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Caso bloqueio do Whatsapp. Quais pontos devem pesar na decisão do STF?

O Partido da
República (PR) ajuizou ação direta, com pedido de medida cautelar, para arguir
a inconstitucionalidade do art. 12, III e IV da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da
Internet – MCI), bem como requerer a interpretação conforme do art. 10, § 2º, a
fim de que seja limitado seu alcance aos casos de persecução criminal. Quanto
ao disposto no artigo 12 do MCI que estabelece as sanções cabíveis em caso de
descumprimento, a ADI busca, alternativamente, a declaração de nulidade parcial
sem redução de texto ou interpretação conforme a constituição, para que sejam
impedidas a aplicação de suspensão ou proibição da atividade de tratamento de
dados (incisos III e IV do art. 12) para aplicativos de comunicação
instantânea, pretendendo, dessa maneira, impedir novos bloqueios. Também
tramita sob o mesmo enfoque a ADPF 403, ajuizada pelo PPS – Partido Popular
Socialista, desta feita contra a decisão do juiz de Lagarto – SE, que bloqueou
o aplicativo Whatsapp, sendo tal fato o estopim para início do debate do tema
perante o STF.

Independente
da ação ajuizada, o que está em jogo é a possibilidade ou não de se aplicar as
sanções previstas nos incisos III e IV do MCI para provedores de aplicações de
internet que não respeitarem a legislação brasileira, compreendido o
descumprimento de ordens judiciais, sobretudo para aplicativos de comunicação
instantânea.

O Supremo
Tribunal Federal no intuito de buscar subsídios técnicos para embasar o
julgamento realizou consulta pública para ouvir especialistas sobre o tema,
incluindo o Facebook, principal empresa interessada, titular e responsável
jurídica pelo Whatsapp no Brasil, embora ela insista em negar tal legitimidade.

Os incisos sob
o crivo do julgamento histórico, preveem: “Art.
12.  Sem prejuízo das demais sanções
cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos
arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas
de forma isolada ou cumulativa: … III – suspensão temporária das
atividades que envolvam os atos previstos no art. 11
; ou IV – proibição
de exercício das  atividades  que 
envolvam os atos previstos no art. 11
.”

Vejam que
embora tenham ocorrido inúmeras manifestações à época do bloqueio do Whatsapp sustentando
que o artigo 12 não prevê o bloqueio de aplicativos, fato é que as atividades
sujeitas à suspensão ou proibição previstas no referido dispositivo são aquelas
previstas no artigo 11, o qual é suficientemente claro: “Art. 11.  Em qualquer operação
de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais
ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet
em
que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser
obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à
privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações
privadas e dos registros.”

Negar que
aplicativos de mensagens instantâneas exerçam atividade de coleta, armazenamento,
guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações, é de
uma deslealdade intelectual incrível. Por sua vez, suspender ou proibir tais
atividades de um provedor de aplicações como o Whasapp é, inexoravelmente,
impedir seu funcionamento. Não há dúvidas!

O que
permanece em debate, no entanto, é se seria proporcional, constitucional, impor
tais sanções para aplicativos utilizados por milhões de cidadãos para
comunicação pessoal e profissional.

Enfrentando
esse ponto central, inevitavelmente temos que investigar dois aspectos que
julgo serem os mais relevantes: a) possibilidade técnica de o provedor
compartilhar o conteúdo da comunicação; b) essencialidade ou não do serviço de
mensagens instantâneas.

O primeiro,
embora não tenha natureza fundamentalmente jurídica está umbilicalmente ligado
à possibilidade ou não de se aplicar a sanção. Isso porque, antes de ser
constatado o descumprimento de uma ordem judicial e, por conseguinte da
legislação brasileira (que deve ser respeitada – art. 11 do MCI), deve ser
analisada a capacidade e possibilidade técnica de o destinatário da ordem vir a
cumpri-la.

As primeiras
ordens judiciais que determinavam o compartilhamento de conteúdo de comunicação
direcionadas ao Whatsapp, foram proferidas antes da alegada implementação de
criptografia de ponta-a-ponta e, na oportunidade, a alegação da empresa era de que
não armazenava o conteúdo e, assim, não poderia cumprir a ordem. Logo após, a
empresa noticiou a criptografia e, a partir de então, passou a justificar o
descumprimento com fulcro na impossibilidade técnica de acessar conteúdo
criptografado. Não é objetivo desse curto ensaio, verificar se é possível ou
não quebrar uma criptografia ou se poderia o poder investigativo acessar a
comunicação por outras vias, hackeando redes SS7 e clonando o aparelho por
exemplo, até porque nessa hipótese não se está falando em colaboração do provedor,
visto que o conteúdo seria acessado diretamente a partir do celular do
investigado. Quanto ao armazenamento de conteúdo importante registrar que, ao
contrário do que era alegado pela empresa, a tese não se sustentava, porquanto
havia sim guarda do conteúdo se não de todas de algumas mensagens, ainda que
por curto espaço de tempo. Tal comportamento, aliado a teses que insistem em
constar de suas peças processuais (como ilegitimidade passiva do Facebook e
ausência de representação em solo nacional), gera uma razoável dúvida sobre a
veracidade de suas alegações e defesas.

Os magistrados
devem, antes de qualquer outra providência sancionatória, alicerçar-se em
laudos periciais quanto a possibilidade técnica de cumprimento da medida e, deve
o provedor interessado demonstrar tecnicamente e não apenas com argumentos
lastreados na liberdade de expressão, importância da criptografia no combate à
regimes ditatoriais, dentre outros, a sua impossibilidade de atender àquela
determinada ordem judicial. Ou seja, a comprovação técnica do cabimento deve
ser requisito prévio de todo mandamento judicial dessa natureza. Essa a única
ressalva a que deve o STF se ater no tocante a questões técnicas, até porque,
não poderá o supremo fazer uma interpretação dos dispositivos, delimitando
aspectos técnicos sob o atual estado da arte da tecnologia correndo o risco de
se tornar obsoleta antes mesmo da publicação do acórdão.

No que tange
ao segundo ponto nevrálgico do debate que selecionei, e que sobre ele deve
pesar a decisão do supremo, importante analisarmos a essencialidade do serviço
de mensagens instantâneas de uma empresa particular a torna-la imune a sanções
tais como a fixada pelo juiz de Lagarto.

O Marco Civil
da Internet reconheceu a importância da internet para o exercício da cidadania,
prestigiando-a como ferramenta relevante à promoção da inovação, do acesso à
informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução de
assuntos públicos, possibilitando assim o efetivo desenvolvimento da
personalidade. A essencialidade da internet como serviço é, assim, inconteste.

No entanto, o
que se discute não são ordens que impediram o funcionamento da rede mundial de
computadores em si e sim de um aplicativo de mensagens que, a despeito de seu
uso massificado, não é o único a possibilitar a troca de mensagens entre
cidadãos e, por conseguinte, permitir a eles o exercício de todas as benesses
prometidas na Lei nº 12.965/14. O Whatsapp não pode ser comparado com serviços
públicos de fornecimento de água ou energia elétrica, como alguns defenderam
para sustentar o descabimento do bloqueio. Primeiro, porque não é serviço
público, segundo por não ser essencial, como o é a internet. Aliás, até mesmo
serviços de água e luz podem ter seu fornecimento interrompido observadas determinadas
condições.

Outro
argumento frágil por confundir internet, a rede mundial de computadores, com um
serviço prestado por empresa particular sob a arquitetura daquela, é o de que o
bloqueio seria indevido por infringir o direito do usuário previsto no inciso
IV do artigo 7º em não ter seu acesso à internet suspenso, “salvo por débito diretamente decorrente de
sua utilização
“. Ora, nenhum brasileiro teve sua conexão à internet
suspensa pela decisão do juiz de lagarto ou pela aplicação em tese dos incisos
III e IV do artigo 12 da lei em comento. Serviço não exclusivo, prestado por
particular, não sujeito à autorização estatal e que pode vir a ser interrompido
a qualquer momento, seja por vontade da própria empresa ou mesmo por problemas
técnicos. Nessas hipóteses, poderia a lei obrigar a empresa a continuar com sua
atividade, mesmo se ela entender que não é mais viável economicamente, apenas
pelo fato de que milhões de brasileiros o utilizam? Certamente não e pelo mesmo
raciocínio não pode ser o Whatsapp considerado essencial a fim de torna-lo
imune a sanções do poder público. Não se nega, claro, que o aplicativo é uma
ferramenta incrível e que permite o exercício da cidadania, no entanto, não é a
única e sua falta não representará qualquer violação à democracia e à liberdade
de expressão. Não raras vezes o Facebook e Google, grandes players na internet,
postam-se como paladinos das liberdades e justiça no mundo, quando na verdade
apenas defendem seu próprio negócio que detém nos dados dos usuários seu
principal ativo. Não se pode alçar referido software a tal patamar quase
angelical.

Concluir-se-ia,
pela leitura até aqui, que encerraria o artigo defendendo in totum, as ordens de bloqueio prolatadas pela justiça brasileira.
Não. A intenção é demonstrar que não deve o STF impedir futuras aplicações das
sanções previstas nos incisos III e IV do art. 12 do MCI, nem pela questão
técnica (se guardam ou não os dados ou se esses estão ou não criptografados),
pelo risco de se tornar obsoleta dada a rápida evolução da tecnologia, muito
menos sobre o viés de se equiparar um aplicativo de mensagens instantâneas
ofertado por empresa privada a um serviço público essencial, confundindo o
Whatsapp ou similar, como se fosse a própria internet.

A situação
deve ser enfrentada no caso concreto, porém não poderia me furtar a sugerir alguns
direcionamentos. Primeiro, deve se ter como certa a capacidade técnica de
cumprimento da ordem, bem como ser essa a única forma de obter determinada
prova. E, não sendo suficientes outras modalidades de sanções, como multa, e,
sendo necessário aplicar os incisos III e IV do art. 12, buscar antes da
proibição total e, justamente para evitar danos a terceiros (embora possa ser
inevitável, conforme dito acima), aplicar a suspensão parcial do tratamento de
dados, impedindo, por exemplo, o cadastro de novos usuários, a transferência de
dados para outras plataformas, ainda que da mesma empresa, e até mesmo vedando
a publicidade com base nos dados coletados, que é uma das formas de tratamento
de dados possível. Tais possibilidades poderão motivar as empresas ao
cumprimento das ordens judiciais emanadas por autoridades judiciais brasileiras
e, entendendo o STF pelo cabimento da interpretação conforme a Constituição de
tais dispositivos, que conste tais penalidades como possíveis de serem
executadas, antes de qualquer ordem mais severa como a suspensão total do
tratamento de dados que culmine com o bloqueio do serviço.

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