Pode parecer um furacão



Uma verdadeira revolução no mercado de atendimento ao cliente. As empresas terão até dezembro para se adequar à nova lei que regulamenta os SACs, assinada no último dia de julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que impõem regras mais rígidas à atividade. Em Brasília, a partir de setembro, o do not call começa a vigorar e o Inmetro, junto com ABNT, começa a preparar uma normatização. Essa transformação começou a ser desenhada pelos próprios executivos há pelo menos quatro anos, com a proposta de auto-regulamentação, cujas normas e regras geraram o Probare, inspirado no Conar, de publicidade. Mas a nova lei pode levar a uma multa de R$ 3 milhões aos infratores.

O sinal veio do ministro Tarso Genro: “esse é o momento da inversão dos papéis; o cliente deixa de ser objeto e passa a ser o sujeito da relação com os fornecedores, exigindo a solução mais eficaz para sua demanda”.  Poucos dias antes da assinatura do decreto, Genro criticou os callcenters, alegando experiência própria. Em entrevista à Rede Globo afirmou que havia passado o final de semana sem celular: devido ao atraso no pagamento, o serviço foi cortado e o ministro não conseguiu falar com o SAC da operadora no final de semana. Com a nova lei, os SACs deverão funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana.

O prazo de adequação para as empresas aumentou para 120 dias – na proposta inicial feita pelo Ministério da Justiça eram apenas 60. Segundo Cláudio Márcio Tartarini, assessor jurídico da ABT, o governo ouviu a sociedade e conseqüentemente o empresariado, se sensibilizou e adaptou a norma para que fizesse mais sentido. Mas afirma que não houve nenhuma negociação após o fim das audiências públicas, em julho. “O governo tem se mostrado ponderado e está aperfeiçoando a sua visão sobre o assunto”, afirma.

Mas a imposição das regras e inflexibilidade do governo está sendo contestada pela Associação Brasileira de Telesserviços, a ABT, que discorda em alguns pontos da lei, e busca negociações, apresentando o Probare (programa de auto-regulamentação da atividade), que está completando três anos, como contrapartida.  Em carta, divulgada antes do decreto, Jarbas Nogueira, presidente executivo da associação, aponta os itens que precisam ser revistos. Enquanto a lei prevê capacitação do atendente com as habilidades técnicas e procedimentais necessárias, Nogueira diz que a especialização é necessária para o bom atendimento e, por isso, “as transferências entre atendentes é essencial”. O tempo de 60 segundos também é questionado, alegando-se que a lei deve ser “adaptada à realidade dos diferentes serviços ou produtos” e também deve levar em consideração a solicitação do cliente.

Entre as conseqüências desta lei é possível que haja aumento de custos para os clientes. Tartarini reforça a teoria de que alguém terá de pagar: “É um custo a mais e acaba repercutindo na cadeia econômica de alguma forma. Inclusive pode recair sobre o próprio consumidor”, explica. Os empregos também entraram na discussão. Tartarini nega ter dito ao jornal Folha de S. Paulo que poderia haver queda nos salários: “A redução de salários é ilegal. A Folha falou isso com impropriedade”. Aponta que deverá haver mais contratações para atender as novas demandas, geradas pelo atendente como primeira opção, o que trará custos. E quanto ao pagamento desses novos agentes dependerá de cada empresa e de acordos com os sindicatos trabalhistas.

Matteo Marchiori, diretor de operações da Almaviva, também prevê aumentos de custos: “Os ofensores de custo serão basicamente dois: primeiro, o crescimento horizontal do serviço – podemos estimar um aumento entre 30 e 40% no volume total terminado no operador; depois, surgirá a necessidade de maior qualificação do operador, devido à redução da quantidade de transferências limitadas e à obrigação, já no primeiro nível de atendimento, de gerenciar os cancelamentos, resultando no aumento do salário médio”, afirma.

Para se adequar às novas leis, as empresas terão de investir em infra-estrutura tecnológica e pessoas. No caso das URAs, a opinião de Marchiori é de que aumente até 40% o volume total de ligações encaminhadas para o operador e “muitos dos investimentos feitos em URA irão reduzir a própria margem de benefício alcançada até então. Porém, os clientes já educados a um atendimento eletrônico, bem mais rápido e com menos margem de erro humano, não irão abandonar a prática”, afirma. Ele acredita que o momento é de mudança profunda: os novos investimentos e treinamentos exigidos acarretarão na mudança do modelo de negócio de forma radical, em preços e parâmetros.

Luz no fim do túnel?

Apesar das críticas, alguns empresários vêem pontos positivos na nova regulamentação. “Encaro com muita tranqüilidade. Já convivemos com o do not call nos Estados Unidos, no México e regulamentação forte na Espanha. É indiferente! A sociedade decide como quer as regras do jogo e nós obedecemos. Não se discute, lei é para ser cumprida!”, afirma Agnaldo Calbucci, presidente da Atento, empresa líder no mercado de callcenter. Mas também não deixa de fazer sua crítica: “acho que não precisaria tanta regulação, mas isso não cabe a mim, mas à sociedade brasileira”.

Carlos Almeida, da Montana, apóia a ação do governo e acredita que a lei decorreu da incapacidade do setor de negociar diretamente com o legislativo e executivo para fazer normas mais brandas. “O Probare deveria ser a nossa regulamentação”, afirma. O executivo crê que a negociação ainda pode acontecer e o setor deve se unir em defesa do Probare. A Associação Brasileira de Marketing Direto, a Abemd, também apóia a ação do governo, mas, assim como Almeida, quer levar o Probare para a discussão.

Vladimir Valadares, diretor da V2 Consult, aposta em novas estratégias geradas por essas modificações. “Com a necessidade de crescimento das estruturas, as empresas de terceirização serão beneficiadas comercialmente. Em contrapartida, aumentará o desafio pela busca de pessoas com formação mínima para atuarem na área”, prevê. Também acredita que predominarão as “operações multi-skill, para diluir as células de retenção, e melhorar o gerenciamento dos canais web, o que pode mudar totalmente as configurações atuais dos contact centers”, conclui.

Call or do not call?

Brasília será a primeira cidade brasileira a ter uma lista de clientes que não querem receber ligações de empresas de telemarketing. O deputado distrital Rogério Ulysses, autor do projeto, diz que a idéia partiu dos próprios consumidores “cansados dos abusos”. O empresariado acredita que as conseqüências transcenderão o Distrito Federal: “Ela não impactará só Brasília. Será como uma bola de neve. E com certeza haverá demissões”, afirma Almeida, presidente da Montana. A empresa possui 60 postos de telemarketing ativo, principal função afetada por esta nova lei. Se como prevê Almeida, essa tendência se espalhar pelo País, os impactos da lei “Não me importune!” também estarão presentes nas estatísticas de desemprego.

O deputado afirma que a iniciativa tem respaldo de decisões de órgãos de defesa do consumidor de vários países, baseada na infração do direto de permanecer só. “Diversas empresas se aproveitam da surpresa da situação e submetem as pessoas a atitudes, muitas vezes, inconvenientes e desconfortáveis”, explica Ulysses. Para Almeida, essas determinações são baseadas na “falta de ética” de algumas empresas, que julga serem minoria no setor. É categórico em sua crítica: “Há outros segmentos que necessitam de televendas, de SACs. Estamos todos sendo jogados na mesma vala”.

O Brasil não possui uma cultura forte de vendas por telemarketing ativo, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, que adotou o do not call. “Não temos essa cultura de atendimento via ativo e já existe uma posição contrária, elaborada sem medir as conseqüências. A venda por telefone possibilita às pessoas comprar com mais conforto, além de serem oferecidas promoções especiais”, conclui Almeida.

O Probare já estabelece desde 2006, em seu sétimo artigo, a existência de listas com nomes de pessoas que não querem receber ligações da empresa.  Além de assegurar que os contatos ativos poderão ser feitos somente de segunda à sexta-feira, das 9h às 21h e aos sábados das 10h às 16h. Chamadas fora destes horários são vetadas às empresas que recebem o Selo de Ética, além de ser proibida a prática de chamadas aleatórias ou para números seqüenciais. A auto-regulamentação também prevê que as ofertas deverão ser dirigidas a um público segmentado que mais provavelmente tenha interesse em adquirir determinado produto ou serviço oferecido.

Inmetro quer norma

Não é somente o Ministério da Justiça e o governo federal que querem regras para os SACs. O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, o Inmetro, em parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT, quer criar uma norma brasileira de serviço de atendimento ao consumidor. Assim como os outros órgãos públicos, alega que o serviço não apresenta níveis satisfatórios de qualidade. Segundo a ABNT, a elaboração da norma visa “tratar da interface entre o consumidor, empresas e governo, considerando critérios como tempo de espera, forma e agilidade no atendimento e qualidade da resolução de problemas, utilizando estes preceitos para a defesa e proteção dos direitos do consumidor”. Rose Maduro, engenheira de análises de módulos do Inmetro, diz que a norma será diferente da regulamentação. “O Ministério da Justiça está regulamentando, afirma que o atendimento deve ser feito em 60 segundos. A norma vai dizer como fazer. É mais ampla e abrange todos os setores”, explica.

As pesquisas realizadas pelo Inmetro ano passado avaliaram os SACs e revelaram resultados insatisfatórios em 80% dos casos. Isso levou o Inmetro a solicitar a normatização à ABNT.  Rose explica que a metodologia utilizada na pesquisa envolveu perguntas simples, nas quais, fazendo-se passar por consumidores, agentes do instituto questionavam os atendentes sobre validade dos alimentos, documentos necessários para abrir uma conta em banco, entre outras. “Se a maioria das empresas não passou com essa metodologia de perguntas simples, quando for um problema mais sério, não passa mesmo!”, afirma. Na época, as entidades setoriais questionaram a validade da pesquisa, depois de divulgadas pelo Fantástico, da Rede Globo, que deu projeção nacional ao tema.

Representantes dos setores avaliados e órgãos de defesa do consumidor foram convidados para participar das reuniões da Comissão de Estudos – cujo objetivo é elaborar normas referentes à terminologia, requisitos, métodos de avaliação e qualificação de pessoal.  A opinião da iniciativa privada está dividida. Para Andréa Ressaldo, gerente de relacionamento ao consumidor da Philips, “a criação da norma é extremamente válida e necessária, porque, hoje em dia, não existe uma regra mínima que possa ser utilizada por diversas empresas e segmentos, e nas medições oficiais”, explica.

Porém, a abrangência das normas gera críticas: “Nossa preocupação com a normatização é que está sendo criada de forma generalizada sem analisar a particularidade dos ramos”, afirma Andréa Bordini, coordenadora de atendimento ao consumidor da Bauducco. “Desde a primeira reunião temos o intuito de discutir a insatisfação das empresas com a pesquisa realizada pelo próprio Inmetro e também definir a melhor forma de normatização. Nosso papel é levar ao conhecimento de todos, principalmente do Inmetro, que as centrais de relacionamento possuem particularidades e devem ser analisadas separadamente, não generalizadas”, afirma. Ela acredita que as normas serão positivas para as empresas que ainda não possuem estrutura adequada para a central de relacionamento, mas, nas de grande porte, poderá haver conflitos com procedimentos internos utilizados.

Outra preocupação é a sobreposição de regulamentações. Segundo Solimar Oliveira de Araujo, da Unidade de Telesserviços da Caixa Econômica Federal no Rio de Janeiro, “por se tratar de um dos setores que mais crescem no País, os SACs acabam suscitando iniciativas de diversos órgãos para a criação de regulamentações. Todos precisam contribuir para seu sucesso; contudo, temos de ter muito cuidado para que não haja choque entre as diversas regulamentações”, explica. A Caixa Econômica Federal busca levar essa discussão para a Comissão de Estudos. Já a ABNT diz que a normatização se dará de forma complementar a proposta do Ministério da Justiça.

Entidades do setor também foram convidadas para participar das reuniões, entre elas a Associação Brasileira de Indústria Alimentícia, a Abia. Segundo o presidente Edmundo Klotz a associação “levou à Comissão de Estudos o Padrão Abia de Atendimento ao Consumidor”. Criado em resposta as avaliações do Inmetro de 2007, a auto-regulamentação trata sobre o tempo de respostas ao consumidor, fixando o prazo de 48 horas úteis como tempo máximo de retorno das mensagens eletrônicas, ou por telefone.

Até agora foram realizadas quatro reuniões e ainda não houve discussões mais relevantes, apenas explicações iniciais sobre como a normatização é feita. Rose explica que é um processo demorado e pode se estender por mais de um ano. Mesmo depois de finalizado pela Comissão de Estudos, o projeto é submetido à consulta pública, para só então ser finalizado. As normas não possuem caráter obrigatório, mas sim voluntário. “A empresa vai se adaptar à norma para que possa prestar um serviço melhor ao consumidor”, conclui Rose.

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