Um atendimento verdadeiramente personalizado ao cliente, com departamentos e canais de relacionamento interligados e integrados à base das informações completas a seu respeito. De tal forma que o histórico desse relacionamento esteja disponível em qualquer momento e local dentro da organização. Mais que isso: os dados oriundos do atendimento servem de maneira clara para as tomadas de decisões estratégicas dentro de uma nítida visão-cliente na empresa. Esse é o mundo ideal da chamada visão única do cliente, ou visão integrada, ou ainda visão 360º. Um eldorado ainda separado por um vale de indefinições. De um lado, as empresas que há mais de uma década manifestam o desejo claro de chegar a esse ponto, mas não sabem como De outro, os provedores de produtos, sistemas e serviços que garantem já possuir as ferramentas nessa direção. Mesmo grandes organizações notoriamente devotadas a proporcionar um atendimento classe A, procuradas pela Cliente S/A para se pronunciar a respeito, preferiram não opinar porque ainda estudam como e quando iniciar ou completar esse processo.
Mas, com base nas que aceitaram falar, percebe-se que a VUC é um caminho já iniciado, e sem volta. No Laboratório Fleury, por exemplo, “como a estratégia é o marketing one to one, a ótica de atender o cliente como ele deseja, a visão única se torna um imperativo”, diz José Roberto Lino Filho, diretor de Relacionamento com Clientes. Por isso, a empresa está definindo a implementanção de uma solução de CRM e, entre outras providências. estuda o incremento de um chat na Internet, para possibilitar não só a ampliação de canais como também a maior integração das informações sobre os clientes.
O Fleury já tem algumas estruturas formatadas e deseja que, independente dos canais de contato, seja adquirida essa visão integrada, acompanhando a política de relacionamento já definida completamente, seja em relação aos clientes-médicos como aos clientes-pessoa física. Para a classe médica, eles implementaram o que chamam de “Assessoria”, informando resultados de pacientes e dando a orientação sobre encaminhamentos. Para os clientes-pacientes, a política é estar sempre à disposição para qualquer momento e assunto. “Criamos meios de relacionamento respeitando a individualidade de cada cliente. Não há um estilo único de atendimento”.
Todos os exames ficam armazenados no banco de dados da empresa. Isso possibilitou criar o “laudo evolutivo” que pode ser consultado, inclusive, na Internet. Criaram também o “Fale com o Fleury” gerando sugestões e reclamações que vão direto para a mesa do presidente. Um diferencial – um dos que tornam fundamental a VUC – é a não restrição quanto à forma de entrega dos exames. O cliente define se quer retirar pessoalmente, extrair na Internet, receber em casa ou no consultório do médico, etc.
Quando o cliente liga para o Fleury, é feita uma abertura de ficha. Ao chegar na unidade para os exames, não terá de repetir os dados já passados e, inclusive, as autorizações junto aos planos de saúde já foram obtidas.A cultura desenvolvida de ouvir sempre o cliente para conhecê-lo de forma integrada tem gerado as inovações. Por exemplo, a idéia do drive thru – por enquanto somente na unidade do Ibirapuera – partiu de um cliente. Outra inovação foi a criação dos cardápios do desjejum de acordo com as estações do ano. Itens do cardápio foram sendo introduzidos e modificados a partir dos desejos dos clientes. “O relacionamento é um caminho de mão-dupla – complementa Lino Filho. Quanto mais se conhece o cliente de forma integrada, mais vão-se ampliando os canais alternativos e o relacionamento”
Na TAM – empresa aérea que tem o marketing assentado no atendimento diferenciado – o histórico do cliente é desenvolvido por dois caminhos. Um é o telefone, seja através do call center ou do programa Fale com o Presidente. Outro é através do programa de fidelização. Quando o cliente entra pela Internet, na rede estão as versões do seu histórico tanto no Fale com o Presidente como no web call center. Pelo programa de fidelidade, o histórico é acessado.
De acordo com Daisy Souza, gerente do Programa Fale com o Presidente, a empresa já está tomando providências técnicas e conceituais para ampliar a visão integrada do cliente para todos os canais de relacionamento. O que deverá estar pronto no próximo ano ou, no máximo , em 2007. Já hoje, por exemplo, entram no histórico do cliente também as sugestões e reclamações feitas no Conselho de Clientes. Uma reunião que acontece quatro vezes por ano. São 10 clientes por vez, em média – aqueles que mais voam pela TAM, que mais opinam ou reclamam – junto com a diretoria e o presidente. O programa já está no terceiro ano, e foram contabilizadas mais de três mil sugestões. “Algumas delas, conta Daisy, são atendidas e encaminhadas na hora, porque quem decide está ali na reunião. E tudo vai para o histórico de cada cliente.”
Do callcenter à visão única – “A busca da VUC começou com a implementação das soluções em CRM. Mas uma coisa é o conceito de visão integrada, outra é o que se consegue fazer na prática. Porque envolve um investimento e nem sempre se consegue de acordo com os anseios gerais”, analisa Hamilton Alves dos Reis, diretor Comercial de Marketing da ACS, prestadora de serviços de Contact Center do grupo Algar. “Porque não basta um call center com a ferramenta de CRM para se conseguir o acompanhamento integral do cliente. A central de atendimento é uma das pontas desse acompanhamento. Na terceirização, oferecemos todo o serviço e ferramentas poderosas para facilitar esse processo, mas é preciso que a empresa-cliente organize tudo isso para uma solução única na gestão do cliente. O software de CRM gera relatórios mais anlíticos, mas é preciso integrar isso no hiostórico financeiro da relação com o cliente, no contato via Internet, nos balcões de atendimento, enfim, em relação a todos os outros canais de relacionamento. É preciso que a empresa se organize internamente para isso”.
A tendência das empresas de terceirização, segundo Hamilton, é prestar full service. “Não podemos mais nos restringir ao telefone. Entramos na cadeia de valores do cliente, e assim podemos prestar melhores serviços e fidelizar esse cliente. Inclusive, ajudando muito nos processos de aquisição de uma visão integrada do consumidor daquele nosso cliente.”, arremata.
Manifestando a mesma opinião, Miguel Cui, presidente da Dedic, diz que ainda há um gap entre o que se fala a respeito de visão única e o que se tem na prática. O que se deve buscar é a gestão unificada do relacionamento com o cliente, diz ele. “Não só enxergar o consumidor de forma unificada, mas também atuar nesse sentido”. Por isso, segundo informa o presidente, a Dedic passará, a partir de 2006, a fornecer módulos que permitirão integrar a área de contact center com todos os outros canais de atendimento. “Até 2010 estaremos com todas as ferramentas e serviços disponibilizados”, acrescenta.
Já o vice-presidente de Clientes e Novos Negócios da Atento, Nelson Armbrust, explica que durante muito tempo as empresas trabalharam por segmento de produto, que algumas até chamam de “pilares”. São linhas de negócios diferentes, com bases de dados diferentes, até competindo entre si no atentimento. A visão, segundo ele, neste caso, é de produto e não de cliente.
“Hoje, isso está mudando. Surgiu a necessidade de se cruzar dados entre departamentos, para facilitar vendas integradas, fidelização, etc. Mas o primeiro desafio é conseguir que a alta direção das organizações queira fazer essa integração. A decisão estratégica de adotar de vez essa visão-cliente. Definir através de BI (business intelligent) como vai atuar com cada cliente”.
No entender do executivo da Atento, o segundo passo é quebrar as barreiras internas. Ou seja, criar uma cultura disseminada dessa visao-cliente. Seguindo-se a criação de uma base de dados única. Regras de negócios para compartuilhar clientes. “A busca da VUC é um processo em andamento. E podemos ajudar nessa mudança de visão. Graças à nossa atuação junto a mais de 100 grupos empresariais dos mais diferentes segmentos, criamos uma verdadeira ´biblioteca de cases´ para compartilhar”, informa.
Por sua vez, Miguel Windt, diretor comercial da TMKT, afirma que, embora as empresas de grande porte, aquelas que trabalham efetivamente com o foco no cliente, estejam cada vez mais preocupadas em obter o máximo de informações a respeito dos seus consumidores,. poucas são ainda as que sabem o que fazer com esses dados. De modo que lhes permitam tomar decisões em cima dos 4 P´s: produto, promoção, preço e pontos de vendas.
“Sabemos que o contact center pode ser não um centro de custos, mas sim um grande alavancador de negócios. Para que as organizações possam adquirir essa visão de 360º do cliente. Relatórios operacionais, levantamentos estatísticos, etc, todos fazem. Mas estamos indo além, e oferecendo uma ferramenta que permite essa tomada de decisões para tiros mais certeiros no mercado”. Miguel Windt fala do conceito de trabalho denominado Relationship Center. Este formato é aplicado ao relacionamento com os clientes e envolve Call Center, CRM, Fulfillment e BI (Business Intelligence).
Análise similar é feita por Leonardo Pallota, gerente de Marketing da Direct Talk. “O grande problema, hoje – diz ele -, é que as informações se perdem no atendimento. Do email para o telefone, o histórico do cliente desaparece e tem que começar tudo de novo. “Por isso criamos uma solução que visa caminhar na direção dessa visão única. As informações são registradas numa só base de dados, segundo o conceito de chave única. Ao receber a informação daquele cliente, o sistema entende a chave única e busca o histórico onte ele estiver registrado”.
No entender de Pallota, praticamente todas as organizações desejam conseguir essa visão integrada. “É um mundo ideal. E as pessoas acham que é impossível de se atingir. Mas para quem conhece essa tecnologia, vê que não só é possível como está ao alcance de todos hoje. Pois entramos na fase de integração multicanal. É preciso aplicar tecnologia, processos e treinamento. Adquirir o hábito de consultar o histórico do cliente até mesmo antes do atendimento”.
O cliente em todas as perspectivas – Já na visão do fabricante, ressalta Thiago Siqueira, gerente de Soluções da Avaya, as empresas ainda aproveitarão ao máximo as soluções que ajudam no processo rumo à visão de 360º do seu cliente. “Hoje ainda existe uma certa ilusão de que basta incorporar alta tecnologia aos canais para aprimorar esse relacionamento. Mas não é isso. É preciso saber prover essa tecnologia de informação e tornar essa informação produtiva. A tecnologia ajuda nesse processo de aumento de competitividade através de uma maior percepção do cliente. Mas é preciso que ofereçamos uma solução completa em serviços. Para estar mais próximo dos clientes, a empresa precisa conhecê-los cada vez mais. E a VUC é o caminho”.
A Avaya, garante o executivo, já oferece um pacote completo de acordo com as necessidades do cliente. Citando como exemplo o Avaya Interatcion Center, ele diz que o diferencial são plataformas abertas, com uma tecnologia e serviços que permitem um histórico completo e unificado de cada cliente. “O objetivo é disponibilizar ferramentas que integrem todas as mídias através das quais se dá o relacionamento”.
Por seu lado, a Oracle do Brasil vem, desde 1996, escrevendo todos os seus aplicativos já se antecipando às necessidades de criação de uma visão integrada do cliente nas organizações. “Já podemos contribuir com soluções completas no sentido de se superar o estágio ainda existente de uma visão parcial do cliente”, destaca Adrian Duran, diretor de Consultoria de Vendas da empresa.
Fundada em 1988, a subsidiária brasileira da Oracle implementa, de acordo com seu diretor, soluções e-Business completas e integradas que incluem CRM (Customer Relationship Management), aplicativos ERP (Sistema de Gestão Empresarial), aplicativos de colaboração e plataforma tecnológica (soluções de banco de dados, servidor de aplicativos e ambiente de desenvolvimento). “A empresa também oferece serviços de consultoria, software OnDemand, treinamento e suporte com o apoio de uma equipe altamente qualificada, tudo no sentido de que a visão do cliente possa ser integrada, aplicada e bem utilizada”, completa.
Na concepção do consultor Enio Klein, diretor da K&G e professor de MBA/Marketing da FEA/USP, visão única é enxergar o cliente em todas as perspectivas do relacionamento com a empresa. Um cliente só, apesar dos múltiplos contatos e seja qual for a natureza do contato. “A maioria das empresas ainda trata o cliente de forma não-personalizada. Independente do porte ou do tipo do cliente. O atendimento é o mesmo, despersonalizado. Com a visão única, pode-se conhecer mais profundamente esse cliente e oferecer um relacionamento diferenciado. O importante é saber porque e para que fazer isso”.
De acordo com Klein, a VUC não é uma estratégia. Ela pode ser, isto sim, fundamental, mandatória, dependendo do tipo de estratégia de relacionamento que a empresa quer ter com os clientes. “Entender o comportamento do cliente em todos os aspectos pode ser uma estratégia. E só com a visão integrada isso será possível. A estratégia da organização pode abranger ou mesmo requerer a VUC. Muitas empresas podem até possuir uma visão única, e não fazer nada com isso, porque faltou a estratégia global. Há aquelas que nos oferecem coisas totalmente fora de hora. Em outras palavras, “erram o bote” porque, apesar de adotarem uma estratégia na qual seria fundamental a VUC, não a possuem”
Concordando com ele, Kendi Sakamoto, diretor da KS Contact Center Consulting – um dos pioneiros em instalação de centros de atendimento ao cliente no país – complementa que são necessários três passos: tecnologia, processos e treinamento. “De nada adianta a adoção de elementos físicos e processuais se não houver um programa forte de conscientização e treinamento de todas as pessoas da organização. É preciso criar o hábito do atendimento personalizado. Isso é adquirir e praticar a visão única do cliente”, completa.