Autor: Paulo Nassar
Já dizia o filósofo e escritor italiano Umberto Eco: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.”Segundo ele, os “idiotas da aldeia” tinham o direito à palavra em um bar após uma taça de vinho, mas sem prejudicar a coletividade. Com o advento das redes sociais, no entanto, hoje eles “têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. A teoria de Eco é comprovada por um levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da USP, na semana que antecedeu a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, em abril de 2016. A diligência, que investigou mais de 8 mil reportagens publicadas em jornais, revistas, sites e blogs no período, concluiu que três das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas. Juntos, os textos tiveram mais de 200 mil compartilhamentos, o que nos leva a crer que mais de 1 milhão de pessoas tenham sido impactadas por notícias falsas em menos de uma semana.
A má notícia (e essa não é falsa) é que a onda de inverdades não se restringiu ao processo de impeachment de Dilma Rousseff – ela está presente em nosso dia a dia e hoje influencia discussões nas mais diferentes áreas, da política ao esporte, passando pela economia e a cobertura ambiental. Vivemos a era do “fake news”, onde blogs com interesses escusos deturparam o princípio básico do jornalismo, que é a imparcialidade, para manipular a opinião pública de acordo com os interesses de determinados grupos. Nos últimos anos, essa se tornou uma atividade altamente lucrativa – talvez até mais rentável que o jornalismo de verdade. Prova disso é que atualmente existe uma verdadeira indústria que movimenta bilhões de dólares por ano através dos fake facts.
Mas nem só de blogs sujos vive o fake news. Em um momento de debates polarizados, de “nós contra eles”, muitos profissionais da área têm misturado jornalismo com ativismo, levando a desinformação até mesmo aos veículos que gozam de credibilidade junto ao seu público. O que pouca gente se dá conta é que notícias falsas ou coberturas jornalísticas tendenciosas podem afetar não somente a política, como também pessoas e empresas, destruindo a reputação e gerando prejuízos bilionários às corporações.
O jornalismo, não como empresa, mas como instituição, precisa criar um escudo para se proteger dessas práticas obscuras e não ser predada pelo fake news. É cada vez mais necessário zelar pela história, valores e princípios dos veículos tradicionais – e sobretudo pela credibilidade conquistada por eles ao longo de décadas. Muitos desses meios de comunicação contam atualmente com checadores profissionais de informações, uma arma eficiente na busca pela diferenciação. Outros apostam em parcerias com empresas especializadas em checagem de notícias, um negócio novo, mas que se tornou altamente relevante nos dias de hoje. Até mesmo companhias como Facebook, Google e Twitter – que não produzem conteúdo, apenas os distrubuem entre seus usuários – vêm investindo fortemente em ferramentas de checagem, buscando aumentar a credibilidade de seus serviços.
Mas a busca pela verdade, é preciso dizer, não é uma tarefa exclusiva dos veículos de comunicação. Do lado do leitor, também é preciso cuidado para interpretar as notícias, avaliar a credibilidade de quem as veicula e, principalmente, não colaborar para a difusão de conteúdos falsos, uma tarefa que acaba dificultada pelo cunho ideológico dos principais virais. A luta contra o fake news precisa ser encarada como uma via de mão dupla. Se por um lado é preciso criar uma relação de confiança com o leitor, esse, por sua vez, precisa valorizar as fontes confiáveis. Em tempos de pós-verdade, somente o bom jornalismo pode fazer a diferença para a sociedade. Essa é a informação que vale.
Paulo Nassar é professor-titular da ECA/USP e presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje).