terça nos reunimos para discutir o SAC. Às sextas há a reunião com a diretoria de vendas, uma vez por mês com toda a diretoria, e assim por diante. Temos também metas a serem cumpridas, para longo prazo, planejamos os próximos dez anos da empresa em nossas conversas. Toda empresa deveria fazer isso. Nós planejamos e discutimos muito todas as ações antes de colocá-las em prática.
Quais ferramentas o senhor utiliza para fidelizar seu cliente?
São muitas. Com o avanço da tecnologia, ela se tornou um bom diferencial, além de ajudar muito nos processos. Nós fizemos um cruzeiro de 22 dias para a Terra do Fogo, com passageiros com média de 70 anos. Pedimos para um médico elaborar um questionário sobre a saúde de cada cliente, para podermos equipar o hospital do navio, nos precaver. É como eu sempre digo para todos na empresa: No turismo não basta embarcar os passageiros. Ele vai muito além disso, nós não vivemos sem o cliente, então devemos sempre nos preocupar com o bem estar dele, fazer de tudo para oferecer um serviço de qualidade. Ele percebe esses diferenciais e acaba se fidelizando.
Que ações o senhor utiliza para fazer o cliente viajar novamente pela CVC?
Em nosso banco de dados nós temos a ficha de todos os clientes. Nós avaliamos quando foi a última vez que o cliente viajou conosco e caso já tenha se passado 6 meses nós ligamos para ele para oferecer pacotes promocionais. Isso é muito importante pois o cliente gosta de ser lembrado. Mas fazemos sem importuná-lo. É preciso cuidar dele para que ele se fidelize, criar um laço de amizade. Se você não o trata bem ele acaba indo para a concorrência, por isso é fundamental sempre prestar um ótimo atendimento. Conceitos como fidelizar e manter o cliente estão intimamente relacionados ao bom atendimento prestado, pois se ele não ficar satisfeito fatalmente vai procurar outra empresa e perdemos o cliente para a concorrência. Até hoje, eu atendo pessoalmente alguns clientes, o que cria mais laços com eles, os mantendo satisfeitos e consequentemente fiéis à CVC. Um trunfo que nós temos é que todo mundo gosta de viajar, é praticamente zero as chances de um cliente não gostar quando você vai oferecer condições especiais para ele viajar. Viajar é o sonho de consumo das pessoas.
Então a CVC está realizando o sonho dos clientes ou o seu sonho?
Eu acho que nós estamos realizando os sonhos dos clientes. Os deixando satisfeitos estou realizando meu sonho também. O importante é oferecer um serviço de qualidade e que satisfaça o cliente. Meu cliente é meu amigo, é o que gosta da nossa marca, não qualquer um que passa na rua.
Quanto tempo do seu dia o senhor dedica para se relacionar com o cliente?
Eu acho que eu dedico a minha vida ao cliente. Eu estou sempre atento ao que acontece na empresa, e isso traz um diferencial para os processos, pois o cliente sabe que ele está amparado. Uma coisa que aprendi com o comandante Rolim (Rolim Amaro, fundador da TAM) é falar com o cliente. Eu tenho um e-mail direto onde eu mesmo respondo e um telefone direto para me relacionar com os clientes. Mesmo as ocorrências do SAC eu fico sabendo nas reuniões de terça-feira.
O senhor se baseou em alguém para fazer um benchmarking ou a CVC fez o seu próprio?
Nós sempre procuramos nos basear em grandes cases. Há sempre grandes líderes que deixaram grandes lições para seguirmos. E o maior exemplo é a Bíblia. Nós vamos anexando ao nosso know-how as experiências de pessoas e empresas bem sucedidas, sempre com o objetivo de melhorar cada vez mais. Muitos universitários do curso de turismo já fizeram tese sobre nossa empresa, o que é um motivo de muito orgulho, além de agregar valor à nossa marca.
O que mudou do Guilherme que começou a CVC para o de hoje?
Mudou muito. Aprendi muitas coisas, estou mais maduro. Procuro usar essa experiência em favor dos clientes.