A evolução tecnológica nos trouxe nos últimos anos uma nova infra-estrutura de comunicações. O ambiente da Internet possibilita hoje o auto-serviço via portal de atendimento, agregando o “chat” e o “e-mail” como opções de contato. A convergência digital permite a integração dessas tecnologias com o telefone e o fax, colocando voz e dados em uma única rede. Sob essa ótica, as novas centrais de atendimento se transformaram em centrais de relacionamento, provendo o acesso à empresa por uma plataforma integrada de canais. A promessa é uma visão única do relacionamento, não importa por que meio o cliente resolva se comunicar com a empresa.
Na prática, e de certa maneira, inexplicavelmente, as coisas não ocorrem exatamente como prometido. É muito comum, e o internauta certamente já passou por alguma experiência desta natureza, termos mensagens diferentes e até conflitantes, quando acessamos canais diferentes da mesma empresa. A origem destes problemas parece ser a mesma já abordada em outros contextos: base não única de informações e processos frágeis. Um dos poucos segmentos em que essa integração parece funcionar eficientemente é o atendimento bancário. Hoje, pelo menos nos bancos com os quais me relaciono, praticamente não há diferenças entre as informações disponibilizadas ou transações possíveis quando o canal é a Internet ou o telefone. O fax está perfeitamente integrado no atendimento por voz (para emissão do extrato, por exemplo). Esse segmento é um excelente “benchmarking” quando se fala de plataformas de contato multicanal.
No segmento de telecomunicações, a coisa se complica. Há dias resolvi mudar meu plano de tarifa pós-pago. Existe um serviço de auto-atendimento pela Internet, mas para ativá-lo é necessário primeiro a aquisição da senha na central de atendimento telefônico. De posse da senha, volta-se para o site e constata- se que não existe a opção de mudança de plano. Liga-se novamente para a central de atendimento e uma árvore de voz, nos leva finalmente à opção de alteração de plano que, segundo o agente, é implantado imediatamente. Algum tempo depois, quando se consulta o auto-atendimento pela Internet, o plano continua o antigo, inalterado. Volta-se à central telefônica e obtém-se a informação de que a atualização no site só é feita no final do dia, por isso pode estar realmente desatualizada. Embora não estejamos falando de uma operação de missão crítica, o conflito de canais sob o ponto de vista de informação e operação é grande e depõe com certeza contra a imagem da empresa, além de confundir o cliente. Este é um exemplo clássico de como a integração de canais é transformada em uma dependência desnecessária entre os mesmos: para se fazer uma operação no auto-atendimento pela Internet, é necessário o uso de outro canal, o telefone. Esse tipo de cenário cria desconfiança no cliente e destrói o objetivo da conveniência.
Por vezes, a falta de integração deixa a empresa em situação constrangedora sem que seus responsáveis sequer saibam. Alguns de vocês irão lembrar do último artigo, onde prometi contar o desfecho da minha questão com a operadora de TV a cabo. Só para lembrar, o caso do “Campeonato Carioca de Futebol” que havia sido retirado da oferta para São Paulo. Registrei a reclamação e a solicitação de esclarecimentos por telefone e por e-mail, a partir do site. O registro por telefone aparentemente não teve efeito algum. Já por e mail, houve uma troca intensa de mensagens, me informando que havia problemas técnicos e comerciais que impediam a oferta deste serviço para São Paulo. Informavam ainda que esperava que isto ficasse entendido e se houvesse alguma modificação no cenário, o que não estava previsto, eu seria avisado. A operadora de TV, os agentes e os gestores do atendimento não faziam a menor idéia do ridículo que eles passavam. Alguns dias depois do meu registro, consultei novamente o site, e lá estava a oferta de volta. Comprei imediatamente. Enquanto isso, eles continuavam a me enviar mensagens, justificando os motivos pelos quais a oferta não ia ser feita. Continuavam a dizer isso, mesmo depois que os informei que não havia mais problema e que, apesar deles não saberem, já havia comprado o pacote.
Um outro caso que mencionei no artigo anterior, também teve desdobramentos interessantes no contexto da integração de canais. Quando cancelaram a minha linha de celular em uma outra operadora, fiquei sem saber como devolver o aparelho que estava comigo em comodato e como formalizar o cancelamento. Liguei para central de atendimento corporativo que sugeriu que devolvesse pelo correio à operadora. Em paralelo, enviei um e-mail pelo site. Vinte dias depois, recebi uma resposta do e-mail, pedindo desculpas e minha compreensão pelo atraso no retorno causado por demanda elevada em função das promoções de final de ano. Além disso, eles verificaram que eu tinha tido contato com a central de atendimento telefônico onde foram prestados os esclarecimentos. Finalmente, informaram que esperavam que as dúvidas estivessem sanadas e disseram que, se fosse necessário, poderia pedir mais esclarecimentos pelo site ou por comando do próprio celular. Esqueceram-se, no entanto, de que não mais tinha nem linha nem celular. O cancelamento não foi formalizado e não sei até quando eles vão continuar me enviando contas de chamados ainda não faturados.
Infelizmente, no que diz respeito ao acesso multicanal pelo cliente e a integração da informação e processos, é mais comum a retórica enfática do que a operação prática eficaz. Embora não seja regra, e o segmento bancário demonstra isso muito bem, a experiência do cliente ao usar múltiplos canais é normalmente mais confusa do que prática. Mensagens conflitantes, processos paralelos e falta de integração podem nos trazer muito mais sofrimento do que conveniência e praticidade. Sem saber, muitas empresas passam por situações vexatórias, que poderiam ser evitadas com mais seriedade e consistência nos projetos.
Comunicação com os clientes é missão estratégica das empresas e precisa ser vista de uma forma holística. Se tratada de forma minimalista com tem sido por parte dos gestores de atendimento, poderá se transformar em uma imensa babel, prejudicando os clientes e as próprias empresas. É isso que a gente tem visto.
Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/ Marketing da FEA/USP