Por que parece não ser sério?


Tenho percebido que muitas experiências ruins nos serviços de atendimento são conseqüências de um cenário complicado que a nossa sociedade enfrenta. A fraude. A “aparente insanidade” no atendimento ocorre muitas vezes porque se “tenta perceber” se o cliente está falando a verdade ou não. “Senhor confirme isto, senhora confirme aquilo”. “O senhor digitou a senha, mas ela pode ter sido roubada”. Outro dia eu perguntei a um agente o “porque” de alguma pergunta que ele tinha feito e a resposta foi “o senhor pode estar sendo vitima de um seqüestro, preciso saber se o senhor é o senhor”. “Qual o valor da última fatura do cartão, senhor?” Me perguntou outro para autorizar uma compra. Será que é comum andar com a fatura do cartão de crédito quando se vai ao shopping? Meu próprio banco me pediu o RG quando apresentei o cartão de débito para um saque.

A questão de segurança é fato e precisa ser tratada. Perdem-se milhões todos os dias. Clientes e Empresas.

Por outro lado não é justo impor a todo e qualquer cidadão um processo de desconfiança que além de desgastante é ineficaz. Custa barato, pois em boa parte das vezes é apenas um script diferente. As conseqüências nem sempre tangíveis em um primeiro momento é que devem ser temidas: a perda de clientes e custo de imagem. Estas são estrategicamente graves. É só imaginar que a maior parte dos clientes seguramente é honesta. Pelo menos esta é uma premissa que ainda tenho. Hoje a própria questão da insegurança acaba justificando muita coisa, mas isto passa. Neste momento, o cliente passará a preferir comprar nas empresas que “demonstram confiança nele”. E aí se cria o diferencial e a lealdade.

Outro dia quis comprar ingressos por telefone para uma peça famosa. A história é longa, porém ao final não pude comprar o ingresso. A exigência para a entrega era a apresentação da fatura do cartão para conferência. Isto porque a regra de segurança é que o endereço de entrega seja o mesmo do endereço do cartão de crédito utilizado. Ninguém solicitou comprovante da idade dos meus pais que têm mais de 70 anos e por isto direito a meia-entrada. Alternativamente, fui pessoalmente para a bilheteria do teatro, porém na hora de comprar veio a exigência: “senhor preciso dos documentos dos idosos”. “Meus pais moram no Rio”, retruquei. “Pede para eles mandarem um fax”. A segurança do cartão poderá ter ficado em segundo plano. São processos de difícil entendimento e, portanto, de difícil aceitação. Se aparecer uma empresa concorrente, vendendo ingressos para o mesmo teatro, que “saiba confiar” e elimine o problema, quem passará a líder de mercado?

Usei expressões subjetivas. “Demonstrem confiança” ou “saiba confiar”. Quase tão complicadas quanto “entenda o cliente” e “saiba o que ele quer”, tão comuns quando se fala em CRM.

As questões de segurança podem ser vistas através de dois pontos de vista, pelo menos. Um relacionado a ferramentas e arquiteturas de tratamento da segurança em si tais como redes, firewall, criptografia, tokens e o conceito moderno da “gestão de identidade” que começam a fazer parte de nosso vocabulário corrente. São ferramentas que implementam os conceitos da “Governança de TI” os quais associados aos modelos de governança internacionais tais como “Sarbanes-Oxley” e Basiléia II garantem controle de autenticação, autorização, administração e auditoria dos processos de concessão do acesso dos agentes às aplicações providas pela infra-estrutura de TI. Não há dúvidas que as empresas estão atentas e investindo nisto fortemente. Mas são investimentos de infra-estrutura que ‘tocam’ no cliente final no acesso ao “internet banking”, por exemplo. Todos começam a conhecer as chaves, as senhas cruzadas, teclado virtual os módulos de segurança. Todas são ferramentas para garantir a segurança de nossas transações pela internet. Apesar de darem algum trabalho, às vezes, não incomodam muito e há um entendimento claro dos porquês. Isso ninguém discute.

No entanto existe uma outra forma de ver a segurança. Pela lente do relacionamento com o cliente em uma central de atendimento. Tem a ver com “conhecer o cliente”. Uma das ferramentas é o próprio market data base ou banco de dados de clientes. Muito usados para avaliar através de modelagem preditiva a propensão de compra ou calcular o credit rating na concessão de crédito por instituições financeiras, estes instrumentos, começam implementados para identificação de fraudes através de “comportamentos e perfis” que representem padrão. Com isto só se “desconfia do cliente” pela exceção. Operadoras de cartão de crédito já começam a ter esta preocupação. Não todas. É um recurso típico de CRM utilizado para reconhecer o “mau cliente” e preservar o “bom”. Se o agente da central consegue identificar os perfis de fraude poderá dar a “sensação de confiança” a um cliente que não tenha este perfil.

Se um cliente compra em uma transação valor maior do que o habitual, liga-se para o cliente imediatamente sem bloquear a compra ou o cartão. Desconfia-se, e trata o assunto sem criar embaraços. Outra hipótese é impedir a compra e bloquear o cartão até que o cliente ligue para a central. Mesmo se estiver dentro do limite do cartão. Uma fornece a percepção de confiança. As duas estão preocupadas igualmente com a segurança e até com o Cliente. A diferença é o grau de desgaste no relacionamento o que dever ser considerado como custo.

Uma outra forma de tratar o assunto é o histórico de relacionamento. Um cliente com histórico de relacionamento de muitos anos tem pouca probabilidade de não ser confiável. Um agente poderá “demonstrar confiança” a um cliente cujo relacionamento e transações demonstrem baixo risco pelo seu histórico. Mais uma vez o uso de ferramentas presentes no CRM poderá ser útil.

Finalmente, voltando ao caso dos ingressos. A solução seria simples. O endereço de entrega pode ser obtido de forma automática. Basta incluir no modelo de autorização o retorno do endereço do cliente. Afinal, como disse o próprio agente, eu era portador de um cartão preferencial. E, mais ainda, cliente há mais de 10 anos. Ah! Também já comprei ingressos nesta empresa no passado.

“Conhecer o cliente” é uma das premissas do CRM e pode passar a “sensação de confiança”. Mesmo que alguns questionamentos possam ser feitos em nome da segurança, o agente, à luz deste conhecimento e confiança potencial, poderá minimizar o eventual descontentamento do cliente ou mesmo torná-lo imperceptível.

Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP

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