Relacionamentos comerciais ainda dependem de QI?



Usar a inteligência é, com certeza, uma boa estratégia para tudo na vida. Mas você, leitor, sabe que eu não estou falando desse tipo de QI. Estou falando em ter que conhecer alguém na empresa para resolver um problema, ou seja, o tipo de atitude/postura que deveria ter acabado na era das centrais de relacionamento. Mas que continua, infelizmente, muito viva.

Um caso? Fresquinho? Saindo, então…

No final de 2001, um amigo meu recebeu um telefonema da central de atendimento do banco onde tinha e tem conta, informando que ele não precisaria se preocupar se aparecesse cheques devolvidos em seu extrato. É que talões de cheques do meu amigo haviam sido roubados, mas o banco já tomara as providências necessárias e ele não seria prejudicado em hipótese nenhuma. Nos meses seguintes, de fato, apareceram cheques devolvidos. Alguns, até, de valor considerável. Ficou nisso, porém. E, com o tempo, meu amigo tirou aqueles cheques roubados da cabeça.

Algumas semanas atrás, porém, a mulher do meu amigo ligou pra ele: “A polícia está aqui em casa, querem entregar uma intimação. Disseram que seu nome apareceu na investigação de um golpe em Santa Catarina”. Golpe? Santa Catarina? Que história é essa? Meu amigo ficou atordoado, não conseguia sequer imaginar do que se tratava.

Aconselhado por outra amiga nossa, advogada, ele antecipou-se e, no dia seguinte, foi à delegacia, onde soube que corria um processo no interior de Santa Catarina, envolvendo um daqueles cheques roubados e já esquecidos. Imediatamente, meu amigo abriu uma “ocorrência” na central de relacionamento do banco, na qual pedia para receber um documento isentando-o da data do “interrogatório”. Paralelamente, buscou advogados.

O primeiro com quem conversou pediu três mil reais, para início de conversa. Meu amigo achou um absurdo, afinal, não tinha feito nada. Até tinha como pagar, mas se não tivesse, iria para a cadeia por algo que nem remotamente havia feito? Sequer havia sido negligente, pois confiara no banco. Aí, deu-se a luz: o jurídico do banco. E passou os três dias seguintes tentando conseguir o telefone do jurídico do banco. A Central de Relacionamento, literalmente, recusou-se a dar, transferindo-o de um lugar para o outro até a ligação cair. Isso mais de uma vez. A gerente ficou de dar retorno. E não deu.

Estava nesse ponto quando seu sócio, que era amigo íntimo do presidente de uma das empresas ligadas ao banco, entrou no circuito. Poucas horas depois, alguém do jurídico do banco já estava falando com meu amigo e providenciando tudo.

Como se fosse uma ironia do destino, mal a conversa com o jurídico tinha acabado, toca o telefone e é alguém da central do banco. Esse alguém informa que, infelizmente, não podiam dar o documento solicitado, “porque não haviam encontrado nenhuma ocorrência em 2004”. Meu amigo aproveitou para explodir: “claro que não encontraram, pois o caso se deu em 2001. E que tipo de organização é essa de vocês que me ligam para dizer que não podem fazer nada por mim, quando acabo de falar com o jurídico de vocês, e eles estão cuidando do meu caso? Quer dizer que, como eu conheço o amigo do amigo do amigo do amigo do presidente do banco, tudo bem. Se não conhecesse, ia pra cadeia?” E bateu o telefone.

Resumo da ópera: o caso foi resolvido. Na força bruta do Quem Indica, porém. Sem traço qualquer de inteligência, portanto. O que aconteceria com um cliente comum? Estaria às voltas com o problema. Em compensação, teria entrado com uma ação de perdas e danos morais, até porque seria muito fácil comprovar sua inocência, o que custaria milhões de reais para o banco. Mas esse valor apenas se somaria às dezenas de milhões de reais que o banco gasta com a central – para cuidar apenas do óbvio.

Até a próxima. (E não deixe de visitar meu blog – http://blogclientesa.clientesa.com.br/marketingderelacionamento)

Fernando Guimarães é diretor de criação da Escala/Synapsys, além de consultor de marketing e comunicação e especialista em marketing de relacionamento. E-mail: [email protected]

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Relacionamentos comerciais ainda dependem de QI?



Usar a inteligência é, com certeza, uma boa estratégia para tudo na vida. Mas vocês sabem que eu não estou falando desse tipo de QI. Estou falando em ter que conhecer alguém na empresa para resolver um problema, o tipo de atitude/postura que deveria ter acabado na era das centrais de relacionamento. Mas que continua, infelizmente, muito viva.


 


Um caso? Fresquinho? Saindo, então…


 


Em 2001, outubro ou novembro daquele ano, não sei ao certo, um amigo meu recebeu um telefonema da central de atendimento do banco onde tinha e tem conta. Teor do telefonema: ele não precisaria se preocupar se aparecesse cheques devolvidos em seu extrato. A transportadora que o banco usava para entregar talões e outros serviços a domicílio fora assaltada e haviam levado talões de cheques do meu amigo. Mas o banco já tomara as providências necessárias e ele não seria prejudicado em hipótese alguma.


 


Nos meses seguintes, de fato, apareceram cheques devolvidos. Alguns, até, de valor considerável. Ficou nisso, porém. E, com o tempo, meu amigo tirou aqueles cheques roubados da cabeça.


 


Algumas semanas atrás, porém, a mulher do meu amigo liga pra ele: “A polícia está aqui em casa, querem entregar uma intimação. Disseram que seu nome apareceu na investigação de um golpe em Santa Catarina.” Golpe? Santa Catarina? Que história é essa? Meu amigo ficou atordoado, não conseguia sequer imaginar do que se tratava.


 


Naquela noite, ele conversou com outra amiga nossa, advogada, embora não criminalista, que o aconselhou a antecipar-se e ir à delegacia ver do que se tratava. Ele foi no dia seguinte lá na delegacia e conversou com a escrivã, uma mulher muito simpática que permitiu que ele olhasse uma Carta Precatória, enviada por uma delegacia do interior de Santa Catarina, referente a um processo de estelionato. E lá estava um cheque do meu amigo, datado de janeiro de 2002. Com uma assinatura completamente diferente da dele. Foi aí que caiu a ficha: eram os tais cheques roubados em 2001. Ele até explicou à escrivã, mas ela foi clara: sem documentos, a palavra dele valia nada. Ele que fosse até o banco, arranjasse evidências e voltasse na data marca para o “interrogatório”, após o qual seria ou não indiciado!


 


No outro dia, meu amigo foi até a sua agência e conversou com a gerente. Na hora, abriram uma “ocorrência” na Central de Relacionamento do banco. Ele insistiu que precisava receber antes da data do “interrogatório”.Àquela altura, todo o círculo de amigos e parentes sabia do acontecido e davam palpites, opiniões, conselhos. Unânimes, apenas, em relação ao fato de que ele devia arranjar um advogado, preferencialmente alguém com experiência em polícia, processos criminais, essas coisas.


 


O primeiro advogado com quem conversou pediu 3 mil reais para início de conversa. Achou um absurdo, afinal não tinha feito nada. Até tinha como pagar, mas se não tivesse, iria para a cadeia por algo que nem remotamente havia feito? Sequer havia sido negligente, pois confiara no banco. Aí, deu-se a luz: o jurídico do banco. E passou os três dias seguintes tentando conseguir o telefone do jurídico do banco. A Central de Relacionamento, literalmente, recusou-se a dar, transferindo-o de um lugar para o outro até a ligação cair. Mais de uma vez. A gerente ficou de dar retorno. E não deu.


 


O conselho dos amigos agora era diferente: todos concordavam que ele devia procurar sim um advogado, mas para processar o banco. No mínimo, disse aquela sua amiga advogada cível, vamos enviar uma notificação judicial para garantir que qualquer despesa sua seja ressarcida. Nesse ínterim, um outro amigo nosso entrou no circuito. Amigo íntimo do presidente de uma das empresas ligadas ao banco, ele colocou essa pessoa em contato com o meu desvalido amigo e poucas horas depois alguém do jurídico do banco já estava falando com meu amigo e providenciando tudo.


 


A essa altura, já estávamos na véspera do tal “interrogatório”, a data limite que meu amigo estabelecera na solicitação que fizera à Central de Relacionamento do banco. Como se fosse uma ironia do destino, mal a conversa com o jurídico acaba, toca o telefone e é alguém da Central do banco. Esse alguém informa que, infelizmente, não podiam dar o documento solicitado, “porque não haviam encontrado nenhuma ocorrência em 2004″. Meu amigo aproveitou para explodir: “claro que não haviam encontrado, pois o caso se dera em 2001, e que tipo de organização é essa de vocês que me ligam para dizer que não podem fazer nada por mim, quando acabo de falar com o jurídico de vocês, e eles estão cuidando do meu caso? Quer dizer que como eu conheço o amigo do amigo do amigo do amigo do presidente do banco, tudo bem, se não conhecesse, ia pra cadeia?” E bateu o telefone.


 


Resumo da ópera: o caso foi resolvido. Na força bruta do Quem Indica, porém. Sem traço qualquer de inteligência, portanto. O que aconteceria com um cliente comum? Estaria às voltas com o problema. Em compensação, teria entrado com uma ação de perdas e danos morais que, até porque seria muito fácil comprovar sua inocência, custaria milhões de reais para o banco. Que se somariam às dezenas de milhões de reais que o banco gasta com a Central – para cuidar apenas do óbvio.  

0 comentário em “Relacionamentos comerciais ainda dependem de QI?”

  1. É impressionante o que acontece quando temos essa grande ferramenta que é o QI. E o mais interessante é que eu não fico surpreso ao ler, já que em nosso país acontece isso na política. Enfim, é um erro as vezes de falta de diálogo das empresas, que acaba criando bolas de neve com os clientes.
    Parabéns pelo post Fernando.

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