No início dos anos 90, surgiu no Brasil uma série de livros de muito sucesso entre crianças e adolescentes. “Onde está Wally?” apresentava um simpático personagem com aparência bastante característica: gorro na cabeça, camisa listrada, óculos enormes no rosto. Com características tão marcantes, qualquer bebê seria capaz de reconhecer Wally desenhado numa folha branca de papel! Curiosamente, o livro desafiava nossa perspicácia ao colocar Wally no meio de cenários complexos. Muitas pessoas passavam horas se divertindo antes de dar por terminada a estimulante tarefa.
A grande sacada dos autores do livro foi usar conhecimentos adquiridos em décadas de pesquisa das neurociências. Quando nosso cérebro se põe a buscar algo conhecido, um dos mecanismos mais utilizados é o da busca por similaridade. Quando estamos numa situação onde todas as referências são parecidas, o trabalho se torna mais lento. É exatamente a mesma sensação de localizar um ponto específico numa estrada longa e sem grandes diferenças de cenário. Já experimentou andar na Rodovia Dom Pedro entre Itatiba e Atibaia?
Em Inteligência de Mercado, a tarefa de busca é uma das mais freqüentes e, talvez, uma das mais desesperadoras. Tenho certeza de que você já sabe o porquê. A complexidade dos ambientes digitais nas empresas é enorme e não pára de crescer. E não é só o volume de documentos que preocupa. Mais e mais, novas formas de guardar conteúdo digital surgem: documentos Office, PDF, e-mails, diagramas… E a internet!
Já sei, agora que mencionei a internet, você já está aí dizendo: temos os buscadores, máquinas de encontrar Wallys digitais que trabalham incessantemente para mim. Concordo, Google e Yahoo são mesmo muito legais, mas você não sente a mesma sensação de quando brincava com o livrinho quando vê os resultados do Google? São dezenas, centenas de milhares de aparições muito semelhantes ao que você queria, mas que não te atendem. Demoraria anos para percorrer todos os links fornecidos pelos motores de busca.
Pelo menos no mundo corporativo, para todas as tarefas que demandam agilidade e precisão na recuperação de informação, há uma revolução em marcha que responde pelo nome de indexação semântica.
A indexação semântica se origina de princípios da lingüística, normalmente sintetizados em software com elementos de inteligência artificial (porque melhoram de desempenho com o tempo). Esses programas são capazes de ler os mais diferentes formatos de arquivos, em grande volume, e decompor os textos em elementos semanticamente relevantes, ou seja, eles são capazes de “entender” significados. Esse entendimento, claro, parte das premissas estruturais de cada língua e de muita estatística. Assim, conseguem saber o que é um verbo ou um substantivo e transformam esses elementos em termos significativos. Na medida que fazem novas análises semânticas, começam a perceber relações que se repetem, o que permite realizar inferências. Por exemplo, outro dia montamos um repositório de documentos técnicos e comerciais da área médica. No primeiro esforço de indexação, o software foi capaz de traçar relações entre os termos “cirurgia”, “bisturi” e “corte”.
Mas o que isso traz de benefício para a IM? Bem, se o que mais nos é exigido é fazer inferências sobre comportamentos de produtos, competidores, clientes e ambiente externo, chegar rápido ao conteúdo mais relevante existente na organização é uma baita mão na roda. E o conhecimento tácito da organização? Eis o assunto para o próximo artigo. Mãos à obra!
Leonardo Vieiralves Azevedo é presidente da WG Systems. E-mail: [email protected]
Onde está Wally?
A “lógica da indústria” (que valoriza as características dos produtos) e a “ló gica do varejo” (que, quase sempre, busca, tão-somente, as melhores negociações) precisam dar lugar à lógica do consumidor. Essa, sim, é que deve ser de referência para o planejamento, desenvolvimento e execução das atividades de marketing e vendas.
Com a melhor das intenções – proporcionar ampla opção de escolha aos clientes – varejistas e fabricantes transformaram a experiência de compra, antes um ato simples e agradável, em uma atividade extremamente complexa e frustrante: está cada vez mais difícil para o consumidor orientar-se, ante a imensa quantidade de lançamentos que invadem as prateleiras das lojas todos os dias.
Estudo realizado em supermercados de sete grandes regiões metropolitanas brasileiras constatou a existência de 13.417 itens que não existiam no ano anterior. Ou seja, durante esse breve período, as lojas de auto-serviço foram inundadas com uma média de 1.118 lançamentos por mês, ou 37 ao dia. Se esse volume confunde até mesmo os mais experientes profissionais do varejo na hora de organizá-los na área
reservada a outros itens da linha, imagine o que faz na cabeça do consumidor.
Para complicar ainda mais a vida dele, soma-se a tudo isso a quantidade de categorias em que esses produtos se encontram divididos (quase 160) para se ter uma noção da complexidade que se tornou o processo de compra. Não é à toa, portanto, que ele se sinta cada vez mais perdido ao entrar no supermercado. É como se fosse levado a participar daquele velho jogo infantil “Onde está Wally?”. Até para adquirir uma simples lâmpada ou caixa de fósforos é preciso percorrer diversos corredores antes de localizar a seção e a categoria correspondentes. E, depois, fazer a escolha diante de uma enormidade de opções.
Para se defender diante de toda essa multiplicidade, o consumidor acaba por “afunilar” a percepção. Confuso entre tantos novos produtos com sabores, tamanhos, marcas, formatos e benefícios, acaba comprando o mesmo de sempre. Nem é preciso dizer o quanto o varejo e a indústria perdem com essa decisão.
O cenário tende a se agravar ainda mais com a aceleração do ritmo em que produtos são lançados e retirados do mercado. E não terá solução enquanto as empresas não se adaptarem à “lógica do consumidor”; isto é, ao processo de raciocínio que determina este ou aquele comportamento na hora de fazer compras.
E como funciona essa lógica?
Nossos estudos têm demonstrado que as pessoas costumam associar os produtos a idéias e segundo critérios que variam de acordo com a categoria. Se a consumidora pensa em “cuidados com os cabelos”, vai procurar os itens relacionados por ela a essa atividade, o que envolve desde xampus, condicionadores, grampos, colorações e toucas plásticas até produtos aparentemente inusitados, como papel alumínio. Esses “cenários mentais” é que determinam a sua escolha.
Para os fabricantes, saber como funciona esse processo permitirá aprimorar e desenvolver produtos sintonizados com as reais necessidades das pessoas, aumentando a possibilidade de sucesso em termos de venda. No caso do varejo, esse tipo de conhecimento serve como referência na orientação aos clientes no que diz respeito ao diferencial de cada produto. Mas, também, se aplica ao desenvolvimento de categorias, soluções, ações promocionais e ações de merchandising.
Em resumo, o primeiro passo é reavaliar os conceitos. A “lógica da indústria” e a “lógica do varejo precisam dar lugar à lógica do consumidor como referência para o planejamento, desenvolvimento execução das atividades de marketing e vendas. Caso contrário, até mesmo metodologias consagradas, como o gerenciamento por categorias, dificilmente, alcançarão os resultados esperados. E o velho problema do “ruído nas gôndolas” voltará.
O segundo passo é comprar calçados bem confortáveis. Afinal, para compreender o comportamento do consumidor, é preciso estar no habitat dele: a loja. Isso implica gastar muita sola de sapato (de preferência de borracha), percorrendo corredores, avaliando a exposição das mercadorias nas gôndolas e o fluxo das pessoas nas seções, diariamente.
Maria Cristina Mastoprieto ([email protected]), cientista social formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com mestrado em Psicologia pela Universidade de Stanford, Estados Unidos, é diretora da Sense Envirosell Pesquisa & Informação